REFLEXÕES DE UM CONTESTADOR ESQUECIDO
O cineasta italiano Pier Paolo Pasolini
(1922-1975) sempre foi um provocador, no bom sentido da palavra.
Marxista de formação católica, ele era iconoclasta por natureza.
Pasolini |
Em
pleno 1968, por exemplo, ele disse que se identificava mais com os
policiais, os "verdadeiros proletários", do com os estudantes
"pequeno-burgueses”, jovens infelizes, condenados pelos crimes dos pais,
que foram responsáveis "primeiro pelo fascismo, depois por um regime
clerical-fascista, falsamente democrático, e que, por último, aceitou a
nova forma de poder, o poder do consumo, última das ruínas, ruína das
ruínas". À parte boutades
como esta, Pasolini tinha reflexões radicais e profundas, hoje quase
esquecidas. Como esse texto, publicado pouco antes de ele ser
assassinado. Pode-se discordar, mas não negar-lhe brilhantismo.
O novo fascismo
“Estou profundamente convencido que o verdadeiro fascismo é o que os sociólogos muito gentilmente chamaram sociedade de consumo, definição que parece inofensiva e puramente indicativa. Isso não é nada. Se se observar bem a realidade, e sobretudo se se souber ler os objetos, a paisagem, o urbanismo e acima de tudo os homens, vê-se que os resultados desta inconsciente sociedade de consumo são eles mesmos os resultados de uma ditadura, de um fascismo puro e simples. No filme de Naldini (Fascista, de Nico Naldini, 1974), vê-se que os jovens estavam enquadrados e em uniforme... Mas há uma diferença: naquele tempo, os jovens, mal despiam o uniforme e tomavam a estrada para casa, voltavam a ser os italianos de 50 ou 100 anos atrás. O fascismo fez deles realmente, fantoches, servidores, talvez em parte convictos, mas nunca lhes chegou ao fundo da alma, à sua maneira de ser. Pelo contrário o novo fascismo, a sociedade de consumo, transformou profundamente os jovens: ela tocou-os no que eles tinham de mais íntimo, deu-lhes outros sentimentos, outras maneiras de pensar, de viver, outros modos culturais. Já não se trata como na época mussoliniana, de uma arregimentação artificial, cenográfica, mas de uma arregimentação real, que roubou e modificou a sua alma. O que significa, em definitivo, que esta civilização de consumo é uma civilização ditatorial. Em suma, se a palavra ‘fascismo’ significa violência do poder, a ‘sociedade de consumo’ conseguiu realizar o fascismo”.
Pier Paolo Pasolini, L’Europeo, 26 de dezembro de 1974
“Estou profundamente convencido que o verdadeiro fascismo é o que os sociólogos muito gentilmente chamaram sociedade de consumo, definição que parece inofensiva e puramente indicativa. Isso não é nada. Se se observar bem a realidade, e sobretudo se se souber ler os objetos, a paisagem, o urbanismo e acima de tudo os homens, vê-se que os resultados desta inconsciente sociedade de consumo são eles mesmos os resultados de uma ditadura, de um fascismo puro e simples. No filme de Naldini (Fascista, de Nico Naldini, 1974), vê-se que os jovens estavam enquadrados e em uniforme... Mas há uma diferença: naquele tempo, os jovens, mal despiam o uniforme e tomavam a estrada para casa, voltavam a ser os italianos de 50 ou 100 anos atrás. O fascismo fez deles realmente, fantoches, servidores, talvez em parte convictos, mas nunca lhes chegou ao fundo da alma, à sua maneira de ser. Pelo contrário o novo fascismo, a sociedade de consumo, transformou profundamente os jovens: ela tocou-os no que eles tinham de mais íntimo, deu-lhes outros sentimentos, outras maneiras de pensar, de viver, outros modos culturais. Já não se trata como na época mussoliniana, de uma arregimentação artificial, cenográfica, mas de uma arregimentação real, que roubou e modificou a sua alma. O que significa, em definitivo, que esta civilização de consumo é uma civilização ditatorial. Em suma, se a palavra ‘fascismo’ significa violência do poder, a ‘sociedade de consumo’ conseguiu realizar o fascismo”.
Pier Paolo Pasolini, L’Europeo, 26 de dezembro de 1974
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