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A história não pode ser reescrita pelos vencedores
Existe uma frase, atribuída a George Orwell, que a história é escrita pelos vencedores. Pode ser, durante algum tempo, mas nunca é para sempre assim, porque a história é feita de fatos e povos, e fatos e povos têm a estranha mania de rebrotar, mesmo quando são podados pela força.
Escrevo isso ao ler no The New York Times que os professores nas escolas do Iraque não podem falar nada sobre a invasão americana ou sobre o governo de Saddam Hussein, por ela derrubado. É como se a história mais recente do Iraque, que continua sendo vivida, não existisse.
O governo iraquiano, títere de Washington, age exatamente como Saddam Hussein, que durante as três décadas que esteve no poder também adulterou o ensino de história para transformá-lo em ferramenta de doutrinação e promoção do culto à personalidade.
O Iraque enfrenta sérios problemas de sectarismo, mas a tentativa de evitar temas sensíveis no ensino de história não parece um bom caminho. Um representante do governo encarregado de rever os currículos escolares cita como exemplo dessas questões sensíveis a guerra recente, deflagrada unilateralmente pelos Estados Unidos, em 2003, que uns chamam de “Operação Liberdade” e outros de ocupação. “Então, não tratamos desta questão”.
A solução parece aquela de “tirar o sofá da sala”, ao invés de enfrentar o problema. A matéria do The New York Times diz que quando a guerra é mencionada em sala, alguns professores tratam de mudar de tema rapidamente, mas outros veem a necessidade de discuti-la, mesmo que vá além do que lhes é dito para fazer.
“Algumas vezes, nós precisamos discutir isso. Quando eu menciono a invasão americana, eu digo ocupação, não liberação”, conta ao jornal americano um professor de uma história secundária para meninas em Bagdá.
Uma colega dele, que ensina história moderna da Europa, alega a necessidade inevitável de abordar a guerra. “Nós falamos sobre colonização francesa, colonização britânica, por que não falar sobre colonização americana”, indaga.
Apagar dos livros de história os anos de Saddam Hussein no poder também vem sendo criticado pelos acadêmicos. O chefe do departamento de história de uma universidade em Bagdá disse que qualquer menção a Saddam foi retirada dos livros e o resultado foi que se tornaram piores do que eram antes.
Um outro grave problema é que a milenar e rica história do Iraque foi condensada e novos tópicos foram incluídos em nome de um multiculturalismo. Um exemplo é um novo livro que abrange a história iraquiana desde a ocupação mongol em 1258 até os dias atuais em apenas 96 páginas. Na época de Saddam, a história iraquiana do século 20 era distorcida para efeito de propaganda, mas os professores dizem que a história antiga era muito mais profunda que a do novo currículo que vem sendo revisto com orientação da Unesco.
Um representante do governo diz que o objetivo do Ministério da Educação é tornar o currículo escolar uma ferramenta para unificar o povo iraquiano. À distância, é muito difícil fazer um julgamento, mas omitir pedaços da história certamente não é um bom caminho para nenhum processo de reunificação.
do Tijolaço