Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 06, 2011

A novela do SBT e o anticomunismo de Silvio Santos


 
Quando ouvi dizer que o canal de televisão do senhor Sílvio Santos iria produzir uma telenovela sobre o golpe de 1964, fiquei logo curioso. O SBT?!!! Seria contra ou a favor do golpe? Ou, antes, pelo contrário? A ideia era interessante, mas conhecendo a televisão brasileira… Tinha eu que vencer o preconceito. Afinal, pensei, na pior das hipóteses existiria a possibilidade das novas gerações conhecerem um pouco sobre a nossa ditadura mais recente.Por Izaías Almada, em seu blog Veio a divulgação, a expectativa da estreia, as entrevistas sobre pesquisas, investigações históricas, depoimentos de militares e ex-presos políticos, enfim todo o pano de fundo necessário para, quem sabe, tirar alguns pontinhos do Ibope das emissoras concorrentes. E, claro, justificar a escolha de tema tão delicado e polêmico, mas aliciante para um gênero dramatúrgico de grande empatia no Brasil.



Contudo, pensei, o empresário Sílvio Santos, com seu eterno e enigmático sorriso, não é diferente de outros empresários na área da comunicação social, quer em jornais, revistas, rádio, televisão e a atual coqueluche mundial: a internet e sua rede social.

À exceção de alguns sites e blogs dessa última forma de comunicação, todas as outras mencionadas, quer no Brasil e mesmo no mundo, na sua maioria pertencem a grupos que têm dado provas mais do que evidentes de serem apenas porta vozes de interesses corporativos próprios ou de seus principais anunciantes.


Até aí, nenhuma novidade, pois essa é a chamada regra do jogo. E para aqui a ética não foi chamada, ou melhor, foi abandonada. É sabido que no Brasil o grande mercado televisivo se alimenta dos horários distribuídos entre as telenovelas, os jogos de futebol, os telejornais e os programas de auditório, onde se despejam as grandes verbas publicitárias.


Como jogos de futebol e programas de auditórios se nivelam pelas paixões mais comezinhas e deixam a desejar quanto a formar a opinião política dos cidadãos, é na área do telejornalismo e da telenovela que a porca torce o rabo, como diria meu velho pai… Aqui, sim, não dá para tapar o sol com a peneira.
No jornalismo, apesar de tudo, ainda se encontram alguns bolsões de dignidade e de profissionais que se mantêm dentro da prática de um jornalismo investigativo de qualidade, com a apresentação de questões relevantes nas ciências, nas artes, na política, ou que apresentam denúncias baseadas em fatos que as comprovam, na tentativa de ouvir os dois lados de uma questão, na busca do contraditório, etc. Não muitos, como seria desejável, mas existem. E quanto às telenovelas?


Amor e Revolução é uma novela maquiada de imparcialidade para falar de um período bastante difícil e controverso da política contemporânea brasileira. Caricata e mal feita, quer à direita e à esquerda do espectro político. De repente, a tal geração, para a qual a novela procuraria mostrar o que foram os “anos de chumbo”, desinformada que é, e pelo que se viu até agora, ficará dividida mais uma vez entre “torcer” para os bons contra os maus.


Mas para muitos personagens, como o general Lobo Guerra e os policiais torturadores, ou mesmo alguns dos depoentes finais, os maus são os comunistas, que queriam transformar o Brasil numa China, União Soviética ou Cuba… E agora?


Qual o sistema econômico ideal, o regime político ideal? Já que se criou ao longo dos tempos a falsa dicotomia que identifica ditadura com fascismo e/ou comunismo e democracia com capitalismo, a resposta – para muitos, óbvia – será democracia e capitalismo.


Mas qual democracia? A democracia do poder econômico? A democracia onde a justiça é realmente cega? A democracia que favorece a especulação financeira no lugar da produção? A democracia que ignora a justiça social? A democracia que tolera a impunidade e a corrupção?


Acabei, por fim, decifrando o enigma. No seu programa dominical do dia 24 de abril, o senhor Sílvio Santos – contando com a presença de uma atriz mirim da novela – expressou a sua opinião como cidadão, artista e empresário. Considerou ele que a novela deveria ter mais amor e menos revolução, isto é, mais beijos e menos cenas de tortura.

Dirigindo-se à pequena atriz que participava do programa, SS arrematou: “Se você vivesse no comunismo, hoje teria que dividir o seu apartamento com mais de 20 pessoas”.
 

Agora entendi a novela do SBT: se não fossem os militares à maneira do general Lobo Guerra e os policiais à imagem dos personagens Fritz e do delegado Aranha livrarem o Brasil do comunismo à custa de torturas, prisões, desaparecimentos, cassações de mandatos, fechamento de sindicatos e entidades estudantis, censura à imprensa, tudo isso com o apoio de empresários brasileiros e da embaixada norte-americana no Brasil, nós hoje seríamos um país onde o próprio Sílvio Santos teria que dividir sua mansão no Morumbi provavelmente com 20 desses miseráveis da periferia. Pasmem.
 

E com certeza, muitos desses miseráveis compraram carnês do Baú 
*terrordonordeste

Nenhum comentário:

Postar um comentário