Malfeitos do capitalismo
O vazamento de óleo na plataforma fluminense permite algumas observações que merecem atenção. A Chevron é, na sua especialidade, no mundo do petróleo, uma empresa grande, segundo dizem maior que a nossa grande Petrobras. Mas essa gigante petrolífera americana (será ela um dos orgulhos da iniciativa particular?), deu um show de incompetência no episódio do vazamento. Mobilizando-se apenas depois de ter sido alertada pela Petrobras, mostrou-se incapaz de identificar com precisão o local do desastre, por falta de equipamento adequado. E foi a nossa estatal que emprestou à empresa americana equipamentos mais modernos, capazes de possibilitar essa identificação e de ensejar um atrasado plano de contenção. Retardando procedimentos, a Chevron revelou-se pouco ágil diante do acidente e, com informações incorretas e desencontradas, permitiu que se pusesse em dúvida outros aspectos de sua gestão no campo administrativo e mesmo ético.
O artigo do Mair Pena Neto aqui no DR (“Fora Chevron!”) é, a esse respeito, bem esclarecedor. E aqui vou além. Que me desculpe o pessoal do neoliberalismo, mas o desastre põe a nu, uma vez mais, a realidade que um pensamento falacioso teima em escamotear: não é verdadeira a afirmação de que o empreendimento particular é, por definição, mais eficiente que o estatal.
E é bom, mais uma vez, tomarmos cuidado para não engolirmos gato por lebre. Ouvi na CBN uma incensada comentarista política declarar que “salta aos olhos”, na ocorrência, a incompetência dos órgãos reguladores (ou seja, vinculados ao Estado), aos quais faltaria uma ação fiscalizadora mais eficaz. Claro que ela não deixou de criticar a petrolífera americana, mas imediatamente me lembrei do caso da TAM, em que certa mídia fez o possível para transferir para o âmbito do Estado brasileiro a responsabilidade pela tragédia de então. Se você prestar atenção, verá que todas as vezes que o empreendimento particular dá com os burros n’água, surge uma acusação ao poder público. Cômodo, não? Os desavisados que ouvem esses acusadores podem imaginar que eles defendem uma forte ação controladora do Estado, mas as pessoas atentas percebem que esse controle só é lembrado nas catástrofes...
Para o neoliberalismo – uma das piores versões assumidas pelo capitalismo -, parece que o bom é a existência de um Estado fraco (chamado Estado mínimo), subserviente, que lhe facilite a vida; um Estado que abdique da instauração do bem-estar social; que privatize, que subsidie, que financie, que privilegie, sem levar em conta os interesses do povo; um Estado, enfim, que dê facilidades, sejam elas morais ou imorais. Um exemplo? O poder público vai gastar quase 1 bilhão de reais para a “reconstrução” do Maracanã nos moldes FIFA, um crime contra um dos ícones da minha cidade. Afirma-se, porém, com a maior tranquilidade, que, depois da Copa, o estádio será entregue à administração particular. Coitado do povão! Já dá para pressentir o “legado” que lhe será reservado: um Maracanã elitizado, construído com dinheiro do povo para o lucro de poucos. Essa é a lógica neoliberal. É para isso que o Estado serve...
Não estou aqui defendendo a excelência do Estado e seus prepostos, que também cometem, e muitas vezes, sérios deslizes. Questiono, sim, essa visão maniqueísta e comprometida que confere um ar vestal ao particular e transforma em pérfido vilão o serviço público. Seja ente público ou privado, ninguém desfruta dos privilégios da excelência. Exemplifico com a recente onda de denúncias de corrupção. É óbvio que devem ser fortemente coibidas e punidas as ações de quem usa o dinheiro do povo em proveito de seus interesses escusos. Mas é bom não esquecer – e esse “esquecimento” é nítido na mídia - que, em inúmeros episódios de corrupção, os corruptores, sedentos de lucro fácil, vêm da iniciativa particular que é, no caso, cúmplice na fraude ao interesse público. Penso que todas as empreiteiras ou congêneres que oferecem propina a funcionários públicos para ganhar concorrências deveriam também submeter-se às penas da lei e, no mínimo, ser definitivamente impedidas de transacionar com o Estado. Uma “ficha-limpa” empresarial... O problema é saber se sobraria alguma...
Como os indignados que vão tomando conta das ruas do mundo, julgo que os atos e fatos aqui expostos se interligam, direta ou indiretamente, em maior ou menor intensidade. Eles deixam à mostra algumas das incontáveis feridas de um perverso sistema econômico fundado no lucro a qualquer título, a qualquer preço, que beneficia uns poucos, penaliza as grandes massas e abomina políticas públicas de um Estado forte que lhe ameace o poder. Também penso que esse sistema – na atual versão - tenderá à agonia, se insistir nas reverências cegas a um deus Mercado com seus apóstolos tecnocratas e suas palavras de ordem contrárias às históricas conquistas sociais dos trabalhadores.
Em recente editorial, o jornal “O Globo” deitou falação sobre o pessoal do “Ocupe Wall Street”, culminando com a apoteótica afirmação de que tentar apressar a “crise final do capitalismo” seria “algo tão ilusório quanto apostar no fim da história”. Sem ousar definir prazos ou mesmo apontar o que virá depois, acho que o bom senso torna possível imaginarmos que o fim do capitalismo, quando vier, estará na essência da dinâmica da própria história...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.