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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Mandela e Fidel: o que não se diz

 


 

“Anos mais tarde, na Conferência de Solidariedade Cubano-Sul-Africana de 1995, Mandela diria que “os cubanos vieram a nossa região como doutores, professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como colonizadores. Compartilharam as mesmas trincheiras de luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e o apartheid... Jamais esqueceremos esse incomparável exemplo de desinteressado internacionalismo”. É uma boa recordação para quem ontem e ainda hoje fala da “invasão” cubana a Angola.”
Atilio Boron
A morte de Nelson Mandela precipitou uma catarata de interpretações sobre sua vida e obra, todas o apresentando como um apóstolo do pacifismo e uma espécie de Madre Teresa da África do Sul. Trata-se de uma imagem essencial e premeditadamente equivocada, que ignora que após a matança de Sharperville, em 1960, o Congresso Nacional Africano (CNA) e seu líder, exatamente Mandela, adotaram a via armada e a sabotagem de empresas e projetos de importância econômica, mas sem atentar contra vidas humanas.
Mandela percorreu diversos países da África em busca de ajuda econômica e militar a fim de sustentar essa nova tática de luta. Foi preso em 1962 e, pouco depois, condenado à prisão perpétua, que o manteria relegado em uma prisão de segurança máxima, em cela de 2x2 metros, durante 25 anos, exceto os últimos dois anos, nos quais a formidável pressão internacional para conseguir sua libertação melhorou as condições de sua detenção.
Mandela, portanto, não foi um “adorador da legalidade burguesa”, mas um extraordinário líder político, cuja estratégia e táticas de luta foram variando conforme mudavam as condições sob as quais se davam suas batalhas. Diz-se que foi o homem que acabou com o odioso apartheid sul-africano, o que é uma meia-verdade.
Outra parte do mérito cabe a Fidel e à Revolução cubana, que com sua intervenção na guerra civil de Angola selou a sorte dos racistas, ao derrotar as tropas do Zaire (hoje, República Democrática do Congo), do exército sul-africano e dos dois exércitos mercenários angolanos, organizados, armados e financiados pelos EUA através da CIA. Graças a sua heroica colaboração, na qual uma vez mais se demonstrou o nobre internacionalismo da Revolução Cubana, conseguiu-se manter a independência de Angola, sentar bases para a posterior emancipação da Namíbia e disparar o tiro de misericórdia contra o apartheid sul-africano.
Por isso, informado do resultado da crucial batalha de Cuito Cuanavale, em 23 de março de 1988, Mandela escreveu da prisão que o desfecho do que se chamou de “Stalingrado africana” foi “o ponto de inflexão para a libertação de nosso continente, e do meu povo, do flagelo do apartheid”. A derrota dos racistas e seus mentores estadunidenses deu um golpe mortal na ocupação sul-africana da Namíbia e precipitou o início das negociações com o CNA, que, devagar, terminariam demolindo o regime racista sul-africano, obra mancomunada por aqueles dois estadistas gigantescos e revolucionários.
Anos mais tarde, na Conferência de Solidariedade Cubano-Sul-Africana de 1995, Mandela diria que “os cubanos vieram a nossa região como doutores, professores, soldados, especialistas agrícolas, mas nunca como colonizadores. Compartilharam as mesmas trincheiras de luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e o apartheid... Jamais esqueceremos esse incomparável exemplo de desinteressado internacionalismo”. É uma boa recordação para quem ontem e ainda hoje fala da “invasão” cubana a Angola.
Cuba pagou um preço enorme por este nobre ato de solidariedade internacional que, como recorda Mandela, foi o ponto de inflexão da luta contra o racismo na África. Entre 1975 e 1991, cerca de 450.000 homens e mulheres da ilha passaram por Angola, apostando nisso sua vida. Pouco mais de 2.600 perderam-na, lutando para derrotar o regime racista de Pretória e aliados. A morte deste extraordinário líder que foi Nelson Mandela é uma excelente ocasião para homenagear sua luta e, também, o heroísmo internacionalista de Fidel e da Revolução Cubana.
Atilio Borón é sociólogo e professor da Universidade de Buenos Aires.
Traduzido por Gabriel Brito, Correio da Cidadania.
*GilsonSampaio

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