Carta aberta à Presidenta eleita Michele Bachelet
Querida
Presidenta eleita Michele Bachelet
Nossa Presidenta Dilma já a cumprimentou em nome do povo
brasileiro. Sinto-me plenamente representado pelos cumprimentos de nossa querida
Presidenta do Brasil.
Porém, compartilho com a senhora os meus sentimentos desde ontem
com sua eleição. Quando soube ainda no domingo de sua convincente eleição dei
um pulo com os pulsos fechados para o ar e vibrei de alegria. Quando me dei
conta percebi que, sentado ao sofá, depois, chorava de emoção.
Minha emoção foi por lembrar-me do banho de sangue e por um
toldo de trevas a que o povo chileno foi empurrado pelo bandido Augusto
Pinochet.
Sua eleição recordou à senhora mesma do seu amado pai, o
general Alberto Bachelet, morto na prisão depois do golpe de Estado de 1973,
comandado pelo bandido que mencionei acima. No seu discurso comemorando a
vitória eleitoral a senhora disse ontem (leia mais aqui): “Ao meu pai, que não
deixou de estar comigo um único dia de minha vida, porque sua integridade, seu
exemplo, sua valentia e sua crença na pátria me fizeram a cada dia ser quem
sou. Sua presença próxima a mim me enche de orgulho e amor.”
Assim como seu pai o Chile e a América Latina foram heróis e
vítimas da brutalidade dos criminosos de direita a serviço do imperialismo
americano. Não economizaram ódio ao estrangular a liberdade, ao perseguir
cidadãos, prender, torturar e matar, certos de que os sonhos seriam
assassinados, também.
Mas da mesma forma que seu pai, que foi um patriota íntegro,
valente e pleno de fé na Pátria, não traiu, não esmoreceu e morreu como herói,
a senhora retoma seus sonhos e coragem para ajudar o Chile e a América Latina a
avançar na realização dos nossos sonhos.
Penso, querida Presidenta eleita Bachelet, que há lições a
relevar e a considerar nesse momento em nossas frágeis independências e democracias
na América Latina.
Primeiro, a imensa alienação que toma conta de nossos povos,
ainda presos aos ditames das direitas que usam a mídia para enganar e golpear,
ainda é fator com o qual a opressão conta como aliada. Equivocadamente seu País
implantou o voto como ação política voluntária para os cidadãos elegerem seus
líderes e governantes. Resultados: grande parte dos eleitores não compareceu às
urnas no primeiro turno levando sua eleição para o segundo. Neste, cerca de 47%
dos eleitores não compareceram às urnas, completamente alheios ao processo
grave de lutas que se dá em seu País e na América Latina. Felizmente dos que
votaram mais de 62% votou na senhora. Ainda bem, mas os que se omitiram
colaboraram com a direita.
Essa omissão tem que ser superada pela educação política, que
deverá substituir a alienação - a pura e simples transferência de
responsabilidades que cabem aos cidadãos - por uma paixão patriótica, como a
que levou seu pai a morrer por seu povo e por seu País, sem tergiversar com o
golpe e com a direita.
Segundo, ainda velamos
o grande homem Nelson Mandela, que imagino ser muito amado e respeitado pela
senhora. Ora, esse exemplo de líder libertário construiu vitórias com seu povo
na África do Sul. Mas há quem avalie que ele adoeceu e morreu com a grande
amargura de não conseguir avançar mais nas transformações políticas, sociais e
econômicas de seu povo. Sabe-se que aquele País irmão vive gigantescas contradições:
conquistou a liberdade e o combate ao racismo, mas as terras e as propriedades
que geram riquezas continuam nas mãos de uma pequena minoria branca que apoia o
estrangulamento mundial que os Estado Unidos promovem.
Esta angústia parece acompanhar-nos em nossos Países que
empurraram a direita e o imperialismo para a beira do abismo, mas sem forças
para jogá-los lá dentro e eliminá-los para sempre.
Aqui no Brasil, Lula e Dilma, extremamente amados por boa
parte de nosso povo e perseguidos por uma direita raivosa, rancorosa e até
assassina, se puder matar, avançaram muito na concretização de políticas
públicas. Ganhamos muito com seus governos. Eles colocaram nosso povo em escolas,
universidades, supermercados, restaurantes, aviões, em casas e em velórios
melhores. Mas não tocaram na essência das injustiças e privilégios do capital
internacional e dos ricos nacionais. Lula mesmo se orgulhava em dizer que os
empresários e bancários nunca ganharam tanto dinheiro como no governo dele.
Lula quando esteve no auge das pesquisas negou-se a fazer as
reformas política, econômica, agrária, educacional, da saúde, habitacional,
urbana, mediática e outras.
Isto é, com exceção de Hugo Chávez – agora Maduro –, na
Venezuela, Cristina Kirchner, na Argentina e Evo Moralles, na Bolívia,
nossos governos de esquerda na América Latina travam e começam a ceder espaço
para a direita.
Aqui no Brasil, como a senhora sabe, houve manifestações de
rua. Embora ingênuas e manipuladas, o povo na verdade pedia avanços justos.
Pedia mais Estado e menos mercado. O povo pedia soluções do governo que lhes
prometera frutos do desenvolvimento e agora estancara em abraços com a
burguesia atrasada, muito mais atento à oposição reacionária, entreguista, de
passado sujo e moralista, do que ao povo que pede passagem para a cumprimento
dos direitos sociais.
Penso, Presidenta Michele Bachelet, que a senhora se reelege
num novo momento das lutas latino americanas. Nossos povos dos países que
romperam com a submissão aos Estados Unidos, que consideravam as Américas
Latina, Central e Caribe, como seu quintal, já não pedem mais liberdade e
democracia. Pressionamos por avanços.
Não é mais tolerável que as terras continuem em poucas mãos
com o objetivo de faturamento e negócios, apenas, enquanto milhões passam fome,
sem trabalho e sem qualidade alimentar e de vida.
É intolerável que essa mídia vazia, suja e de história
comprometida com golpes, roubos e assassinatos, continue a ser o quarto poder
que põe e dispõe de quem bem entender, protegendo as sombras onde se escondem
seus prepostos no poder.
Não é aceitável que a educação seja produto barato a serviço
de um mercado neoliberal e perverso.
Não é tolerável que a saúde seja instrumento de
enriquecimento diabólico de médicos, laboratórios, farmácias e da indústria
farmacêutica em detrimento de nosso povo.
Não é mais aceitável que os territórios urbanos sirvam a
especulações imobiliárias para enriquecer poucos e impossibilitando o
barateamento dos custos residenciais e dignidade habitacional para nosso povo.
É absolutamente desprezível que nossa classe trabalhadora e
nosso povo sejam transportados em piores condições do que gado para o abate. A
mobilidade social tem que mudar seu eixo, passando do transporta individual
para o coletivo de alta qualidade e custo zero.
Enfim, a senhora é eleita no Chile para ser mais uma voz na América
Latina que reforce as pressões por mudanças e transformações profundas. Não há
que temer a direita golpista. O único medo que os eleitos pelo povo para fazer
transformações é o de trair esse povo.
Sem dúvidas que apoio a Presidenta Dilma do meu País. Tenho
orgulho dela. Mas quero me orgulhar muito mais com as reformas que ela precisa
e deve fazer. Chega de juros, de pibinho e de leilões privatistas. Dilma é
minha candidata a reeleição do ano que vem e por quem irei às ruas, mas espero muito mais dela do que
nos deu até agora.
Abraços críticos e fraternos no regozijo por sua eleição e na
luta pela justiça e paz.
Dom Orvandil: bispo cabano, farrapo e republicano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário