O presidente do Uruguai, José Mujica, entrará para a história latino-americana como alguém que colocou de vez a pauta da modernização de costumes no centro da política. Em seu governo, o Uruguai aprovou a legalização do aborto, o casamento homossexual e, agora, uma ousada legislação de regulamentação da produção e do comércio de maconha.
O Uruguai partiu de uma constatação cada vez mais assumida nos debates internacionais sobre o problema: “A guerra contra as drogas fracassou”. A abordagem policialesca hegemônica é cara e ineficaz, além de infantilizar o debate ao considerar todo consumidor de droga um viciado, ainda que potencial.
Por mais que isso possa parecer estranho a alguns, não há princípio moral que justifique a proibição do uso de drogas por adultos responsáveis por seus atos. As modalidades de prazer do corpo, bem como a decisão sobre os alimentos e substâncias que consumo, são fruto de deliberações individuais. Cabe ao Estado simplesmente alertar seus cidadãos sobre os riscos de suas decisões.
Dois argumentos poderiam ser contrapostos a essa maneira de pensar o problema do uso das drogas. Primeiro, usuários de drogas estariam, necessariamente em situação de perda de autonomia. O argumento é ruim por não distinguir usuários esporádicos daqueles que têm estrutura patológica de drogadição.
Segundo, haveria uma equação indissociável entre droga e violência. Assim, combater a primeira seria, necessariamente, diminuir a segunda. No entanto, há duas violências pressupostas aqui. A primeira é resultado exatamente do tráfico e da ilegalidade do comércio de drogas. Nesse sentido, a lei uruguaia é astuta ao criar um mecanismo estatal capaz de retirar a produção da maconha das mãos de grupos criminosos.
Por outro lado, haveria a violência resultante da pretensa modificação de comportamento de quem consome drogas. O problema é que, no caso da maconha, o argumento é risível, assim como é risível o argumento de que ela seria necessariamente uma porta de entrada para o consumo de drogas mais pesadas.
Note-se ainda que nunca houve e, provavelmente, nunca haverá sociedade sem drogas. Assim, melhor do que ficar à procura de um paraíso onde elas não existiriam, procura que no mais das vezes só consegue produzir infernos, é saber como viver com elas. É bem provável que muito de seu consumo seria diminuído se nossas sociedades retirassem a aura transgressiva das drogas.
Ao abandonar a lógica da guerra, os governos poderiam enfim pautar suas políticas pela lógica médica da discussão sobre o uso e seus riscos, como já é feito com bebidas e cigarros.
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo)
*coletivoDAR
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