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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 11, 2016

A dura lição dos taxistas

terça-feira, outubro 11, 2016

A dura lição dos taxistas


Os taxistas sofreram uma dura lição, perceberam que o mundo mudou muito e de um momento para o outro sentiram-se como se fossem figurinistas no filme errado, acabaram atravancados na Rotunda do Relógio, sem saber o que fazer com um líder desorientado a dizer para voltarem na segunda-feira.

Em condições normais os portugueses teriam tido medo, os automobilistas teriam praguejado contra o governo por não ter cedido aos taxistas, a generalidade dos portugueses teria manifestado compreensão com a sua luta. Mas o dia acabou da pior forma para os taxistas, uma Fátima Campos Ferreira lá tentava amaciar posições com ares de Madre Teresa da Televisão, mas mais de 80% os seus telespectadores defendiam que o governo não deveria ceder.

Os taxistas não perceberam que já tinham deixado de ser a quinta coluna de alguns partidos, que os seus carros já não são aceites como salas de comício, que o país já não tem medo das suas ameaças. Depois de uma semana a ameaçarem o país, percebendo-se que se preparavam para se fazerem de vítimas de uma carga policial, foram derrotados em cinco minutos, mas não pelos bastões da PSP, foi uma senhora que os enfrentou e venceu.

E enquanto uma mulher derrotava uma concentração de taxistas, um labrego que transporta cidadãos ganhava notoriedade, armava-se em Donald Trump dos fogareiros, disse para a comunicação social que “as leis são como as meninas virgens, são para ser violadas”. Foi a melhor frase publicitária para as novas plataformas, foi uma frase que sintetiza a imagem que os taxistas criaram de si próprios e que os derrotou. O vídeo do labrego tornou-se viral e todos viram os "corajosos" taxistas a destruírem um carro, tentando agredir o condutor. 

Os taxistas perceberam que não foram só as tecnologias que mudaram, foi a forma de comunicar, de fazer política. De repente os políticos deixaram de ser importantes, ninguém ligou às baboseiras da Assunção Cristas ou às palavras dúbias de Passos Coelho, um dos líderes dos taxistas ainda usou o líder do PSD como seu aliado, mas a verdade é que os políticos apareceram tarde, à hora a que deram a cara já o Twitter fervilhava e o destino da manifestação estava traçado. Quem pensa que influencia os portugueses em vez do ouvir, sejam taxistas ameaçadores ou dirigentes partidários paternalistas, perderam.

O mundo mudou, mas não são apenas os taxistas que não se aperceberam desta mudança. No dia de ontem as negociações entre taxistas e governo ou os debates televisivos nada decidiram, tudo foi decidido pelas novas estradas onde os taxistas não aprenderam a conduzir e onde muitos políticos tentam aprender a circular. Não é só mundo dos taxistas que já não é o que era, é todo o país, desde a economia à política.

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