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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, setembro 22, 2011

Final de uma luta, início de um desafio


Posto aí em cima o vídeo – precário, gravado da TV, depois troco – do encaminhamento que fiz para a votação em plenário do requerimento de urgência da Comissão da Verdade. Ele foi aprovado com 351 votos sim e 42 não. O projeto deveria ter entrado em votação em seguida, mas como surgiram algumas manobras regimentais, o presidente Marco Maia suspendeu provisoriamente a sessão para tentar negociar um acordo de líderes. Meu receio é que isso demore e perca-se o quorum. Estou aqui a postos e informo a vocês.


À parte o comportamento deprimente do sr. Jair Bolsonaro, creio que vivemos um grande momento hoje, com a aprovação, depois de um ano e quatro meses desde que Lula a enviou ao Congresso, com a aprovação da Comissão da Verdade na Câmara dos Deputados.
Creio ter desempenhado meu papel, com o requerimento de urgência que permitiu que, afinal, pudessemos ter a aprovação acelerada que hoje tivemos. Aceitar as emendar apresentadas pelo DEM e pelo PSDB não foi um problema, porque não se quer uma comissão passional, mas que levante, apure e comprove os fatos que este país tem o direito de conhecer. O que se fará, diante deles, é atribuição do Ministério Público e do Judiciário, que terá de confirmar ou reformar suas decisões “em tese” sobre a prescrição de atos infames.
Está de parabéns o Brasil que, finalmente, pode ascender ao desassombro que caracteriza a democracia, um regime onde não há fatos que, por princípio, tenham o direito de ser escondidos à sociedade e onde os atos criminosos não possam, sequer, ser submetidos ao Judiciário, para que este, diante deles, reflita se a suposta prescrição pode ser alegada como razão impunidade.
Até onde vai este processo, nenhum de nós poderá dizer, porque só mesmo a verdade pode nos orientar. Mas, no mínimo, esta verdade poderá trazer, depois de tanto tempo, paz aos que perderam seus filhos e companheiros naqueles tempos brutais e, ao menos, terão o direito de ter a paz que há tantos anos procuram.
*Tijolaço

A humilhação de Barack Obama



Robert Grenier, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Robert Grenier, hoje aposentado, serviu por 27 anos como analista do Serviço Secreto da CIA. De 2004 a 2006, dirigiu, na Agência, o Centro de Contraterrorismo.
Mais cedo ou mais tarde, acontecerá. Talvez aconteça pouco antes do primeiro encontro de chefes de estado em New York. Talvez aconteça pouco antes do primeiro encontro de coxia com Binyamin Netanyahu. Ou, também, pode acontecer como reação cumulativa, depois de uma série de encontros embaraçosos com outros chefes de estado. Mas acontecerá.
O Primeiro Ministro israelense Netanyahu (foto) rejeitou sem qualquer escrúpulo o discurso do Presidente Barack Obama
Em algum momento dessa semana, durante a visita à Assembleia Geral da ONU, para a abertura dos trabalhos, o presidente Obama há de sentir um impulso, um irresistível desejo. Vai decidir levantar-se, livrar-se das correias que o manipulam e da onipresente burocracia que tenta ditar-lhe cada movimento e submeter até sua dignidade pessoal e, então, ele dirá “Basta”.
Em abril de 1995, o presidente Clinton recebeu a então primeira-ministra do Paquistão Benazir Bhutto. As relações EUA-Paquistão estavam em queda livre. Poucos anos antes, os EUA haviam começado a aplicar sanções autorizadas pela então chamada “Emenda Pressler”, segundo a qual o Paquistão teria de ser punido com suspensão total de qualquer ajuda e impedido de fazer negócios de compra e venda de equipamentos militares, se se constatasse que buscava construir capacidade nuclear. O primeiro presidente Bush descobrira a coisa, e, naquele momento, os laços entre os dois países estavam sendo progressivamente cortados.
No cerne do crescente mal-estar entre as duas nações estava o cancelamento da venda de 28 jatos F-16. Os paquistaneses sabiam, desde quando assinaram o compromisso de compra, que o negócio poderia ser cancelado, se se invocasse a Emenda Pressler. Então, havendo a lei, e o presidente Bush já tendo declarado a culpa dos Paquistaneses, já nem se cogitava de entregar os aviões. Mas havia outra dificuldade.
Os paquistaneses já haviam pago enorme quantidade de dinheiro, com enorme sacrifício, a título de adiantamento, na compra dos jatos. E naquele momento, segundo os EUA, os paquistaneses não poderiam receber os aviões nem poderiam ser reembolsados do que já haviam pago. Claro. O problema é que já não havia dinheiro para devolver; a empresa que recebera, gastara. Os aviões estavam construídos. Não havia meio legal, na legislação norte-americana, para fazer surgir o dinheiro para reembolsar os paquistaneses.
Talvez, sim, vender os F-16s a outro país e, com o dinheiro assim havido, reembolsava-se os paquistaneses, mas essa via também teria de ser aprovada nos EUA por um Congresso hostil, e dificilmente se viabilizaria. Em resumo, não havia o que fazer. E, como que acrescentando insulto à injúria, os paquistaneses também estavam sendo forçados a pagar uma pesada taxa anual pela armazenagem de cada avião – cada avião que não podiam receber.
Defender o indefensável
Obama será forçado a humilhar-se na ONU, enquanto tenta explicar por que ele deve singularmente vetar a proposta para criação do Estado palestino
Quando todo o aparelho de segurança nacional e da política externa dos EUA se move numa mesma direção, é visão impressionante. Vasto aparato da burocracia movia-se para elaborar longos argumentos que levassem a concluir a favor de uma decisão já tomada. E aqueles argumentos eram hipnoticamente repetidos de dúzias de diferentes maneiras, para uso em diferentes fóruns. Virou caso clássico.
Via-me do lado de dentro da burocracia do Departamento de Estado, onde estava trabalhando à época. Fabricavam-se justificativas para o patentemente injustificável, que chegavam aos paquistaneses em todos os níveis. Saiam pela boca dos porta-vozes do Departamento de Estado e da Casa Branca, eram repetidos em depoimentos ao Congresso, distribuídos para a imprensa em diferentes enquadramentos, elaborados em respostas escritas a serem repetidas por deputados e senadores, e ao público em geral, para nem falar dos comunicados internos que circulavam dentro do Executivo.
Todo aquele ímpeto burocrático alcançou o clímax quando o presidente Clinton estava prestes a ter de repetir a mesma mensagem, pessoalmente, à primeira-ministra Bhutto.
Os preparativos para esse tipo de encontro também são muito impressionantes. Preparam-se grossos volumes de briefings que exigem, cada um, centenas de homens/hora de trabalho. São contextualizações, enquadramentos históricos e prospectivos e elaboradíssimas justificativas políticas, apoiados todos em memorandos e pareceres de especialistas em leis, organizados em tabelas em ordem alfabética, acompanhados de esmiuçamento de cada mínimo detalhe, um conjunto de dados e pareceres e informes organizados para converter o presidente em virtual boneco de ventríloquo. E então a coisa toda passa pelo crivo do sistema e, liberado, chega, através do secretário de Estado e do Conselho de Segurança Nacional, ao presidente em pessoa.
Aconteceu também naquele caso. Mas naquele caso, no final, depois de ter cuidadosamente estudado todo aquele nonsense codificado, aquele monumento à inércia burocrática, e pouco antes de andar na direção da ministra Bhutto, quando o presidente teria de olhar olho no olho da ministra, e defender o que era patentemente indefensável, Clinton fez o que ninguém – ninguém – na burocracia jamais imaginou ou teria imaginado.
Com o senso comum, o inato senso de justiça com que Deus dotou quase todas as crianças de cinco anos de idade, Clinton disse, simplesmente: “Mas isso não é justo”. E então, maravilha das maravilhas, entrou na sala e repetiu exatamente as mesmas palavras à ministra Bhutto.
Eis as palavras de Clinton, gravadas poucos instantes depois, quando os dois líderes apareceram ante a imprensa: “Já lhe disse claramente, e creio que nenhum presidente dos EUA jamais disse isso antes: não está certo que os EUA fiquemos com o dinheiro e com o equipamento. Não está certo. E vou tentar encontrar um modo de resolver o problema.”
Se você jamais trabalhou dentro da burocracia da política internacional dos EUA, se nunca viu aquilo por dentro, você não conseguirá imaginar o efeito dessas palavras – uma posição política completamente construída, ali, publicamente descartada pelo presidente, completa e inesperadamente descartada, no último instante, e em palanque planetário. Deve ter sido maravilhoso. Infelizmente, tendo assistido à toda a preparação, não assisti ao desfecho, porque, então, já trabalhava noutro emprego. Daria qualquer coisa para ter assistido ao vivo.
Pode acontecer outra vez?
Mas aquela questão era comparativamente muito menor, acompanhada só por uns poucos, e só nos círculos políticos do sul da Ásia. Imaginem então, se puderem, acontecer algo parecido, essa semana, na Assembleia Geral da ONU, quando o presidente Obama terá de explicar a atual política dos EUA sobre o pedido dos palestinos, que solicitam reconhecimento internacional para um novo estado.
Todos sabemos o que os EUA andam dizendo: que o que o presidente Mahmoud Abbas (Abu Mazen) está fazendo é contraproducente, que implica repudiar os acordos de Oslo, que é tentativa de negar a necessidade de uma solução negociada com os israelenses. Vimos o aparato-monstro da política dos EUA em movimento, com os mesmos argumentos repetidos pelos enviados dos EUA aos palestinos e ao Quarteto, publicamente elaborados pela secretária de Estado e pelo porta-voz da Casa Branca, e repetidos em dúzias de outros fóruns, dos maiores, aos menores.
Abbas deve ter a impressão de que Obama é caso de múltiplas personalidades – professa apoio à
solução dos dois estados e, ao mesmo tempo, veta a resolução que possibilitaria aquela solução
Mas repetir sempre a mesma coisa, em tom alto e insistente, não converte nonsense em argumento consistente. O presidente Obama sabe muito bem disso. Ele compreende as idas e vindas da questão Israel-palestinos. Ele sabe que o processo de paz chegou a um beco sem saída.
No início do governo, o presidente tentou reviver as negociações, ordenando completo congelamento das construções na Cisjordânia. Só conseguiu que o primeiro-ministro de Israel Netanyahu, para grande embaraço de todos, o forçasse a desdizer-se. Quando, em maio passado, Obama cometeu a temeridade de dizer publicamente aos israelenses que a atual política de Israel para os palestinos é impossível e insustentável, e modestamente sugeriu que negociassem uma fórmula para sair do impasse, foi publicamente castigado por Netanyahu e teve de passar pela humilhação de ver líderes do Congresso dos EUA, de seu próprio partido, repudiarem o presidente e manifestarem-se a favor do primeiro-ministro israelense.
Em resposta, embora não possa admiti-lo, Obama lavou as mãos e afastou-se da questão palestina. Sabe que não pode fazer mais nada. Nem por isso o problema diminuiu ou moveu-se, um passo que fosse.
Agora, outra vez, Obama está sendo obrigado a apoiar publicamente uma posição política israelense fundamentalmente oposta à sua posição pessoal. Obama sabe perfeitamente bem que Netanyahu não tem qualquer intenção de permitir que se forme um estado palestino viável, e que os palestinos têm pouca chance de sucesso, no caminho que escolheram seguir na ONU.
Também entende que o apoio solitário dos EUA a Israel e o inevitável veto ao pedido dos palestinos que requerem o reconhecimento como estado membro das Nações Unidas, minarão, talvez irremediavelmente, a posição dos EUA no Oriente Médio em democratização e exporão, como fraude, o apoio apenas nominal dos EUA aos direitos populares dos árabes.
A dimensão humana
Tudo isso está bem entendido. Já se pode ver o que acontecerá. Mas sempre esquecemos a dimensão humana.
Para o presidente de uma grande nação, em alguns momentos, o que é público se torna pessoal, como aconteceu com Bill Clinton naquele dia de abril de 1995. Não conheço pessoalmente o presidente Obama, mas tenho a impressão de que é homem orgulhoso, que não se vê como político ordinário, mas como líder que transforma. Obama tentou autocentradamente, esculpir um papel desse tipo para si mesmo, no contexto das relações dos EUA com o mundo muçulmano, mas foi repetidamente bloqueado, publicamente e muito feiamente.
Uma coisa é sacrificar princípios ante a realidade política. Todos os políticos são forçados a isso, em diferentes momentos. Mas outra coisa é fazê-lo oficial e publicamente, ver-se obrigado a dizer o que o mundo sabe que são mentiras, em encontro frente a frente, com outros líderes mundiais, que sabem o que ouvem e que, como resultado, verão, no presidente dos EUA, o personagem degradado.
Eis o que está guardado para o presidente Obama, na ONU. E ele sabe disso.
É verdade que, por mais ocupado que seja o presidente dos EUA, há vias de escape, muitos meios para evitar o que desagrade. Mas, em algum momento, quando o presidente estiver sozinho com seu livro de informes em New York, acontecerá. Ele sentirá um calor, um aperto no peito, e será tomado pelo impulso de pegar o livro encadernado em plástico e jogá-lo na cabeça de alguém. Então, sairá e dirá o que realmente pensa.
Todos sabemos que o presidente não fará nada disso. Ele sufocará o impulso, porque não sufocá-lo seria suicídio político. Não. O presidente engolirá em seco e fará o que é obrigado a fazer.
Mas, sim, bem valeria a pena dedicar alguma consideração à ideia de fugir do script, porque os EUA mais uma vez estão minando a própria segurança e a própria posição global, sem motivo algum, gratuitamente, para nada, em obediência cega e servil a um aliado mal-agradecido e autodestrutivo, e que, dessa vez, terá conseguido mais, algo mais pessoal: a mortificação pública de Barack Hussein Obama.


O dia em que a Palestina derrotou os EUA

Na ausência explícita do primeiro presidente negro dos EUA, advogado ativista dos direitos civis, eleito, entre outras coisas, para recuperar a moral mundial, Obama compareceu na ONU como vergonha. Na postura evasiva e envergonhada do homem mais poderoso do mundo está a vitória palestina.
Entre a presença de Dilma Rousseff na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU e a ausência de Barack Obama, explícita no discurso do presidente dos EUA, abriu-se um flanco. Faltou Obama no discurso de um presidente enfraquecido e na defensiva, refém de interlocutores ausentes (Bin Laden e o Hamas). E Dilma Rousseff esteve lá, inteira, com a sua história, os seus compromissos e uma agenda clara. Ela não tem, perante o mundo, do que se envergonhar. E o presidente dos EUA tem tanto do que se envergonhar que se envergonhou, nas palavras, na cabeça baixa, na postura de quem fala no que não acredita e defende a posição dos seus adversários. Nesta vergonha de Obama está a vitória palestina. Na ausência explícita do primeiro presidente negro, advogado ativista dos direitos civis, eleito, entre outras coisas, para recuperar a moral mundial, Obama compareceu como vergonha. Mas é preciso que se diga, de novo: na postura evasiva e derrotada do homem mais poderoso do mundo está a vitória palestina.
É verdade que, de um ponto de vista realista, o movimento da OLP tem pela frente muitas fronteiras a serem desfeitas, refeitas e estabelecidas. Dentre os árabes e palestinos há pelo menos os seguintes problemas, na proposta capitaneada por Abbas: o aparente escanteio dos refugiados palestinos, o pouco ou nenhum debate relativo a compensações dos direitos destes; há também questões em aberto sobre o estatuto jurídico e a competência da OLP em se converter ela mesma em Estado, há o Hamas, que já se retirou da proposta, porque o movimento da OLP não comporta uma recusa da existência do estado de Israel e há também a histórica hipocrisia de muitos dos países árabes, frente ao povo palestino, que costuma deixa-los à própria sorte (não é demais lembrar que Assad mandou bombardear um campo de refugiados palestinos, na Síria, há menos de um mês). Na relação com Israel e os israelenses, o problema é antes de tudo de fronteiras e tudo indica que este confronto, com o reconhecimento do estado palestino, na Assembleia Geral da ONU, ganhará um estatuto político mais claro na comunidade internacional.
Dilma lembrou algo importante, que serve de pista para entender a enrascada israelense perante a comunidade internacional, daqui para a frente: “O mundo sofre hoje as dolorosas consequências das intervenções, possibilitando a infiltração do terrorismo, onde ele não existia. Muito se fala da responsabilidade de proteger, pouco se fala da responsabilidade ao proteger”. Esta afirmação traduz com muita propriedade também a relação dos EUA com sucessivos governos israelenses, mesmo quando estes seguem violando o direito internacional. À parte a percepção de que Obama sabe bem da responsabilidade que seu país tem pela consequências sobre os palestinos de suas decisões e omissões, o que de fato sobressai é que o governo israelense foi exposto formalmente hoje como adversário de uma vontade reconhecida da comunidade internacional. Isso significa, entre outras coisas, que as violações pesarão mais, que construir assentamentos se tornará mais caro politicamente, que a defesa da retomada do processo de paz não ficará mais tão facilmente refém do ardil da “falta de interlocutores” ou da não negociação com terroristas.
Os passos dados pela OLP foram desde o começo de natureza diplomática, política, voltada à negociação. Por mais que o Hamas tenha fustigado, apesar das diatribes verbais do presidente do Irã, com a iminência de um atrito maior entre Egito e Israel, que poderia vir a fortalecer o Hamas, pois bem, apesar de tudo isso, Abbas seguiu obstinado a via da negociação com a comunidade internacional.
E Israel, agora, não pode mais dizer que não tem interlocutor na região, porque todos querem destruí-lo e não o reconhecem. Este passo foi dado, já, inclusive por Israel. O país é uma realidade e, fora da retórica oportunista do Hamas e do Hezbollah, ninguém questiona a legitimidade e o direito de Israel a existir, como país soberano e autodeterminado e membro da comunidade internacional. É nota característica da vitória palestina hoje a exposição de que o Hamas e o Hezbollah só são interlocutores da intolerância, da falta de respeito e do desprezo ao direito, ao estado de direito e ao direito internacional. Numa palavra, a exposição de que o interlocutor do Hamas é Avigdor Lieberman.
Resta saber se Israel pretende ser reconhecido se não reconhece. Se pretende prosseguir na mais longa ocupação militar moderna ou se está disposto a ser um estado respeitável na comunidade internacional. Hoje, estas considerações se tornaram muito mais acessíveis ao imaginário e à percepção das pessoas, frente ao movimento palestino, à celebração nas ruas da Palestina. E ao acontecimento a um só tempo luminoso e vergonhoso, na Assembleia da ONU.
Obama disse e repetiu o truísmo de que a paz é uma coisa difícil. Disse a verdade para iludir e, de tanto saber o que estava fazendo, envergonhou-se antes de dizer não aos palestinos. O presidente dos EUA entrou em campanha pela reeleição e parece cada vez mais cativo dos seus adversários, inclusive dos adversários internos, do seu partido. Em 19 de maio deste ano, falou em defesa das fronteiras de 67 e hoje balbuciou como um boneco de ventríloquo. Quem é o ventríloquo de Obama, pouco importa, agora. Dizer que é Avigdor Lieberman, ou Netanyahu é mentir. O ventríloquo de Obama é o medo e a derrota. Essas coisas que tornaram a sua presença hoje na ONU uma retumbante ausência e uma vergonha. A paz assim não é difícil, mas impossível.
A possibilidade de paz existe, é difícil mesmo, tornou-se mais complexa e talvez mais produtiva exatamente porque avança para o campo do direito, invertendo a prática da região. Na direção oposta à prevalência do fato consumado da construção e do muro de anexação dos territórios palestinos, o movimento da OLP, que teve seu ponto alto ou o fim de seu primeiro ato hoje, na Assembleia Geral, visa a estabelecer as condições de possibilidade de um estado palestino de fato. É verdade que o fundamento do estado, em boa teoria, é uma regra de reconhecimento que institui o fundamento último do direito. Também é verdade que o Estado não é uma obra de arte, mas um produto histórico. É verdade que os cínicos fizeram e seguem fazendo pouco caso dos palestinos, como se dizendo que os palestinos e Abbas estão desejando e imaginando que amanhã a ocupação tenha cessado (sim, todo cínico é um ingênuo arrogante).
Um ex-embaixador israelense disse que essa questão do reconhecimento do estado palestino virou uma coletiva de imprensa, quando deveria ser tratada de maneira discreta, em segredo. Talvez ele defenda isso para que as coisas continuassem como eram, com os israelenses fingindo que negociavam e bancando a expansão ilegal. Talvez seja só desdém, mesmo. Só que hoje, isso finalmente pouco importa: os palestinos derrotaram os EUA. E daqui para a frente, apesar dos pesares, do quão difícil venha a ser a paz, isso além de ser verdadeiro, permanecerá verdadeiro. Hoje, as desculpas cínicas entoadas por diplomatas entre meia dúzia de representantes no Conselho de Segurança foram substituídas por uma fala pública, envergonhada e embaraçosa do homem mais poderoso do mundo, perante os palestinos.
Poucas, muito poucas vezes na história a verdade irrompe a conjuntura para ser enunciada como aquilo que é: a norma de si mesma. Hoje foi um dia assim, e por isso Obama sentiu vergonha, por isso Dilma brilhou. E por isso os palestinos venceram.
Katarina Peixoto é doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: katarinapeixoto@hotmail.com
*comtextolivre

Discurso da Presidenta Dilma na Assembléia Geral da ONU


Dilma na ONU repreende China e EUA e reconhece Palestina

Discurso de uma Presidenta forte de um país forte



Como mulher que sofreu tortura no cárcere, disse ela, se sentia como representante de todas as mulheres do mundo.

Assim ela encerrou sua exposição sob aplausos.

Com a autoridade de quem incorporou 42 milhões de brasileiros à classe media e, breve, erradicará a pobreza.

Porém, surpreendente foi a forma categórica com que ela advertiu a China e os Estados Unidos com suas políticas de manipulação do câmbio.

A China, com o câmbio fixo, e os EUA com a inundação de dólares para salvar as exportações.

Dilma falou com a autoridade de um país que tem uma política econômica com credibilidade.

E exigiu que os países ricos se concentrassem no problema mais urgente: a dívida soberana dos países europeus.

E uma regulação – que os EUA ainda não refizeram – do sistema financeiro, “fonte inesgotável de instabilidade”.

Dilma não tem meias palavras.

Os brasileiros já sabem disso.

Ela, se precisar, chuta a canela do adversário.

E assim fez hoje, com a naturalidade de quem sabia se deslocar de um ponto a outro do teleprompter.

Os países superavitários, como o Brasil e a China, tem que se proteger da crise com a valorização de seu mercado interno.

O Brasil fez a sua parte, ela disse.

Conteve gastos e gerou um vultoso superávit em suas contas fiscais.

O que garante, portanto, disse ela, os programas sociais (como o Bolsa Família) e os investimentos (PAC).

Fortalecer o mercado interno com distribuição e inovação !

Ela lembrou que há 18 anos a ONU estuda a reforma de seu Conselho de Segurança.

E o Brasil quer um assento permanente.

Há 140 anos está em paz com os vizinhos.

Está inscrito na Constituição que não pode ter bomba atômica.

O Brasil, portanto, é um agente da paz, uma Nação em que judeus e palestinos vivem em harmonia.

Por isso, o Brasil quer que a Palestina esteja plenamente representada na ONU, como um Estado soberano, com as fronteiras definidas em 1967.

É a melhor forma de Israel garantir a paz, disse ela.

Foi o discurso de uma Presidenta forte de um país forte.

Em tempo: lamentavelmente, em seguida, Obama expressou o sentimento do lobby israelense nos EUA e discordou da plena integração imediata do Estado da Palestina na ONU.

A História não lhe reserva um lugar de honra.


Paulo Henrique Amorim

terça-feira, setembro 20, 2011

STJ inocenta Arruda. Agora ele pode ser Vice do Cerra

O STJ deixa
Saiu no Estadão:

Após decisão do STJ, provas de quatro operações da PF estão sob forte ameaça


Defesa de personagens como os ex-governadores José Roberto Arruda (DF) e Pedro Paulo Dias (AP) recorre à Justiça e aponta similaridade com interceptações da Boi Barrica, anuladas pela corte


Vannildo Mendes, de O Estado de S.Paulo


BRASÍLIA – Quatro grandes operações da Polícia Federal estão em risco no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão da corte de anular as provas da Operação Boi Barrica fez crescer a mobilização de importantes bancas de advocacia do eixo Rio-São Paulo-Brasília em favor dos réus apanhados nas operações Voucher, Navalha, Mãos Limpas e Caixa de Pandora. Em todos esses casos, já há no STJ recursos nos mesmos moldes do que obteve sucesso e anulou a Boi Barrica.


Entre os personagens acusados de corrupção e desvio de dinheiro público que esperam fulminar as provas obtidas pela Polícia Federal estão os ex-governadores do Distrito Federal José Roberto Arruda (sem partido), preso na Operação Caixa de Pandora, e do Amapá, Pedro Paulo Dias (PP), apanhado pela Operação Mãos Limpas, além dos envolvidos na Operação Voucher, que derrubou a cúpula do Ministério do Turismo.


“Pedi a anulação de todo o inquérito. A maior prova da inocência do meu cliente (José Roberto Arruda) é que até hoje o Ministério Público não o denunciou”, afirmou o criminalista Nélio Machado. Ele alega vícios no processo, entre os quais grampos ilegais e espera que a jurisprudência do STJ contribua para o descarte das provas. “Toda decisão que reconhece ilegalidade e abuso na coleta de provas gera jurisprudência nova”, enfatizou.


Segundo Machado, Arruda sofreu devassa completa em sua vida, a partir dos grampos ilegais de um criminoso – o ex-secretário de Relações Institucionais do DF Durval Barbosa, delator do esquema conhecido como “mensalão do DEM”. “As demais interceptações estão fora de contexto e derivam de uma prova inicial viciada”, acrescentou. A seu ver, embora não possa fazer analogia com o caso de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), cuja decisão não conhece integralmente, ele disse que “foram violadas as garantias constitucionais” do ex-governador Arruda.


Boi Barrica. No caso da Boi Barrica, os ministros da 6.ª Turma do tribunal consideraram ilegais interceptações telefônicas feitas durante as investigações, o que no entender do STJ contamina as provas contra os réus, entre os quais Fernando Sarney, acusado de crimes financeiros e lavagem de dinheiro.


Aguardam ansiosos na fila os réus da Operação Voucher, que pôs na cadeia, em agosto, a cúpula do Ministério do Turismo. “A Justiça e a polícia não podem passar por cima da lei e sair ampliando o tempo e o leque de interceptações como se fossem filhotes”, criticou o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, que atuou na defesa do ex-secretário executivo do Turismo Frederico Silva da Costa, o Fred, preso e apontado como cabeça do esquema.


O advogado aponta “fraude na interpretação do áudios” de conversa telefônica em que Fred ensina o empresário Fábio de Mello a montar um instituto para receber recursos públicos e ressalta que “o importante é a fachada”.

Navalha
O STJ tinha acabado de confirmar a súmula vinculante: rico não pode ser sequer investigado, quanto mais preso ou algemado.
A súmula foi primeiro escrita, no recesso, quando o ex-Supremo Presidente Supremo do Supremo, Gilmar Dantas (*) deu dois HCs Canguru ao banqueiro condenado Daniel Dantas, no espaço record de 48 horas (um feito comparável aos de Usain Bolt).
De lá para cá, os tribunais superiores parecem confirmar aquela tese notavel de um assessor de Daniel Dantas, registrada no horário nobre do jornal nacional: o problema é na primeira instância, porque lá em cima ele tem “facilidades”.
A notícia do Estadão é um bálsamo para os planos do Padim Pade Cerra para 2014.
Ele sempre quis o Arruda para Vice, como testemunha vídeo inesquecível de Alexandre Maluf Garcia: vote num careca e leve dois.
Depois, o destino o levou para o Álvaro Dias – aquele plagiador do PiG – e o Índio da Costa, que ninguém sabe por onde anda (como se interessasse saber).
Fica então assim combinado.
O STJ fecha a Polícia Federal.
Os criminosos do colarinho branco vão celebrar com um baile no mesmo salão nobre em que o Conjur lança suas edições especiais !
Os criminosos e seus doutos advogados.
Viva o Brasil !
*PHA


 
 

VIVA A LUTA PELA CAUSA PALESTINA!!


*Turquinho

Elevar a condição feminina não é sexismo, é justiça

A presença da Presidenta Dilma Rousseff nas atividades prepartórias da abertura da assembléia anual da ONU tem uma importância que vai além da enorme atenção que atrai sobre nosso país e nossas posições diante da ordem mundial. Ela é uma afirmação da mulher absolutamente necessária e tardia, até, no século XXI.
Embora, nas sociedades desenvolvidas, a mulher tenha alcançado senão a igualdade, ao menos a perspectiva dela no médio prazo, numa imensa parcela do mundo isso está muito longe de acontecer.
Hoje, a The Economist publica um gráfico sobre a prevalência feminina no número de óbitos de mulheres sobre o de homens em várias partes do mundo. E os dados são assustadores.
Elaborado com base nos dados do relatório do Banco Mundial, ele mostra que na China, Índia e os países africanos têm um excedente inaceitável de mortes femininas, provocadas por abortos seletivos (uma filha tem menos condições de cooperar com o sustento familiar) e pela Aids.


A fala de Dilma toca nestes assuntos com seriedade. A afirmação da condição feminina é uma exigência para quem tem pretende a afirmação da própria condição humana.


*Tijolaço

Filósofos e a Educação

Sócrates, Platão e Aristóteles inauguram uma filosofia ocidental. Afirmam que a condição do homem está fundada numa essência imutável e eterna, perfeita em si mesma, mas comprometida por seu vínculo à matéria. O pensamento desses filósofos gregos está profundamente ligado à educação. Sócrates faz uma defesa intransigente do conhecimento, Platão apresenta a perfeição do mundo das idéias e Aristóteles acredita que a educação é a transformação em ato das potencialidades dos homens. Para eles, a educação deve ser o processo que leva o homem ao máximo possível de sua perfeição.



Nietzsche

Para Friedrich Nietzsche, a educação deve despertar as potências dionisíacas do homem, o que pressupõe uma crítica radical aos valores da cultura racionalista, presente na filosofia, na ciência e na própria religião. Segundo o filósofo alemão, a filosofia, a ciência, a religião precisam ser superadas, para que o homem possa agir por força de suas potências vitais, pela pulsação da vida, e não da razão lógica. A educação, portanto, deve estar no sentido da busca da liberdade do espírito, na potencialização da vontade de poder do indivíduo e da constituição de um homem superior, sem as amarras da religião, do Estado e dos valores morais ocidentais. 

 

“Eu penso que nós destruímos o Iraque”


Filhos da Guerra
As armas norte-americanas serenaram Faluja e envenenaram uma geração
20 de Setembro de 2011
Kelley Beaucar Viahos
Fonte: Uruknet | Tradução de F.Macias
No discurso deste ano do Estado da União, o Presidente Barack Obama declarou que “a guerra do Iraque está a chegar ao fim” – pelo menos para os Americanos, saimos “de cabeça erguida” porque “o nosso compromisso foi cumprido”. 
Contudo, para milhões de Iraquianos, a guerra está longe do fim – na verdade, para cada vez mais famílias nas cidades que foram quase destruídas durante os anos de insurgência e contra-insurgência, a crise está só a começar. Como disse um Americano Iraquiano, “ Só porque nós (Norte-americanos) não prestamos atenção, não significa que o resto do mundo não esteja a prestar atenção”.
Segundo estudos e relatos de testemunhas sobre os últimos anos, Faluja – uma cidade iraquiana que foi praticamente eliminada pela artilharia pesada norte-americana em duas grandes ofensivas em 2004 – confronta-se com um número assombroso de defeitos de nascença. A situação faz eco de relatos semelhantes em Bassorá que começaram a aparecer depois da primeira Guerra do Golfo em 1991.
A série de horrores enumerados é confrangedora: bebés que nascem com um olho no meio da cara, sem membros ou com muitos membros, com a cabeça defeituosa, insuficiências cardíacas, e falta de órgãos genitais.
Ao visitar uma clínica em Faluja em Março 2010, John Simpson da BBC disse “ Fomos confrontados com imensos casos de crianças com graves defeitos de nascença… Vi uma fotografia que mostrava um recém-nascido com três cabeças”. Depois, no principal hospital da cidade, fundado pelos EUA, uma quantidade de pessoas chegavam com os seus filhos que tinham membros defeituosos, deformações na coluna e outros problemas. Dizem que as autoridades de Faluja avisavam as mulheres para não quererem de todo ter filhos.
Ayman Qais, director do hospital geral de Faluja, disse ao Guardian que assistia a dois bebés afectados por dia, em comparação com quatro por mês que vira em 2003. “A maior parte (das deformações) são na cabeça e na coluna vertebral, mas também há muitas deficiências nas pernas” disse ele. “Há também um aumento muito acentuado do número de casos de crianças com menos de dois anos com tumores no cérebro.”.
É largamente aceite entre os cientistas, médicos e trabalhadores de ajuda humanitária que a guerra é responsável. A presença de tanto armamento despendido, resíduos e escombros, poços de material queimado nas bases dos EUA e incêndios de poços de petróleo deixaram um legado tóxico que está a envenenar o ar, a água e o solo do Iraque.
“Eu penso que nós destruímos o Iraque” diz Adil Shamoo, bioquímico da Universidade de Maryland que se especializou em ética médica e política externa.
Shamoo, um americano iraquiano acredita que é “do senso comum” associar os problemas de saúde do Iraque aos bombardeamentos implacáveis das suas cidades e vilas e a poluição resultante dos combates e da ocupação.
O Departamento da Defesa discorda, e rejeita as reclamações de que o exército seja responsável das doenças crónicas, defeitos de nascença e altas taxas de cancro entre a população local e os seus próprios membros que estiveram expostos aos mesmos elementos. Os responsáveis da Defesa não atendiam telefonemas nem respondiam aos e-mails para comentar as questões levantadas nesta matéria.
O governo iraquiano pouco tem feito para resolver a crise de saúde pública em Faluja e noutros lugares. As autoridades não podem deixar, e aparentemente falta vontade, de acabar com a poluição que assola em torno dos centros populacionais do país, até porque muitos iraquianos continuam a reclamar o abastecimento de água potável e assistência médica básica.
Um estudo conjunto feito em 2010 pelos ministérios do ambiente, da saúde e ciência, encontrou 42 locais que estavam contaminados com altos níveis de radiação e dioxinas – resíduos, assegura aquele estudo, originados por três décadas de guerra. Os críticos acreditam que há centenas de outros locais como estes.
As áreas em volta dos centros urbanos como Faluja e Bassorá representam 25% dos locais contaminados. A poluição em Bassorá data de pelo menos 1982, quando a Operação de Ramadan, a maior batalha da guerra Irão-Iraque – na qual os EUA deram a Saddam Hussein biliões de dólares em armas, instrução e outros apoios – sacudiu o deserto. Nos 20 anos após a primeira Guerra do Golfo, Bassorá tem visto uma aumento acentuado de doenças prevalentes na infância. Segundo os investigadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Washington, a taxa de leucemia infantil mais do que duplicou em Bassorá entre 1993 e 2007.
Em Dezembro, um relatório publicado no Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública declarava que desde 2003 foram observadas “malformações congénitas” em 15% do total de nascimentos em Faluja. Insuficiências cardíacas eram as mais frequentes, seguidas por deficiências no canal neural, que causam deformidades irreversíveis e muitas vezes fatais. Em comparação, a maioria dos defeitos de nascença afectam apenas aproximadamente 3% dos recém-nascidos nos EUA e uma média de 6% em todo o mundo.
“ O timing em que ocorreram os defeitos de nascença indica que eles podem estar relacionados com a guerra associada a longo período de exposição à contaminação” afirma o relatório. “Muitos contaminantes que se produzem na guerra têm a capacidade de interferir no desenvolvimento embrionário e fetal normal.”
Outro artigo recente, “Cancro, Mortalidade Infantil e Proporção de Sexos nos Nascimentos em Faluja, Iraque 2005-2009”, publicado no Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública em Julho 2010, baseou-se numa inquérito porta a porta a 4.843 habitantes em 711 casas de Faluja. Reconhecendo que estes inquéritos têm algumas limitações, os autores destacaram três conclusões convincentes, incluindo uma redução de 18% dos nascimentos do sexo masculino após 2004 e um aumento da mortalidade infantil.
“As conclusões aqui reportadas não lançam qualquer luz sobre quem são os agentes causadores do aumento dos níveis de doenças e embora estejamos atentos ao uso do urânio empobrecido como uma potencial causa relevante, pode haver outras possibilidades”, escrevem os autores.
Na verdade, há muitos outros possíveis contaminantes – mas o urânio empobrecido tem sido o principal suspeito.
O urânio empobrecido (DU) é um metal radioactivo de alta densidade a altamente tóxico que os militares usam regularmente pelas suas capacidades de blindagem e de penetração. Os tanques Abrams e carros de combate Bradley do exército usam-no na sua armadura e nas suas munições. 
Além das capacidades de penetração de longo alcance, as armas munidas de DU causam mais danos porque lançam num instante os alvos em chamas.
Depois das batalhas, as carcaças dos tanques e os restos das munições de DU que explodiram ou não, produzem radiação, enquanto minúsculas partículas do metal pesado se introduzem no pó e podem girar no ar a longas distâncias. Este pó pode ser mortal quando inalado, dizem médicos e ambientalistas.
Os EUA deixaram cerca de 320 toneladas de DU no campo de batalha depois da primeira Guerra do Golfo. As rajadas de DU deram uma clara vantagem sobre os Iraquianos, destruindo uns 4.000 tanques, muitos dos quais continuam a poluir a paisagem do deserto. “As partículas invisíveis formadas quando as granadas batiam e se incendiavam, ainda estão ‘a arder’. Elas fazem zumbir os detectores Geiger e metem-se nos tanques, contaminando o solo e espalhando-se com o vento do deserto, como será durante os 4,5 biliões de anos que levará o DU a perder apenas metade da sua radioactividade”, escreveu Scott Peterson no Christian Science Monitor.
Num outro artigo, Peterson documentou provas de DU em Bagdade, examinando “pontos quentes” à volta dos detritos de batalhas, com um detector Geiger. Ele comentou que a Força Aérea admitira que os aviões A-10 “Warthog” tinham atirado 300.000 rajadas durante a fase da invasão “choque e pavor”.
“Não disseram às crianças para não brincarem com os detritos radioactivos” escreveu Peterson. Ele viu apenas um local onde as tropas norte-americanas colocaram avisos escritos em árabe para os iraquianos se afastarem. “Ali foi encontrado um dardo de DU com 3 pés de comprimento, de uma granada de 120 mm, produzindo radiação 1.300 vezes superior aos níveis encontrados anteriormente. (O detector Geiger) fez os sons das explosões transformarem-se num gemido constante.”
Tem sido impossível obter um retrato exacto de como o DU foi usado pelas forças norte-americanas no Iraque desde 2003. Em 14 Março 2003, numa conferência de imprensa, menos de uma semana antes da invasão, o Coronel James Naughton do Comando do Equipamento do Exército dos EUA vangloriou-se que os Iraquianos “querem que (o DU) fique de fora, porque senão nós limpávamos – lhes o sebo” nas batalhas de tanques de 1991. “ De facto os seus soldados não podem ficar satisfeitos com a ideia de saírem basicamente nos mesmos tanques com alguns ligeiros melhoramentos e usarem outra vez os Abrams.”
A bazófia parou depois do “choque e pavor”. As autoridades agora insistem que a exposição ao DU não é responsável pelos graves problemas de saúde do Iraque. Confrontado com as provas dos defeitos de nascença em Faluja, o porta-voz do Pentágono Michael Kilpatrick disse o ano passado à BBC, “Até à data nenhum estudo indicou que as questões ambientais tenham resultado em problemas de saúde específicos”.
A composição exacta das munições usadas durante os combates em Faluja no final de 2004, continua sem se conhecer. Mas a escala da poluição pode ser medida pela magnitude dos bombardeamentos. Segundo Rebecca Grant, ao escrever para a Air Force Magazine em 2005, os EUA levaram a cabo implacáveis bombardeamentos na primeira batalha de Faluja, de Março a Setembro de 2004 e lançaram uma segunda ofensiva nesse Novembro.
Grant descreve um “ ritmo constante de bombardeamentos” numa caça ao homem quase toda urbana, empregando helicópteros AC-130 e aeronaves de asa-fixa , mesmo depois de logo no início, os comandantes serem avisados para reduzirem a escala dos ataques devido a considerações políticas sobre os danos colaterais. Os aviões F-15 desciam a pique e metralhavam insurgentes a preparar abrigos enquanto os marines eram chamados a atacarem os insurgentes encurralados, com mísseis guiados por GPS, como os novos GBU-38 JDAM (Joint Direct Attack Munition) de 500 libras de peso, que podiam “arrancar” edifícios mesmo do meio de zonas muito povoadas.
A descrição de Grant não inclui o uso de DU nem de fósforo branco que em contacto com a carne humana a faz fritar até ao osso. Um ano após os médicos de Faluja começarem a relatar as queimaduras denunciantes, um porta-voz do Pentágono admitiu à BBC que aquele fósforo branco era de facto “usado como arma incendiária contra os combatentes inimigos” em 2004. Inicialmente, o exército afirmara que era usado apenas para iluminação do campo de batalha.
“Quando entravam, basicamente arrancavam todos os stops”, disse o jornalista de investigação Dahr Jamail, que em 2004 esteve em Faluja.
O problema com a tentativa de identificar um agente básico dos defeitos de nascença no Iraque é que o país é um caldeirão de contaminação. Além da água poluída, há em toda a parte colunas de fumos tóxicos de queima de resíduos nas bases dos EUA, assim como fogos de petróleo e gás que salpicam a paisagem. Não menos do que 469 ocorrências de incêndios de petróleo e gás, a maioria explosões de oleodutos causadas por insurgentes, foram registadas entre 2003 e 2008.
Saddam Hussein usou armas químicas contra o seu povo e alegadamente ordenou aos seus homens – fugindo da invasão de 2003 – sabotar a velha estação de tratamento de água de Qarmat Ali, ao norte de Bassorá onde os rios Tigre e Eufrates se encontram. A teoria manipulada é que eles usaram um pó anti corrosivo contendo enormes quantidades de crómio de potência seis, um químico conhecido por causar cancro.
Alguns dos soldados da Guarda Nacional Oregon que mais tarde trabalharam e viveram na estação - convencidos pela segurança dos empreiteiros Kellog, Brown and Root que Qarmat Ali estava a salvo – estão agora tão doentes que mal podem andar. “Este é o nosso Agente Laranja” disse o veterano Scott Ashby ao The Oregonian em 2009, referindo-se ao herbicida pulverizado pelas forças dos EUA sobre enormes áreas do campo Vietnamita de 1961 a 1971.
A comparação com o Agente Laranja é adequada. Como no Vietname uma geração antes, os Norte-americanos correram para as saídas emocionais no Iraque, riscando a guerra como se fosse um engano, melhor se retiravam dos livros de história. Ignorando o lamento constante dos seus virtuosos detectores Geiger, o público dos EUA arruma ordenadamente as fotografias de bebés iraquianos deformados junto das desbotadas memórias das crianças vietnamitas e veteranos americanos marcados com cicatrizes por produtos químicos no campo de batalha. A negação colectiva tornou-se no melhor amigo do império, como o desastre da política externa do Sudeste Asiático deu lugar a uma catástrofe de 30 anos no Médio Oriente.
*GrupoBeatrice

Tucano privatiza até a polícia

A histórica Polícia Militar corre o risco com as privatizações tucanas.
O comandante-geral da PM, coronel Marcos Teodoro Scheremeta, disse ontem que está preparando um projeto que tira policiais militares do atendimento ao 190, colocando em seu lugar funcionários terceirizados.
“Por que uma função não estratégica, como o primeiro atendente, o suporte técnico ou a pessoa que cuida do no-break não pode ser um contratado? Hoje a polícia não pode contratar”, questiona o comandante.
Scheremeta diz que já está conversando com várias empresas e que pretende que o projeto esteja pronto, para ser apresentado ao secretário estadual de Segurança Pública no começo do ano que vem.
“Estamos conhecendo muito e ouvindo mais ainda. Para a Copa, um sistema digital vai ter que estar pronto”, afirma.
De acordo com o comandante, os atendentes seriam supervisionados por
policiais. Outra vantagem seria que os PMs, hoje no telefone, poderiam assumir postos nas ruas.
“Seria um redirecionamento para outras funções. O número de atendentes hoje é muito grande”, diz.
Um possível contrato, além do atendimento no 190, pode servir também
para gerenciamento de bancos de dados, acesso on-line a informações sobre os suspeitos.
“Hoje nosso sistema é analógico”, conta.
*comtextolivre