Mandela e Fidel: o que não se diz
“Anos
mais tarde, na Conferência de Solidariedade Cubano-Sul-Africana de
1995, Mandela diria que “os cubanos vieram a nossa região como doutores,
professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como
colonizadores. Compartilharam as mesmas trincheiras de luta contra o
colonialismo, o subdesenvolvimento e o apartheid... Jamais esqueceremos
esse incomparável exemplo de desinteressado internacionalismo”. É uma
boa recordação para quem ontem e ainda hoje fala da “invasão” cubana a
Angola.”
Atilio Boron
A
morte de Nelson Mandela precipitou uma catarata de interpretações sobre
sua vida e obra, todas o apresentando como um apóstolo do pacifismo e
uma espécie de Madre Teresa da África do Sul. Trata-se de uma imagem
essencial e premeditadamente equivocada, que ignora que após a matança
de Sharperville, em 1960, o Congresso Nacional Africano (CNA) e seu
líder, exatamente Mandela, adotaram a via armada e a sabotagem de
empresas e projetos de importância econômica, mas sem atentar contra
vidas humanas.
Mandela percorreu diversos países
da África em busca de ajuda econômica e militar a fim de sustentar essa
nova tática de luta. Foi preso em 1962 e, pouco depois, condenado à
prisão perpétua, que o manteria relegado em uma prisão de segurança
máxima, em cela de 2x2 metros, durante 25 anos, exceto os últimos dois
anos, nos quais a formidável pressão internacional para conseguir sua
libertação melhorou as condições de sua detenção.
Mandela,
portanto, não foi um “adorador da legalidade burguesa”, mas um
extraordinário líder político, cuja estratégia e táticas de luta foram
variando conforme mudavam as condições sob as quais se davam suas
batalhas. Diz-se que foi o homem que acabou com o odioso apartheid
sul-africano, o que é uma meia-verdade.
Outra
parte do mérito cabe a Fidel e à Revolução cubana, que com sua
intervenção na guerra civil de Angola selou a sorte dos racistas, ao
derrotar as tropas do Zaire (hoje, República Democrática do Congo), do
exército sul-africano e dos dois exércitos mercenários angolanos,
organizados, armados e financiados pelos EUA através da CIA. Graças a
sua heroica colaboração, na qual uma vez mais se demonstrou o nobre
internacionalismo da Revolução Cubana, conseguiu-se manter a
independência de Angola, sentar bases para a posterior emancipação da
Namíbia e disparar o tiro de misericórdia contra o apartheid
sul-africano.
Por isso, informado do resultado
da crucial batalha de Cuito Cuanavale, em 23 de março de 1988, Mandela
escreveu da prisão que o desfecho do que se chamou de “Stalingrado
africana” foi “o ponto de inflexão para a libertação de nosso
continente, e do meu povo, do flagelo do apartheid”. A derrota dos
racistas e seus mentores estadunidenses deu um golpe mortal na ocupação
sul-africana da Namíbia e precipitou o início das negociações com o CNA,
que, devagar, terminariam demolindo o regime racista sul-africano, obra
mancomunada por aqueles dois estadistas gigantescos e revolucionários.
Anos
mais tarde, na Conferência de Solidariedade Cubano-Sul-Africana de
1995, Mandela diria que “os cubanos vieram a nossa região como doutores,
professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como
colonizadores. Compartilharam as mesmas trincheiras de luta contra o
colonialismo, o subdesenvolvimento e o apartheid... Jamais esqueceremos
esse incomparável exemplo de desinteressado internacionalismo”. É uma
boa recordação para quem ontem e ainda hoje fala da “invasão” cubana a
Angola.
Cuba pagou um preço enorme por este
nobre ato de solidariedade internacional que, como recorda Mandela, foi o
ponto de inflexão da luta contra o racismo na África. Entre 1975 e
1991, cerca de 450.000 homens e mulheres da ilha passaram por Angola,
apostando nisso sua vida. Pouco mais de 2.600 perderam-na, lutando para
derrotar o regime racista de Pretória e aliados. A morte deste
extraordinário líder que foi Nelson Mandela é uma excelente ocasião para
homenagear sua luta e, também, o heroísmo internacionalista de Fidel e
da Revolução Cubana.
Atilio Borón é sociólogo e professor da Universidade de Buenos Aires.
Traduzido por Gabriel Brito, Correio da Cidadania.
*GilsonSampaio
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