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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, dezembro 25, 2013

247 – O Uruguai iniciou oficialmente, a partir da terça-feira 24, uma experiência inédita na América Latina. O presidente José Pepe Mujica sancionou a legislação aprovada pelo Congresso do País que descriminaliza e libera para plantio, uso e comercialização controlada a canabis, a conhecida maconha.
É a primeira vez que um país da região adota uma lei que não é punitiva sobre o produtor e o usuário da planta. Nos Estados Unidos, a permissão para o uso recreativo ou medicinal da maconha já está consagrada em estados como Califórnia, Colorado e Washington. No Brasil, a iniciativa do Uruguai despertou a ira dos fundamentalistas na mídia familiar, que já indicam que o país vizinho passará a ser uma base segura para o narcotráfico do continente.
Não se tem notícia de que Pepe Mujica tenha sido ou seja um maconheiro, como se chama, de modo pejorativo, o usuário de canabis. Muito menos que ele tenha algum vestígio de ligação com o narcotráfico, que perdeu seus chefões como Pablo Escobar mas realiza negócios bilionários de produção, distribuição e comercialização de drogas pesadas como a heroína, a cocaína e seus subprodutos, como o crack, todos os anos na América do Sul.
Na história de Pepe Mujica há um passado de guerrilheiro contra a sanguinária ditadura uruguaia e um presente de perfil discreto e nada afeito a mordomias. Na economia e na política, o presidente toca o país sem solavancos, numa placidez que nada tem a ver com as pirotecnias fracassadas de sua colega argentina Cristina Kirchner. Até aqui, pela soma desses fatores, Pepe Mujica era um exemplo de governante bem centrado no desempenho do cargo, mas passou a ser execrado pelo conservadorismo em razão da lei da maconha.
PRESSA ATRASADA - A pressa em julgar Mujica e sua iniciativa é inútil. Iniciada agora, a experiência do Uruguai só vai dar resultados, positivos ou negativos, em médio e longo prazos. É difícil imaginar que, em razão de uma lei, legiões de usuários atravessem o rio da Prata em busca de sua Meca ou poderosos chefões do tráfico de drogas pesadas mudem suas estratégias apenas porque agora se pode ter até seis pés de canabis num jardim. Igualmente não se deve registrar uma adesão em massa à prática de fumar maconha dentro do próprio Uruguai, até mesmo porque o tabaco sempre foi liberado e seu consumo se dá com estabilidade.
Para quem enxerga na lei uma iniciativa corajosa e moderna, a legislação uruguaia sobre a maconha pode devolver ao Estado – e não retirar dele – o papel normativo sobre uma atividade ilegal e praticada em quase todos os países do mundo.
A lei de Pepe Mujica, como gostariam seus críticos, não inventa o uso da maconha no Uruguai, mas apenas o reconhece e tenta discipliná-lo. É exatamente o contrário do que apontam as deturpações cometidas por articulistas da mídia tradicional, que veem na lei a implantação do caos.
PRIMAZIA DE FHC - Personalidades importantes da sociedade brasileira têm, ao contrário dos aiatolás da mídia, brilhado pela racionalidade no debate. A primazia neste sentido cabe ao ex-presidente Fernando Henrique, que teve a coragem de assumir a frente dessa discussão com uma posição francamente favorável à descriminalização. Nas últimas semanas, dando peso formal à sua defesa, vem se pronunciando o ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, que pede a imediata abertura da discussão institucional do tema.
À primeira vista, a lei uruguaia leva a presença do Estado a uma atividade que estava de submudo, afeita a regras próprias. Agora, essa mesma atividade pode ser acompanhada, conferida e delimitada. Haverá transparência, certamente muito mais do que a que existe hoje em relação ao tema.
Há uma boa chance de os efeitos reais da descriminalização e legalização da maconha no Uruguai serem extremamente positivos. De saída, a nova legislação enfrenta à luz do dia essa questão, o que é um grande avanço. Além disso, para que não pairassem dúvidas sobre sua legalidade, todos os ritos foram cumpridos para a sua aprovação, sempre com acompanhamento próximo de observadores internacionais. A grita contra a iniciativa do Uruguai parece, muitas vezes, um verdadeira torcida para que ela não dê bons resultados.
*Brasil247

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