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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 19, 2016




 
O ano de 2015 foi marcado pelo protagonismo das mulheres, com a realização, nas principais capitais do Brasil, de atos em defesa dos direitos das mulheres e contra o Projeto de Lei 5.069/2013, proposto pelo corrupto presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB -RJ), projeto esse que dificultará o atendimento às mulheres que sofrem violência sexual.
Essas manifestações tiveram grande participação das mulheres de diversas idades, profissões, classes sociais e raças, inclusive com ampla repercussão internacional. Podemos avaliar que esses atos protagonizados pelas mulheres colocaram na ordem do dia temas importantes para a sociedade brasileira, tais como machismo, discriminação, cultura do estupro, aborto legal e feminismo.
Uma ampla campanha pelas redes sociais fez o silêncio de muitas mulheres ter fim. Assim, as hashtags #meu amigo secreto, #não poetize o machismo, #agora é que são elas, #chega de fiu fiu e #meu primeiro assédio são alguns dos exemplos de campanhas que ocorreram no ano passado, tiveram uma grande repercussão nas redes sociais e levaram milhares de mulheres a contarem sobre o machismo e outras violências que sofreram e sofrem todos os dias.
As redes sociais e outras mídias popularizaram o termo “feminismo”, o que serviu para o debate, espaço de denúncias e exposição pública de como o machismo é prejudicial à vida das mulheres. Mas a internet não tem força para desconstruir um comportamento machista enraizado na sociedade capitalista e reproduzido como “natural”. É preciso compreender profundamente o que representam certos conceitos e por que caminho queremos levar as lutas diárias das mulheres para sua verdadeira emancipação.
O surgimento do feminismo
Ao longo da história, sempre houve mulheres que se rebelaram contra sua condição, que lutaram por liberdade e muitas pagaram com suas próprias vidas. A luta das mulheres remonta há mais de 200 anos e tem sido marcada por diversos fatos históricos. A luta organizada por igualdade de direitos, por exemplo, teve importante avanço durante a Revolução Francesa e a Comuna de Paris. A Revolução Bolchevique de 1917 iniciou-se com as mulheres trabalhadoras, que saíram das fábricas e ganharam as ruas em protesto contra a miséria que estavam vivendo na Rússia. Elas estiveram na linha de frente da Revolução que resultou na derrubada do czarismo e na construção do Estado Socialista.
A União Soviética (URSS) teve a legislação mais avançada para as mulheres: foi estabelecido o direito ao divórcio e ao aborto; a educação dos filhos, que antes era obrigação da família, passou a ser responsabilidade da sociedade; restaurantes, lavanderias e creches comunitárias deram às mulheres autonomia sobre suas próprias vidas.
Aí começa a surgir um feminismo pró-institucional, que é uma expressão da ideologia burguesa, diferente da centralidade das lutas dos trabalhadores, das mulheres pobres, camponeses, etc. Este tipo de feminismo, essencialmente burguês, concebe o feminismo de si mesmo como uma maneira de as mulheres receberem o direito de enriquecer, desenvolver e exercer cargos.
O feminismo tornou-se influência dominante nos movimentos de mulheres que emergiram nos países capitalistas avançados durante os anos 1960 e 1970. Parte da visão de que os homens sempre oprimiram as mulheres – que tem a ver com a constituição biológica e psíquica dos homens, que os fazem tratar as mulheres como inferiores – leva à ideia de que a libertação das mulheres só será possível separando-as dos homens. Esse tipo de feminismo está dissociado das contradições de classe, gênero e raça existentes na sociedade.
Mas, qual é o objetivo desses tipos de feminismo? Será que apenas obter as mesmas vantagens, o mesmo poder, os mesmos direitos na sociedade capitalista que têm seus maridos, pais e irmãos resolverá o problema da opressão?
Segundo Alexandra Kolontai, “as feministas burguesas exigem direitos iguais sempre e em toda parte. As mulheres trabalhadoras respondem: “exigimos direitos para todos os cidadãos, homens e mulheres, mas somos mulheres e mulheres não só, também somos mães. E, como mães, como mulheres que têm filhos no futuro, exigimos atenção especial do governo, proteção especial do Estado e da sociedade”.
As feministas burguesas estão lutando por direitos políticos e também aqui nossos caminhos divergem: para as mulheres burguesas, os direitos políticos são apenas um meio para atingir seus objetivos mais facilmente e com mais segurança neste mundo baseado na exploração dos trabalhadores. Para as trabalhadoras, os direitos políticos são um passo na calçada do difícil caminho que conduz ao reino desejado do trabalho. […] Bem como os membros do partido, as mulheres trabalhadoras estão lutando pela causa comum da classe, enquanto ao mesmo tempo põem em causa essas necessidades e demandas que os afetam mais diretamente e às mulheres, donas de casa, trabalhadoras e mães”, afirma Kolontai.
Há muito tempo o movimento feminista tem se dividido em duas vertentes, que também determinam suas formas de organização e de luta: aquelas que entendem que a luta pela emancipação da mulher é inseparável da luta pelo socialismo e as que defendem que as mulheres têm interesses e objetivos idênticos, independentemente de sua classe.
Qual é a diferença entre o feminismo burguês e o revolucionário?
É uma questão mais do que necessária, vital para as mulheres, lutarem por uma sociedade diferente da que estamos vivendo nos dias atuais. Para o feminismo revolucionário, a luta das mulheres é um constituinte e parte inseparável da luta contra o sistema capitalista na sua fase final imperialista.
Não basta criticar o patriarcado e o sexismo através de várias “teorias acadêmicas”, com retórica e sofismas. É preciso ir além, ir na raiz das contradições existentes no seio da sociedade capitalista, entre as classes sociais, gênero e raça. É essa abordagem temos que fazer à luz do marxismo.
Os escritos de Marx e Engels mostram que a opressão sobre as mulheres não surgiu da cabeça dos homens, mas do desenvolvimento da propriedade privada e, com ele, da emergência de uma sociedade de classes. Para eles, a luta pela emancipação das mulheres é inseparável da luta pelo fim da sociedade de classes, isto é, da luta pelo socialismo.
A emancipação da mulher está associada à construção de uma nova sociedade, à ruptura com o capitalismo, e dessa forma, a teoria marxista se faz indispensável para a luta das mulheres, uma vez que tem como objeto a sua superação da ditadura do capital. Essa teoria possibilita desvelar as contradições da sociedade, instrumentalizando a classe trabalhadora para lutar por sua emancipação, pois “ajuda a entender as contradições do capitalismo, a lógica de seu desenvolvimento.
A análise marxista é construída através do materialismo histórico e dialético, diferente da análise do pensamento burguês, que interpreta o mundo de forma idealista. Esse deve ser o nosso ponto de partida para analisar qual é o feminismo que de fato libertará as mulheres e avançará a revolução.
Além disso, a sociedade da propriedade privada dos meios de produção cria e impõe a ideologia e a cultura que defenderão os seus valores, assegurarão a sua sobrevivência. A exploração econômica da mulher, a sua transformação em produtor sem direitos, a serviço do proprietário-esposo ou do proprietário-patrão, exigem a elaboração de ideologia e cultura adequadas, a organização de um sistema de educação que as transmitam. É evidente que não se trata de um ato único e total, mas de um processo que se elabora e refina durante os milênios em que a sociedade existe. (Samora Marchel, 1973).
Portanto, as questões em relação às mulheres devem ser compreendidas a partir de uma análise marxista, diametralmente oposta à abordagem burguesa que vê a questão de gênero como tendenciosa, como um conjunto confuso de fenômenos isolados, sem contradizer a questão ideológica do sistema capitalista.
Assim, a luta feminista e a luta pelo socialismo não são tarefas para um futuro distante, após a conquista do poder, ou como se bastasse destruir o capitalismo para acabar com a opressão. Não podemos cair nesse idealismo. A verdadeira luta pelo socialismo deve incorporar a questão da libertação das mulheres, antes, durante e depois da revolução. Essa compreensão deve guiar a nossa militância cotidiana e enfrentar também no interior da nossa classe, onde a ideologia burguesa e pequeno-burguesa do machismo se faz muito presente. É necessário reafirmar, sempre, que a real luta feminista é parte da luta de todos os trabalhadores.
Claudiane Lopes, Movimento de Mulheres Olga Benário

Referências Bibliográficas
MARCHEL, Samora. A libertação da mulher é uma necessidade da Revolução, garantia da sua continuidade, condição do seu triunfo. Editora Global, Moçambique, 1973.
CISNE, Mirla. Feminismo, Luta de Classes e Consciência Militante Feminista no Brasil. Tese de doutorado em Serviço Social defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro: UERJ, 2013.
KOLONTAI, Alexandra. Marxismo e a Revolução Sexual. Editora Global, São Paulo, 1982.
Mujer y cuestión de género: concepción revolucionaria versus feminismo burguês. Link:http://mujerfariana.org/vision-de-mujer/483-mujer-y-cuestion-de-genero-concepcion-revolucionaria-versus-feminismo-burgues
CIPOML.Sobre o trabalho das Mulheres.

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