A PM, força auxiliar e reserva do Exército brasileiro, é mais um resquício da Ditadura Militar no país
No último período, graças principalmente às manifestações de junho, ou melhor, à grande repressão que se instaurou a partir delas, e da repercussão nacional do desaparecimento do pedreiro Amarildo, no Rio de Janeiro, têm ganhado força a bandeira da desmilitarização da Polícia no Brasil.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, em maio de 2012, apresentou documento ao Governo brasileiro citando que, entre os principais problemas nacionais, estão a situação das prisões e a atuação da Polícia Militar, que, inclusive, praticam tortura, recomendando, assim, a extinção da PM. O Brasil, porém, rejeitou a proposta logo em seguida.
Neste contexto, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” realizou audiência pública em 28 de novembro discutindo o assunto, tendo como convidado o professor de antropologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ex-subsecretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, que ocupou a Secretaria Nacional da Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, e o tenente Francisco Jesus Paz, que foi da antiga força pública, preso e torturado pela Ditadura, e ferrenho defensor da desmilitarização.
Paz contextualizou que essa arquitetura da segurança, violenta como é, não foi uma criação da Ditadura Militar, vem de muito antes. Segundo ele, esse modelo foi criado para reprimir abolicionistas, ou seja, os movimentos sociais da época, para reprimir o negro fugitivo e a formação de quilombos. “A gênese do modelo é repressiva e criada para preservar a ordem pública naquele período escravagista”, citou.
Porém, apesar de a existência de Polícias Militares não ser recente, a PM, advinda da antiga Força Nacional, existe como tal desde a Ditadura.
Paz alertou que hoje, 25 anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a atuação das Polícias Militares ainda é regida pela legislação daquele período. O decreto nº 667, de 1969, é, por exemplo, a matriz legal da organização, formação, treinamento e do emprego das Polícias Militares. Já o decreto 88.777, de novembro de 1983, do Governo Figueiredo, ou seja, o último ditador brasileiro, é a legislação de regência das PMs. E mais. Toda aquela legislação que vinha da doutrina da segurança nacional do período de exceção serviu de base para os capítulos da segurança pública da Constituição. “Até hoje, todos os governos federais não tiveram a coragem e a iniciativa de adequar a legislação em conformidade com o Estado democrático de direito vigente”, enfatizou.
Direitos Humanos
Sobre a P2 (polícia sem farda, que trabalha no serviço de inteligência), Paz esclareceu que o mesmo decreto 88.777/83 estabelece que a P2 da PM é vinculada à 2º Seção do Estado-Maior do Exército, ou seja, que está vinculada à comunidade de informações que vigia diuturnamente o que ele chamou de “cidadania” e, portanto, violando a democracia.
“Na verdade, a PM age em conformidade com a lei, só que uma lei estabelecida durante o regime de exceção, durante a Ditadura Militar. Por isso, a responsabilidade é dos sucessivos governos que não trataram dessa questão. Isso porque essa Polícia interessa aos governos. Interessava no passado, no controle dos escravos, e interessa hoje no controle de pobres e negros”, concluiu Jesus Paz.
Soares apresentou outros pontos também importantes a serem tratados em relação às Polícias Civil e Militar. “Não nos iludamos com a desmilitarização, ainda que seja indispensável. Ela, por si só, é insuficiente”, afirmou. A duplicidade nas carreiras, a falta de articulação entre as Polícias foram apontadas como questões importantes para avanços na segurança pública.
Sobre a pertinência desta discussão na Comissão da Verdade, Soares foi enfático ao dizer que “isso tem tudo a ver, porque nós não passamos a limpo essa história, nós não marcamos ritualmente e politicamente a diferença”. Para ele falta estabelecer até onde pode ir o Estado, o que é aceitável ou não, o que é criminoso independente da legalidade do momento.
Afirmou ainda que o compromisso da nação com os Direitos Humanos não foi celebrado, tanto que “existem figuras da Ditadura que hoje se arrogam o direito de celebrar o golpe e de dizer com a maior desfaçatez que não havia tortura como política sistemática do Estado”.
Em resposta às provocações proferidas por um coronel da PM que participou da audiência e que contestou a afirmação de que a corporação é um resquício da Ditadura, já que a militarização das Polícias é anterior a este período, Soares disse que “é resquício da Ditadura qualquer prática que tenha furado a transição e que dê continuidade e reproduza hábitos que estavam presentes e foram consagrados naquele momento e que hoje estejam na contramão da institucionalidade. Essa passagem, essa naturalização, culturalmente tem a ver com o fato de nós não termos elaborado essa transição politicamente, simbolicamente, com o marco da verdade”.
Durante a seção a diretora Luciana Burlamaqui – diretora do documentário Entre a Luz e a Sombra, que trata de violência e sistema carcerário –, apresentou um manifesto assinado por diversos cineastas e artistas pedindo a desmilitarização das Polícias no Brasil. Além dela, assinam o manifesto, Tata Amaral, Marcelo Yuca, Zé Celso Martinez, Beto Brant, Silvio Tendler, entre outros.
Vivian Mendes, São Paulo
*AVERDADE
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