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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, dezembro 28, 2013

Nietzsche – Eterno Retorno


“O maior dos pesos – E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem  – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!”.  – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?‟, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela” – Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência, 341.
Friedrich Nietzsche
O Eterno Retorno talvez seja um dos pensamentos mais conhecidos e importantes de Nietzsche. Procurando encontrar alternativas para fugir do niilismo decorrente da morte de Deus, o pensador alemão invoca a ideia do Eterno Retorno como possibilidade de aceitar e afirmar a vida. O importante não é pensá-lo como uma hipótese cosmológica, mas sim como um desafio ético. Você viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim eternamente? Se você fosse condenado a viver a mesma existência infinitas vezes, e nada além disso, como se sentiria?
Este pensamento é um teste, e só os fortes podem suportar. Caso se ame a vida e a frua autenticamente, a ideia do Eterno Retorno é uma benção. Mas caso se esteja esperando pela próxima, guiando sua existência por uma pós-vida, amaldiçoando esta, neste caso, o pensamento de tudo voltar eternamente seria encarado como uma maldição. Para Nietzsche, este pensamento supera todas as religiões e metafísicas porque mantém o centro de gravidade ética no real, não se busca por justificativas além-mundo para valorizar esta existência, ela se justifica por si mesma.
Com a morte de Deus (veja aqui), o mundo perde todos os parâmetros transcendentes em que se guiava. Não temos mais certo e errado, bem e mal como valores que alguma divindade nos revelaria, tudo passa a ser determinado pelo homem, construído e destruído exclusivamente por ele. Pois bem, então a vida não tem sentido fora da própria vida. Se não há valores transcendentes, não há nenhum sentido na vida fora dela mesma, não há uma entidade para julgar nossas ações. O Eterno Retorno coage o indivíduo a dar sentido por si mesmo. Ele se torna criador de valores. Esta capacidade de criar e ser juiz de seus valores é o que justificará sua existência. Ele precisa escolher e criar pensando “quero viver isso eternamente?”.
Sendo assim, a ideia de que tudo pode retornar exatamente igual nos torna infinitamente responsáveis por nossas escolhas e atitudes. Como seremos obrigados a vivê-las infinitas vezes, precisamos fazer o melhor possível, aqui e agora. Precisamos viver de modo que repetir tudo outra vez seja uma benção! A vida não tem sentido? Ótimo! Melhor assim! Já imaginaram como seria se o mundo já estivesse justificado por um decreto divino? Já estivesse tudo decidido por algum ser superior? Por qualquer entidade que seja? Que tédio! Isso sim seria um terrível fardo! Não haveria sentido em criar nada. Portanto, o maior de todos os pesos é também o maior de todos os presentes: a vida não tem sentido! Nós damos sentido a nossas vidas, como um artista que dá sentido a sua obra. Que benção! Temos a chance, esta sim me parece divina, de sermos responsáveis por nossa própria criação. Nietzsche abriu a possibilidade de nos tornamos artistas! Esculpindo-nos como nossa própria obra de arte; dançando a música da vida, não pelo que acontece depois que ela termina, mas pelo prazer do ritmo e da melodia.
"O Eterno Retorno é um princípio seletivo. Em cada momento da vida em que hesitamos, devemos dizer: "escolhamos aquilo que deverá se repetir sem cessar", "prefiramos aquilo que voltará eternamente". E então, tudo se torna simples."“O Eterno Retorno é um princípio seletivo. Em cada momento da vida em que hesitamos, devemos dizer: “escolhamos aquilo que deverá se repetir sem cessar”, “prefiramos aquilo que voltará eternamente”. E então, tudo se torna simples.”
*CarlosMaia

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