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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 25, 2020

8 Frases de RAUL SEIXAS pra MUDAR A SUA VIDA

A China enviou uma equipe de médicos especialistas e diplomatas para a Coréia do Norte

A China enviou uma equipe de médicos especialistas e diplomatas para a Coréia do Norte em uma visita relacionada à saúde de Kim Jong Un.
Um relatório da Reuters cita três pessoas familiarizadas com a situação e surge quando a saúde de Kim permanece envolta em mistério, com boatos circulando sobre sua condição.
A equipe partiu de Pequim para a Coréia do Norte na quinta-feira e está sendo liderada por um alto funcionário do Departamento de Ligação Internacional do Partido Comunista Chinês.
Não está claro o que a delegação foi enviada para realizar.
Uma fonte sul-coreana disse à Reuters na sexta-feira que sua inteligência era que Kim estava viva e planejava uma aparição em público em breve.
Ainda assim, histórias conflitantes surgiram nesta semana, após relatos de que o líder estava em estado crítico após ser submetido a uma cirurgia cardíaca.
Relatos anteriores disseram que Kim pode ter deixado a capital de Pyongyang para se recuperar, abrigando-se em um local não revelado na costa leste da Coréia do Norte para evitar pegar o coronavírus.
O presidente Trump disse que não acredita que Kim esteja gravemente doente – mas se recusou a dizer se estava em contato com o líder norte-coreano.
“Acho que o relatório estava incorreto”, disse o presidente durante o briefing diário da Casa Branca na quinta-feira, acrescentando que ouviu que se baseava em “documentos antigos”.

quarta-feira, abril 22, 2020

Entramos na 5ª etapa da nossa campanha de solidariedade aos sem teto afetados pela crise do coronavirus

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Entramos na 5ª etapa da nossa campanha de solidariedade aos sem teto afetados pela crise do coronavirus

Nosso profundo agradecimento a quem colaborou nas etapas anteriores da campanha! Juntos vamos além!

Já ajudamos 6272 famílias, com alimentos, kits de higiene e limpeza, álcool gel e medicamentos nas periferias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Ceará, Roraima, Goiás e Distrito Federal.
Estamos já nos organizando para ajudar mais 3550 famílias nas próximas duas semanas.

Com 1 milhão de reais vamos alcançar 16360 famílias nas periferias e comunidades de todo Brasil!



Com o aumento do número de casos confirmados, avanço da epidemia para mais cidades em todo Brasil e o avanço também para a periferia, mantemos nossa campanha em caráter permanente até o fim da crise para ajudar continuamente famílias das periferias de todo Brasil, pessoas em situação de rua e quem mais precisar. Vamos juntos?

Se Bolsonaro responde a essa situação com deboche, pouco caso e irresponsabilidade, nós respondemos com luta por saúde e seguridade social, com cuidado individual e coletivo e SOLIDARIEDADE.

Para ampliar esse processo na periferia estamos organizando também grupos de ajuda mútua, que vão receber denúncias, pedidos de solidariedade e divulgar informações corretas a respeito da epidemia.

Vamos juntas e juntos ajudar as famílias Sem Teto a passar por esse momento de crise!

Para quem preferir ajudar com depósito ou transferência:
Banco: Itaú
Agencia: 8170
Conta: 30682-6
Associação Amigos da Luta dos Sem Teto
CNPJ: 28.799.171/0001-41


Sigamos firmes contagiando a todos com empatia e solidariedade!
Contamos com sua ajuda!


MTST, a luta é pra valer!

A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?

A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?

Mauro Iasi revisita as teses de Wilhelm Reich sobre a psicologia de massas do fascismo para compreender os impasses políticos do presente.

Por Mauro Luis Iasi.

“o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório
de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”
W. Reich
“queriam que eu falasse do agora
mas, o presente que procuro
está preso em um passado
que insiste em ser futuro”
M. Iasi
O psicólogo marxista Wilhelm Reich (1897-1957) escreveu o livro Psicologia de massas do fascismo em 1933 (o estudo se estendeu de 1930 até 1933), no contexto da ascensão do nazismo na Alemanha. O autor se refugiou em Viena, depois Copenhagen e Oslo, onde iniciou seus estudos sobre as couraças e depois do que denominou de “energia vital”, levando-o a teoria do “orgon”. Desde 1926 acumulava divergências com Freud, com o qual trabalhou como assistente clínico, e em 1934 seria expulso da Sociedade Freudiana e da Associação Psicanalítica Internacional, sairia da Noruega em direção aos EUA, onde seria também perseguido com a acusação de “subversão”. Acabou preso em 1957 e morreu no mesmo ano na prisão. Toda sua obra, incluindo livros e material de pesquisa, foram queimados por ordem judicial nos EUA em 1960.
Ainda que possamos questionar as teorias reichianas fundadas na teoria do “orgon” e a relação que esperava estabelecer entre “soma e psiquismo”, temos que ter muito cuidado ao tratar as considerações que esse importante autor tece sobre o fascismo e o caráter das massas analisados na obra citada. Em vários aspectos, considero que as reflexões de Reich sobre o tema podem ser extremamente úteis em nossos tumultuados dias, principalmente pelas questões que levanta, mais do que pelas respostas que encontra.
O autor coloca da seguinte maneira o problema. Se assumirmos que a compreensão da sociedade realizada por Marx esteja correta – isto é, que o desenvolvimento da sociedade capitalista e suas contradições leva à possibilidade de sua superação revolucionária (o que implica a conformação do proletariado como um sujeito consciente de sua tarefa histórica) –, a questão que se coloca é como compreender o comportamento político de amplos setores da classe trabalhadora que efetivamente estão servindo de base para a reação política que emergia com o fascismo.
Chamar atenção aos efeitos da exploração capitalista, como a miséria, a fome e o conjunto das injustiças próprias do sistema capitalista para ativar o “ímpeto revolucionário”, dizia Reich, já não era suficiente. Tampouco acusar o comportamento conservador das massas de “irracional”, de constituir uma “psicose de massas” ou uma “histeria coletiva” – algo que em nada contribui para jogar luz sobre a raiz do problema, a saber, compreender a razão pela qual a classe trabalhadora respaldava o discurso fascista que em última instância atacava exatamente seus próprios interesses.
Na base dessa incompreensão se encontrava um sentimento de espanto. Os marxistas acreditavam que a crise econômica de 1923-1933 era de tal forma brutal que produziria “necessariamente uma orientação ideológica de esquerda nas massas por ela atingidas”. Entretanto o que se presenciou foi, nas palavras do autor, uma “clivagem entre a base econômica, que pendeu para a esquerda, e a ideologia de largas camadas da sociedade que pendeu para a direita”. O autor conclui com a constatação de que a “situação econômica e a situação ideológica das massas não coincidem necessariamente”. (Wilhelm Reich, Psicologia de massas do fascismo, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 7).
Nesse ponto, Reich afirmará que – e a observação dele aqui me parece profundamente pertinente hoje – essa não correspondência não deveria surpreender aos marxistas, uma vez que o materialismo dialético de Marx não compreende a relação entre a situação econômica e a consciência de classe como sendo algo mecânico, ou seja, como se a situação material determinasse esquematicamente sua expressão ideal na consciência dos membros de uma classe social. Somente um “marxismo vulgar” concebe uma antítese na relação entre economia e ideologia, assim como entre a “estrutura” e a “superestrutura”, uma perspectiva precária que não leva em conta o chamado “efeito de volta” da ideologia, isto é, as formas pelas quais a ideologia incide sobre a própria base material que a determina. Presa a essa visão esquemática e pouco dialética, resta a essa modalidade de marxismo vulgar apenas recorrer ao chamamento moral para que os trabalhadores correspondam em sua ação às condições objetivas em que se inserem, clamando pela “consciência revolucionária”, às “necessidades das massas” ou ao “impulso natural” para as greves e a luta (p. 14). Melancolicamente, Reich conclui então que essa versão esquemática do marxismo:
“Tentará, por exemplo, explicar uma situação histórica com base na ‘psicose hitleriana’ ou tentará consolar as massas, persuadindo-as a não perder a fé no marxismo, assegurando-lhes que, apesar de tudo, o processo avança, que a revolução não pode ser esmagada, etc. O marxista comum acaba por descer ao ponto de incutir no povo uma coragem ilusória, sem, no entanto, analisar objetivamente a situação em sem compreender sequer o que se passou. Jamais compreenderá que uma situação difícil nunca é desesperadora para a reação política ou que uma grave crise econômica tanto pode conduzir à barbárie como a liberdade social. Em vez de deixar seus pensamentos e atos partirem da realidade, ele transporta essa realidade para a sua fantasia de modo que ela corresponda aos seus desejos.” (pp. 14-5)
A miséria econômica causada pela crise atualiza a disjuntiva “socialismo ou barbárie”, mas o que faria com que os trabalhadores optem pela alternativa socialista? Reich está convencido de que em uma situação como essas os trabalhadores escolhem em primeiro lugar a barbárie. O marxismo vulgar compreende a ideologia como um conjunto de ideias que se impõe à sociedade e, portanto, aos trabalhadores. Dessa maneira, os partidários desse tipo de perspectiva acreditam que as ideais marxistas ganham força na crise porque desmentem na prática as ideias conservadoras. O que foge à compreensão dessa análise é exatamente o modo de operação da ideologia, muito mais do que a definição escolástica do “que é” ideologia.
Assim, o psicólogo comunista fará a pergunta decisiva: se uma ideologia se transforma em força material quando se apodera das massas, como afirmava Marx, a pergunta é “como é possível que um fator ideológico produza resultado material”, seja na direção de uma política revolucionária ou na direção de uma “psicologia de massas reacionária”? (p. 17)
Se compreendermos a ideologia na chave de ideias dominantes em uma sociedade – isto é, as ideias das classes dominantes que expressam as relações sociais que fazem de uma classe a classe dominante (Marx e Engels, A ideologia alemã, Boitempo, p. 47) –, a pergunta se formula da seguinte maneira: como é que relações sociais se convertem em expressões ideais, valores, juízos e representações interiorizadas pelas pessoas que constituem uma determinada sociedade? A resposta é que isto se dá na vivência de instituições no interior das quais as pessoas formam seu próprio psiquismo, neste caso, fundamentalmente, na família.
É aqui que as relações sociais dadas são apresentadas pela pessoa em formação como “realidade”, onde se desenvolve a transição do “princípio do prazer” para o “princípio da realidade” e se produz um complexo processo de identificação com aquele que representa o limite, a ordem e a norma social a ser imposta, mas, o que é essencial ao nosso tema, que é incorporada pela pessoa como se fosse sua (autocontrole) e não uma imposição oriunda de uma ordem social. O fundamento desse processo de interiorização, na formação daquilo que Freud denominou de “superego”, está a repressão à sexualidade infantil, o seu recalque e a volta como sintoma nos termos de Reich (Materialismo Dialético e Psicanálise. Lisboa: Presença/São Paulo: Martins Fontes, 1977).
É mister lembrar neste momento que o resultado desse processo de interiorização das relações sociais na forma de valores e normas de comportamento implica na identidade com o agende da imposição das normas externas, no caso do complexo de Édipo descrito por Freud na formação de uma identidade com o pai.
Dessa maneira, Reich localizará a base de uma determinada expressão de uma psicologia de massas (a do fascismo) em dois pilares: uma certa forma de família tendo no centro a repressão à sexualidade infantil; e o caráter da “classe média baixa”. Para ele, a repressão à satisfação das necessidades materiais difere da repressão aos impulsos sexuais pelo fato que a primeira leva à revolta enquanto a segunda impede a rebelião, uma vez que o retira do domínio consciente “fixando-o como defesa moral”, fazendo com que o próprio recalque do impulso seja inconsciente, seja visto pela pessoa como uma característica de seu caráter. O resultado disso, segundo Reich, “é o conservadorismo, o medo a liberdade, em resumo, a mentalidade reacionária” (Psicologia de Massas do Fascismo, p. 29).
Os setores médios não são os únicos a viverem esse processo (que é de fato universal para nossa sociedade) mas o vivem de maneira singular. Trata-se de uma classe ou segmento de classe espremido entre o antagonismo das classes fundamentais da sociabilidade burguesa (a burguesia e o proletariado), desenvolvendo o curioso senso de que estão acima das classes e representam a nação. Seus impulsos jogam os setores médios ora para a radicalidade proletária (a luta contra as barreiras da realidade que se levantam contra os impulsos), ora para o apelo à ordem da reação burguesa (a defesa das barreiras sociais impostas como garantia da sobrevivência). Como o indivíduo teme seus impulsos e clama por controle, os segmentos médios temem a quebra da ordem na qual se equilibram precariamente e pedem controle e repressão.
Não é acidente ou casualidade que no campo dos valores reacionários vejamos alinhados à defesa abstrata da “nação” características como o “moralismo” quanto aos costumes (que vem inseparavelmente ligado a preconceitos, a homofobia, etc.) e a defesa da “família”, assim como o chamado “irracionalismo”, a “violência”, o mito da xenofobia e do racismo como constituintes da nação, e o clamor pela “ordem”. A recente cena dantesca de “manifestantes” enrolados na bandeira do Brasil, de joelhos e mãos na cabeça, pedindo uma intervenção militar é a imagem que condensa todos esses elementos. Por incrível que pareça, essa não é uma sociedade “doente”, mas a sociedade “normal” exposta sem os filtros que rotineiramente a oculta.
Os argumentos de Reich estão longe de dar conta da totalidade do fenômeno do fascismo. Ainda que justificada, sua crítica aos marxistas oficiais (em 1931 Reich criou a Sexpol Verlag que aglutina mais de 40 mil membros discutindo uma política sexual e suas relações com a luta revolucionária, o que causou preocupações no Partido Comunista austríaco e redundou na sua expulsão do partido em 1933) não pode dar conta de todos os elementos históricos, políticos, sociais e culturais do tema que foram abordados em inúmeras obras de competentes marxistas (de Gramsci a Adorno e Benjamin, passando por Togliatti, Polantzas e tantos outros). Ele apenas aponta para um aspecto que normalmente é desconsiderado. O que nos parece pertinente é que o comportamento fascista não pode ser reduzido a manipulação e engodo, mas encontra profunda raízes na consciência imediata das massas e seus fundamentos afetivos, seja nos segmentos médios, seja na classe trabalhadora.
O fascismo é, na sua essência, uma expressão política da crise capitalismo em sua fase imperialista e na etapa do domínio dos monopólios, como define Leandro Konder (Introdução ao fascismo, São Paulo, Expressão Popular, 2009). Ele disfarça sob uma máscara modernizadora seu conteúdo conservador, sendo antiliberal, antissocialista, antioperário e, principalmente, antidemocrático. A dificuldade do fascismo reside exatamente em juntar esses dois aspectos contrários em sua síntese – isto é, uma intencionalidade à serviço do grande capital (imperialista, monopolista e financeiro) e uma base de massas que permita apresentar seu programa reacionário como alternativa para a “nação”. Creio que o estudo de Reich nos dá aqui uma pista valiosa. A ideologia fascista conclama à revolta dos impulsos reprimidos (seja das necessidades materiais, seja aqueles relativos à repressão da sexualidade) e depois oferece a ordem como alternativa, dialogando assim diretamente com o fundamental da estrutura do caráter universalizado pela sociabilidade burguesa, principalmente das chamadas classes médias. É, portanto, uma política da pequena burguesia que mobiliza massas trabalhadoras para defender os interesses do grande capital monopolista. Acreditem, realizou-se esta façanha com eficiência e sucesso naquilo que conhecemos por nazifascismo.
Na luta contra o fascismo, a burguesia democrática é sempre a primeira derrotada e junto a ela a pequena burguesia que acredita no seu próprio mito de um Estado acima dos interesses de classe. A única força social capaz de enfrentar o fascismo é a revolução proletária, por isso são os trabalhadores o alvo duplo do fascismo, seja no sentido da cooptação, seja na repressão brutal e direta. Quando a luta de classes se acirra e qualquer conciliação é impossível, a burguesia se inquieta, os segmentos médios entram em pânico e os fascistas vendem seu remédio amargo para a doença que ajudaram a criar. Se nesse momento os trabalhadores se movimentarem com autonomia em direção ao seu projeto societário – o socialismo –, impelidos inicialmente pelos impulsos mais elementares e ainda não conscientes, eles podem colocar toda a sociedade em torno de sua luta e se constituir como alternativa à barbárie do capitalismo em crise. Se, por razões várias, esse segmento não se movimentar com a força necessária, uma longa noite de terror se impõe com seus cadáveres e cortejos fúnebres.
Ainda que tenham particularidades em seu processo de consciência, os trabalhadores não podem escapar ao fato de que são socializados nas instituições de uma ordem burguesa, portanto, que os valores, princípios, representações ideais desta ordem constituam o fundamento de sua consciência imediata. Diante do caos que emerge da crise do capital vive uma contradição entre os impulsos materiais que os impulsionam à luta e à identidade com os opressores que os mantêm presos às correntes da ideologia. Na ausência de uma política revolucionária se somam às “classes médias” conclamando pela ordem e se prestam a ser a base de massas para as aventuras fascistas.
Toda a esperança da psicanálise é tornar possível que o inconsciente emerja, em parte, para que seja compreendido o sintoma. Guardadas as mediações necessárias, a luta de classes torna possível que as determinações ocultas pelos mecanismos da ordem se façam visíveis e que o sintoma se torne exposto. No primeiro assim como no segundo caso isto não significa a resolução do sintoma, mas o início de uma longa luta para enfrentá-lo. O novo que pulsa vigoroso nas entranhas do cadáver moribundo do velho mundo, não pode ser detido a não ser pela violência. Não pode se libertar sem quebrar violentamente a ordem que o aprisiona.
“Veintiuno veintiuno
firmamento del dos mil
en el cielo la paloma
va en la mira del fusil”
Silvio Rodriguez
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

COVID19: das colônias, aos feudos, à escravidão até ao agronegócio

COVID19: das colônias, aos feudos, à escravidão até ao agronegócio

por biologosocialista
Por Luiz Fernando Leal Padulla*
Logo na introdução do livro “A História e suas epidemias — A convivência do homem com os micro-organismos”, o autor Stefan Cunha Ujvari traz alguns dados interessantes sobre algumas epidemias e sua função no processo de desenvolvimento da humanidade.
No final do período Medieval (1347-1348), a peste bubônica foi responsável pela morte de um terço da população da Europa. Doenças também foram trazidas pelos colonizadores, dizimando populações nativas e indígenas. desde o século do “descobrimento” até o fim da escravidão, estima-se que três milhões de índios tenham sido exterminados pelas doenças infecciosas que os europeus trouxeram ao Brasil, o que abriu espaço para o tráfico de escravos africanos. Doenças como varíola, rubéola, varicela e sarampo foram algumas dessas doenças letais. Com a ascensão da escravidão, os negros africanos traziam mais do que a mão de obra barata: febre amarela e malária.
Antigamente as doenças, epidemias e até pandemias, ocorriam por falta de conhecimento e extrema pobreza. Hoje a miséria é ainda um entrave, mas a busca pela riqueza e a degradante ganância do capitalismo são fatores preponderantes para elas.
Atualmente, versões conspiratórias, têm culpado a China por toda desgraça mundial da pandemia – incluindo o chanceler (sic) brasileiro Ernesto Araújo, que insiste na falaciosa ideia do “comunavírus”, aumentando ainda mais a vergonha de nosso país. Mesmo que estudo científicos já tenham provado que o vírus não foi criado em laboratório, parte da população ainda acredita nisso e tende a disseminar falsas acusações, refletindo diretamente no comportamento agressivo e preconceituoso contra chineses – a chamada sinofobia. Por outro lado, devemos sim alertar para um aspecto comum em algumas províncias deste país, como em Guangdong, no sudeste da China, e que pode ter sido o local inicial da doença: o consumo de carnes exóticas de animais silvestres.
No entanto, conforme já escrevi em um primeiro artigo sobre o coronavírus, esse tipo de mercado tem perdido espaço para os supermercados, e os que sobrevivem estão restritos a pequenas províncias.
Mas antes que digam “eu sabia! Culpa dos chineses”, lembrem-se que esse tipo de comércio, chamado wet Market, não é exclusivo da China, ok? Em vários países ele é adotado apesar dos protestos e mobilizações para acabarem – seja pelo sofrimento causado aos animais, acondicionados em situações inóspitas e degradantes, seja pelo risco de contaminação alimentar e transmissão de zoonoses.
Fonte: https://theirturn.net/wp-content/uploads/2020/03/New-York-City-Wet-Market.jpg
Wet Market em Nova Iorque

Em Nova Iorque, por exemplo, estão presentes 80 desses mercados - que vendem animais vivos ao público e os abatem no local. Para isso, ficam confinados em gaiolas, todas empilhadas, próximos ao público. Piorando a situação, os dejetos, penas, sangue presentes são transportados indiretamente pelos frequentadores do local através de seus sapatos, por exemplo, para outras localidades. Assim, se algum agente patogênico estiver presente, a dispersão é muito rápida e eficiente.
Em um trecho do livro “Pandemias: a humanidade em risco”, a situação descrita é impressionante e mostra o que acontecem nesses locais:
Em novembro de 2002, os restaurantes de Guangdong acomodavam gaiolas e mantinham cercas nos fundos. Animais separados por espécies aguardavam o momento do sacrifício para suprir o paladar dos chineses. Os empregados dos restaurantes acolhiam os pedidos dos clientes. Os cozinheiros caminhavam aos bastidores das cozinhas e apanhavam as espécies animais dos pedidos. Com habilidade, pegavam cobras, patos, gansos, pangolins, lagartos, ratos e tartarugas. Para segurar os civetas estressados e agressivos, necessitavam de luvas apropriadas para proteção contra mordidas e arranhões. O animal era então sacrificado, destrinchado e cozido. (...) É fácil imaginar como ocorreram os primeiros casos da infecção humana pelo novo vírus em meados de novembro de 2002. As cozinhas desses restaurantes ficavam atapetadas de fezes, urina, sangue e secreções dos civetas abatidos. Os vírus repousavam nesses líquidos dispersos no solo. A pele dos trabalhadores, principalmente a das mãos, eram envernizadas com líquidos e secreções animais portadoras do novo vírus. Levar as mãos contaminadas aos olhos, nariz ou boca era o suficiente para a infecção. A limpeza do piso com vassouras dispersava uma poeira venenosa, inalada pelos funcionários. O vírus alcançava as mucosas respiratórias e o pulmão”.
No entanto, a relação das doenças não se restringe apenas aos animais exóticos. Vale lembrar que outras pandemias mortais como a gripe aviária, gripe suína, SARS, HIV, febre aftosa surgiram exatamente da captura e/ou criação de animais como alimento, através do sistema de produção do agronegócio industrializado e sua extensão territorial. Assim, a comercialização e alimentação de animais silvestres, associadas com a predação dos latifúndios, acarretando avanço sobre seus habitats naturais, têm sido apontados como um dos responsáveis pelo surgimento dessas pandemias.
Culpa da agropecuária também foi o surgimento da “doença da vaca louca” – encefalopatia espongiforme bovina – em 1986. Alterando totalmente a dinâmica alimentar, visando maior produção e crescimento, o homem passa a introduzir na alimentação do gado (totalmente herbívoro), proteína de origem animal, o que permitiu a transferência do príon – pedaço de proteína que infecta o tecido nervoso do animal. Posteriormente, por conta de uma possível mutação nessa proteína, novo príon surgiu, sendo patogênico e letal também ao ser humano. Com essa descoberta, rebanhos inteiros foram sacrificados ao redor do mundo, e o mercado de carne apresentou restrições comerciais severas. Curiosamente, pouco se sabe se tais medidas deram certo, o que levará certo tempo para que tenhamos uma resposta positiva ou não.
Paralelamente, a saúde das pessoas é debilitada pelo uso cada vez maior de transgênicos e os agrotóxicos desse tipo de produção. Sem falar também do uso constante de antibióticos nos animais, o que pode promover a contaminação não apenas do alimento, mas do ambiente e de bactérias presentes neste, favorecendo o surgimento das chamadas “superbactérias”. A miséria e a fome, proporcionadas pela desigualdade gerada pelo capitalismo, são outros fatores que colocam a grande maioria da população mundial em alerta, pois debilitam o organismo, tornando-o incapaz de responder às doenças.
Isso sem falar, é claro, nas epidemias como a dengue, febre amarela, zyka, chikungunya, transmitidas por insetos que passaram a ter relação sinantrópica devido ao avanço das cidades e consequente destruição das áreas verdes.
Em 1999, para citar um exemplo, Nova Iorque sofreu uma epidemia da então inédita “doença do oeste do Nilo”, cujo vírus foi encontrado em milhares de aves – principalmente em corvos – que eram  hospedeiras do patógeno e muito provavelmente chegou até o país pelo tráfico de animais, assim como o tráfego legal de alguns (segundo levantamento de Ujvari, “Em 1999, 2.770 aves entraram nos Estados Unidos pelo Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York; além disso, mais 12.931 desses animais estiveram em trânsito pelo mesmo aeroporto, seguindo destinos variados. Não se sabe em quanto pode aumentar o número total de aves introduzidas no país ao se considerar a quantidade das que foram comercializadas ilegalmente”). Até o final do século XX, dezoito estados norte-americanos já haviam registrado a ocorrência da doença.
(Em tempo 2: Com o avanço do aquecimento global, doenças transmitidas por insetos serão cada vez mais frequentes inclusive em locais onde não existiam, uma vez que o calor e a ocorrência de chuvas favorecem o ciclo reprodutor desses animais).
Sendo assim, o problema vai muito além do simples fato de achar um único culpado e assim, atentar de forma preconceituosa contra uma potência que confronta o imperialismo capitalista estadunidense. Mais do que um bode expiatório, a culpa é do sistema capitalista e seu mecanismo predatório, incluindo principalmente o agronegócio.
*Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências, Especialista em Bioecologia e Conservação