Batalha campal de Pinheirinho se transforma em chuva de processos contra Alckmin
Por Redação, com colaboradores - de São José dos Campos (SP), São Paulo, Brasília e Nova York (EUA)
O governo do Estado de São Paulo tornou-se alvo de uma saraivada de processos, alguns em âmbito internacional, após a ação “violenta e ilegal”, segundo avaliou o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), presente ao assentamento de Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, local das agressões registradas até o início da noite deste domingo.
Mulheres e crianças foram expulsas de suas casas para que a propriedade volte à carteira do megaespeculador Naji Nahas
O espancamento de manifestantes e o excesso da força aplicada por 1,8 mil homens da Polícia Militar contra um grupo de cerca de 500 pessoas que resistia à ação da PM já se materializou em uma denúncia formal contra o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), encaminhada por uma série de instituições responsáveis pela fiscalização dos abusos policiais. A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) também encaminhará representação contra o governo paulista.
PM recebe ordens para prosseguir com a batalha campal de Pinheirinho
O Ministério Público Federal, por sua vez, ingressou com uma ação civil pública contra a Prefeitura de São José dos Campos devido à omissão do município em promover a regularização fundiária e urbanística do assentamento. Proposta pelo procurador Ângelo Augusto Costa, a ação também tem quatro pedidos liminares para assegurar o direito à moradia dos ocupantes do terreno. A ocupação Pinheirinho surgiu do grande déficit habitacional em São José dos Campos (SP). São 9 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças, que ocupam, desde 2004, uma área até então abandonada, que era de propriedade do megaespeculador Naji Nahas.
A Central Sindical e Popular (Conlutas), escreveu à OAB nacional para denunciar o barril de pólvora em que está instalado o assentamento.
Leia, na íntegra, o documento:
“O Município de São José dos Campos, embora detenha um dos maiores orçamentos per capita do país, arrecadando cerca de R$ 1,7 bilhão por ano, amarga um déficit habitacional de cerca de 30 mil moradias. A média de casas populares construídas na última década foi de 300 unidades por ano. Metade dessas habitações é destinada à remoção de famílias de uma região a outra, numa política deliberada de segregação da pobreza.
Diante desse quadro social, em 2004, centenas de trabalhadores sem-teto ocuparam uma área na Zona Sul da cidade conhecida como Pinheirinho. Logo após essa ocupação por moradia, uma empresa falida, a Selecta S/A, criada pelo megaespeculador financeiro Naji Nahas, reivindicou a posse do terreno.
Inicialmente, o juiz da 18.ª Vara de Falência de São Paulo-SP concedeu uma liminar de reintegração de posse. Os advogados do movimento alegaram que o juízo de falência da capital não tinha competência para discutir a posse da área e o Tribunal de Justiça cassou essa liminar.
A massa falida pediu nova liminar e o juiz da 6.ª Vara Cível de São José dos Campos negou a reintegração. A massa falida recorreu ao Tribunal de Justiça (TJSP), que então concedeu a liminar. Na defesa dos sem-teto contra esse recurso foi apontada uma irregularidade processual (a massa falida não havia comunicado o juiz de São José dos Campos sobre o recurso ao Tribunal).
Após a suspensão da liminar pelo próprio TJSP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou todo o recurso, reconhecendo a irregularidade por conta da falta de comunicação ao juiz em S. José.
Agora em 2011, quando da comunicação dessa decisão do STJ à 6.ª Vara Cível de São José dos Campos, a juíza Márcia Loureiro, hoje titular desse juízo, analisando um pedido da massa falida para que o processo tivesse prosseguimento com a definição de uma data de audiência entre as partes, resolveu ressuscitar a liminar da Vara de Falência!
No momento em que foi apontada a gravíssima irregularidade no processo, com um retorno a uma decisão já cassada há muito tempo, a juíza alegou que não era mais a velha decisão ressuscitada, era uma nova decisão!
A juíza ignorou que a liminar já havia sido indeferida; que o processo seguia seu curso normal, com testemunhas intimadas para comparecer à audiência, que só dependia da definição de data (como pedido pela própria massa falida); que, na prática, a “nova decisão” somente “requentava” a velha decisão da Vara de Falência.
A área do Pinheirinho, hoje ocupada por cerca de 9.600 pessoas, em população composta em grande número por mulheres e crianças, é toda edificada, sendo que a Secretaria Estadual de Habitação e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo já iniciaram estudos para regularização do bairro e para a implantação da infraestrutura.
Na falência da Selecta só resta um último credor: o Município de São José dos Campos, que tem cerca de 10 milhões de reais de IPTU a receber. Esse tributo nunca foi pago pela falida, desde a data de sua instituição.
Na execução fiscal movida pela Prefeitura de São José dos Campos ensaiou-se um “acordo” entre a Selecta e o Município. Somente os honorários advocatícios eram pagos, sendo que essa verba era embolsada pelos procuradores municipais em proveito próprio.
Um protesto de moradores ontem na Prefeitura Municipal exigindo o cadastramento do bairro no programa “Cidade Legal” recebeu a resposta evasiva da Administração Municipal de que não poderia inscrever uma área “particular”, mas que não se opunha às iniciativas do Governo Estadual. O fato é que a área só continua sendo particular pela omissão da Prefeitura na cobrança dos créditos de IPTU. O recurso encaminhado ao TJSP contra essa absurda decisão da juíza caiu com o mesmo desembargador sorteado em 2005.
Até o momento, ele não suspendeu a liminar, o que estimulou a juíza a prosseguir com as iniciativas, marcando como data de desocupação o dia 31 de dezembro de 2011.
Um aspecto emblemático se repete nessa data.
Em 2005, o Tribunal chegou a recomendar “cautela” na operação de desocupação violenta, pois a Revista Caras havia noticiado uma festança promovida por Naji Nahas, regada a champanhe e caviar (esses “detalhes” constam da decisão).
A história parece querer se repetir. Enquanto o megaespeculador estiver comemorando seu réveillon, os sem-teto serão vítimas de um massacre.
A juíza responsável pelo feito tem se manifestado com frequência pelos órgãos de comunicação, chegando mesmo a sugerir valores ao terreno. Essa postura, agravada por um tom de intransigência em face dos esforços no sentido de regularização da área revelam a necessidade de apoio institucional para atingir-se um resultado que atenda aos ditames da justiça.
A Secretaria Geral da Presidência da República e o Ministério das Cidades, no âmbito federal, e a Secretaria Estadual de Habitação e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU já demonstraram disposição para promover a regularização fundiária do bairro, sendo que a Prefeitura Municipal de São José dos Campos já promoveu, inclusive, o cadastramento das famílias. Está ocorrendo reunião entre as três esferas de governo na data de hoje, visando encontrar soluções.
A desocupação violenta, entretanto, já tem procedimentos iniciados, com o desvio de ônibus da Zona Sul do município, local em se insere o Pinheirinho.
Uma tragédia está anunciada e os meios para evitá-la estão nas mãos estatais. Essa área não cumpria nenhuma função social, servindo à especulação imobiliária e sonegando impostos aos cofres públicos.
Diante dessa situação crítica, solicita-se declaração pública de Vossa Excelência, no sentido de exigir dos poderes constituídos uma solução humanitária às famílias, que não implique uma desocupação violenta para buscar u caminho racional que viabilize a regularização da área na forma já sinalizada, permitindo-se o apoio técnico aos magistrados envolvidos com o problema social, tudo para garantir a prevalência da vida e da dignidade humana sobre os interesses patrimoniais.
Requer-se, ainda, o agendamento de audiência com o Procurador-Geral da República para que se represente ao Superior Tribunal de Justiça visando o deslocamento de competência à Justiça Federal, perante a ameaça aos direitos humanos que a situação indica.
Certos de poder contar com as iniciativas de Vossa Excelência, subscrevemo-nos, atenciosamente.
José Maria de Almeida
Membro da Executiva Nacional da Central Sindical e Popular – CONLUTAS
e
Aristeu César Pinto Neto
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São José dos Campos-SP”
Excesso de força
Guarnição da PM tem o caminho aberto por bombas de gás lacrimogêneo
O confronto entre policiais militares e manifestantes deixou duas pessoas gravemente feridas e teria causado uma morte, ainda não confirmada, durante a tomada de Pinheirinho. A PM seguia no local, no início da noite deste domingo, na tentativa de reitegrar a posse da área à massa falida do megaespeculador Najas. Medidas cautelares, no entanto, foram impetradas para suspender a ação policial.
O caso mais grave foi de rapaz, gravemente ferido após ser baleado. Ele foi atendido no Hospital Municipal e ainda corre risco de morrer. Em coletiva, convocada para o final da tarde, o comandante da ação, capitão PM Antero, negou que o disparo tenha partido de policiais militares, mas não avaliou as fotos registradas por jornalistas que mostravam um guarda municipal empunhando uma pistola. O capitão afirmou que seus homens estavam usando apenas gás lacrimogêneo, bomba de efeito moral e balas de borracha na operação.
Homens da Guarda Municipal espancam um manifestante em Pinheirinho
O deputados Marco Aurélio e Carlinhos Almeida (PT), além de vereadores de São José dos Campos, presentes ao local, também questionam a decisão de iniciar uma batalha campal desta envergadura durante o domingo, quando a maior parte dos setores públicos está fechada. Os parlamentares também requisitaram à Polícia Federal uma investigação sobre o uso de munição real na operação.
Durante o protesto contra a ação de reintegração de posse, moradores da ocupação Pinheirinho bloquearam parcialmente a Rodovia Presidente Dutra, no sentido São Paulo – Rio, na altura de São José dos Campos. Segundo a concessionária que opera a rodovia, a manifestação deixou o tráfego congestionado do quilômetro 162 ao133.
Guarda Municipal empunha uma pistola
Nota da Prefeitura de São José dos Campos, distribuída no final desta tarde, informava que 235 famílias (cerca de 900 pessoas) foram atendidas após a expulsão promovida pela PM paulista. Desse total, 120 famílias vão se mudar para outros endereços na cidade e 110 que se cadastraram no Centro Poliesportivo do Campo dos Alemães serão encaminhadas para abrigos temporários. Os demais receberiam passagens de ônibus para retornar a seus municípios de origem.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região chegou a suspender, na sexta-feira, a ordem de reintegração de posse e devolveu o caso para a Justiça Federal. O processo foi avaliado pelo desembargador federal Antonio Cedenho. O magistrado entendeu que a disputa envolve a União, já que o governo federal manifestou interesse em participar de uma solução do conflito. Entraves legais, no entanto, fizeram o processo migrar seguidas vezes da Justiça Federal para o Judiciário do Estado de São Paulo, que concedeu à massa falida a ordem de reintegração de posse e deflagrou a controversa operação.
A Polícia Militar confirmou a prisão de 16 pessoas, por resistência. Todos já foram liberados.
*correiodoBrasil