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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, dezembro 17, 2013

    Carta aberta à Presidenta eleita Michele Bachelet





Querida Presidenta eleita Michele Bachelet

Nossa Presidenta Dilma já a cumprimentou em nome do povo brasileiro. Sinto-me plenamente representado pelos cumprimentos de nossa querida Presidenta do Brasil.

Porém, compartilho com a senhora os meus sentimentos desde ontem com sua eleição. Quando soube ainda no domingo de sua convincente eleição dei um pulo com os pulsos fechados para o ar e vibrei de alegria. Quando me dei conta percebi que, sentado ao sofá, depois, chorava de emoção. 

Minha emoção foi por lembrar-me do banho de sangue e por um toldo de trevas a que o povo chileno foi empurrado pelo bandido Augusto Pinochet. 

Sua eleição recordou à senhora mesma do seu amado pai, o general Alberto Bachelet, morto na prisão depois do golpe de Estado de 1973, comandado pelo bandido que mencionei acima. No seu discurso comemorando a vitória eleitoral a senhora disse ontem (leia mais aqui): “Ao meu pai, que não deixou de estar comigo um único dia de minha vida, porque sua integridade, seu exemplo, sua valentia e sua crença na pátria me fizeram a cada dia ser quem sou. Sua presença próxima a mim me enche de orgulho e amor.”

Assim como seu pai o Chile e a América Latina foram heróis e vítimas da brutalidade dos criminosos de direita a serviço do imperialismo americano. Não economizaram ódio ao estrangular a liberdade, ao perseguir cidadãos, prender, torturar e matar, certos de que os sonhos seriam assassinados, também. 

Mas da mesma forma que seu pai, que foi um patriota íntegro, valente e pleno de fé na Pátria, não traiu, não esmoreceu e morreu como herói, a senhora retoma seus sonhos e coragem para ajudar o Chile e a América Latina a avançar na realização dos nossos sonhos. 

Penso, querida Presidenta eleita Bachelet, que há lições a relevar e a considerar nesse momento em nossas frágeis independências e democracias na América Latina. 

Primeiro, a imensa alienação que toma conta de nossos povos, ainda presos aos ditames das direitas que usam a mídia para enganar e golpear, ainda é fator com o qual a opressão conta como aliada. Equivocadamente seu País implantou o voto como ação política voluntária para os cidadãos elegerem seus líderes e governantes. Resultados: grande parte dos eleitores não compareceu às urnas no primeiro turno levando sua eleição para o segundo. Neste, cerca de 47% dos eleitores não compareceram às urnas, completamente alheios ao processo grave de lutas que se dá em seu País e na América Latina. Felizmente dos que votaram mais de 62% votou na senhora. Ainda bem, mas os que se omitiram colaboraram com a direita. 

Essa omissão tem que ser superada pela educação política, que deverá substituir a alienação - a pura e simples transferência de responsabilidades que cabem aos cidadãos - por uma paixão patriótica, como a que levou seu pai a morrer por seu povo e por seu País, sem tergiversar com o golpe e com a direita. 

 Segundo, ainda velamos o grande homem Nelson Mandela, que imagino ser muito amado e respeitado pela senhora. Ora, esse exemplo de líder libertário construiu vitórias com seu povo na África do Sul. Mas há quem avalie que ele adoeceu e morreu com a grande amargura de não conseguir avançar mais nas transformações políticas, sociais e econômicas de seu povo. Sabe-se que aquele País irmão vive gigantescas contradições: conquistou a liberdade e o combate ao racismo, mas as terras e as propriedades que geram riquezas continuam nas mãos de uma pequena minoria branca que apoia o estrangulamento mundial que os Estado Unidos promovem. 

Esta angústia parece acompanhar-nos em nossos Países que empurraram a direita e o imperialismo para a beira do abismo, mas sem forças para jogá-los lá dentro e eliminá-los para sempre. 

Aqui no Brasil, Lula e Dilma, extremamente amados por boa parte de nosso povo e perseguidos por uma direita raivosa, rancorosa e até assassina, se puder matar, avançaram muito na concretização de políticas públicas. Ganhamos muito com seus governos. Eles colocaram nosso povo em escolas, universidades, supermercados, restaurantes, aviões, em casas e em velórios melhores. Mas não tocaram na essência das injustiças e privilégios do capital internacional e dos ricos nacionais. Lula mesmo se orgulhava em dizer que os empresários e bancários nunca ganharam tanto dinheiro como no governo dele. 

Lula quando esteve no auge das pesquisas negou-se a fazer as reformas política, econômica, agrária, educacional, da saúde, habitacional, urbana, mediática e outras. 

Isto é, com exceção de Hugo Chávez – agora Maduro –, na Venezuela, Cristina Kirchner, na Argentina e Evo Moralles, na Bolívia, nossos governos de esquerda na América Latina travam e começam a ceder espaço para a direita. 

Aqui no Brasil, como a senhora sabe, houve manifestações de rua. Embora ingênuas e manipuladas, o povo na verdade pedia avanços justos. Pedia mais Estado e menos mercado. O povo pedia soluções do governo que lhes prometera frutos do desenvolvimento e agora estancara em abraços com a burguesia atrasada, muito mais atento à oposição reacionária, entreguista, de passado sujo e moralista, do que ao povo que pede passagem para a cumprimento dos direitos sociais. 

Penso, Presidenta Michele Bachelet, que a senhora se reelege num novo momento das lutas latino americanas. Nossos povos dos países que romperam com a submissão aos Estados Unidos, que consideravam as Américas Latina, Central e Caribe, como seu quintal, já não pedem mais liberdade e democracia. Pressionamos por avanços.

Não é mais tolerável que as terras continuem em poucas mãos com o objetivo de faturamento e negócios, apenas, enquanto milhões passam fome, sem trabalho e sem qualidade alimentar e de vida.

É intolerável que essa mídia vazia, suja e de história comprometida com golpes, roubos e assassinatos, continue a ser o quarto poder que põe e dispõe de quem bem entender, protegendo as sombras onde se escondem seus prepostos no poder. 

Não é aceitável que a educação seja produto barato a serviço de um mercado neoliberal e perverso.

Não é tolerável que a saúde seja instrumento de enriquecimento diabólico de médicos, laboratórios, farmácias e da indústria farmacêutica em detrimento de nosso povo. 

Não é mais aceitável que os territórios urbanos sirvam a especulações imobiliárias para enriquecer poucos e impossibilitando o barateamento dos custos residenciais e dignidade habitacional para nosso povo.

É absolutamente desprezível que nossa classe trabalhadora e nosso povo sejam transportados em piores condições do que gado para o abate. A mobilidade social tem que mudar seu eixo, passando do transporta individual para o coletivo de alta qualidade e custo zero. 

Enfim, a senhora é eleita no Chile para ser mais uma voz na América Latina que reforce as pressões por mudanças e transformações profundas. Não há que temer a direita golpista. O único medo que os eleitos pelo povo para fazer transformações é o de trair esse povo. 

Sem dúvidas que apoio a Presidenta Dilma do meu País. Tenho orgulho dela. Mas quero me orgulhar muito mais com as reformas que ela precisa e deve fazer. Chega de juros, de pibinho e de leilões privatistas. Dilma é minha candidata a reeleição do ano que vem e por quem irei às ruas, mas espero muito mais dela do que nos deu até agora.

Abraços críticos e fraternos no regozijo por sua eleição e na luta pela justiça e paz.
 Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano. 


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