Naji Nahas e o crime no Pinheirinho – Um pouco de Naji Nahas, segundo a Óia
do Miro
Altamiro Borges
A
mídia burguesa, que historicamente sempre criminalizou os movimentos
sociais, não fugiu à regra na cobertura da desocupação do Pinheirinho,
promovida de forma covarde e ilegal neste domingo. A maior parte dela,
inclusive numa abjeta reportagem da TV Record, tratou os ocupantes como
“invasores” e culpados pelas cenas de violência no carente bairro de São
José dos Campos (SP).
É
sempre assim! Nos momentos de confrontos mais agudos, os barões da mídia
se juntam na defesa da “propriedade” e contra os que lutam por direitos
humanos mínimos – como o direito à moradia. Nesta “cruzada sagrada”,
eles inclusive protegem notórios bandidos, como é o caso do especulador
Naji Nahas. De vilão, ele foi tratado como prejudicado no triste
episódio do Pinheirinho.
Bandido é tratado como vítima
A
chamada grande imprensa até citou que “o terreno de 1,3 milhão de
metros quadrados, que virou alvo de um confronto entre policiais e
moradores da comunidade do Pinheirinho, pertence à massa falida da
empresa Selecta S/A, do empresário libanês Naji Nahas”, conforme notinha
do Estadão. Ela também lembrou que o “banqueiro” já foi acusado por
crimes financeiros e foi preso.
Mas nenhum
veículo midiático colocou seus holofotes sobre o dono ilegal do
Pinheirinho. Ele surge como vítima dos “invasores”, que ocuparam o
terreno em 2004 e que resistiram, “violentamente”, à ação de despejo.
Alguns “calunistas” mais hidrófobos até elogiaram a postura “firme” do
governador tucano Geraldo Alckmin na “defesa da propriedade”... do
bandido Nahas!
A biografia do especulador
Um
simples levantamento sobre a trajetória deste espertalhão indicaria que
o prefeito de São José dos Campos, o governador de São Paulo, os barões
do Judiciário e os donos da mídia deveriam ser menos parciais na defesa
da “sua” propriedade. A biografia de Naji Nahas ajudaria a evitar o
massacre dos moradores do Pinheirinho e a buscar uma solução negociada
para o conflito.
Conforme relata o Wikipédia,
enciclopédia virtual compartilhada, o empresário nascido no Líbano
“chegou ao Brasil no começo da década de 1970 com cinqüenta milhões de
dólares para investir e montou um conglomerado de empresas que incluía
fábricas, fazendas de produção de coelhos, banco, seguradora e outros”.
Bolsa do Rio e Satiagraha
Naji
Nahas tornou-se nacionalmente conhecido depois de ter sido acusado como
responsável pela quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em1989.
Ele tomava empréstimos de bancos e aplicava na bolsa, fazendo negócios
por meio de laranjas e inflando as cotações. A descoberta da maracutaia
causou a quebra em cascata na bolsa do Rio, que nunca se recuperou
totalmente.
Naji Nahas voltou ao noticiário em
julho de 2008, quando foi detido pela Polícia Federal, que acatou a
ordem de prisão decretada pelo juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara
Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e
lavagem de dinheiro. Nesta operação, batizada de Satiagraha, também foi
preso o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso
Pitta.
A reportagem da Veja
Estas
e outras histórias cabeludas revelam quem é Naji Nahas, o bandido que
conseguiu a reintegração de posse no Pinheirinho. A mídia venal conhece a
sua trajetória, mas agora evita dar destaque. Em outras ocasiões, que
não envolviam o “sagrado direito à propriedade privada”, ela até já
listou os seus crimes. A revista Veja, de outubro de 1997, fez excelente
apanhado sobre Nahas.
A reportagem de Antenor
Nascimento, intitulada “Promissória ambulante”, lembra que o agiota
quase quebrou a bolsa de valores em junho de 1989, “num dos maiores
escândalos financeiros da história do país”, que resultou “na liquidação
de seis corretoras e num prejuízo calculado em 400 milhões de dólares”.
Reproduzo alguns trechos da matéria agora arquivada pela mídia:
*****
Passados
oito anos [do golpe na bolsa], ele contratou pesquisas para avaliar o
grau de rejeição que ainda pesa sobre seu nome e o prestígio que
sobrou... Aos poucos foi reaparecendo em festas e restaurantes elegantes
de São Paulo. E deu uma festança no ano passado, no casamento de sua
filha Nathalie, ao preço de meio milhão de dólares pago por um magnata
amigo.
Nessa festa, pareceu mesmo que
Nahas havia conseguido enterrar o passado. Nos jardins de seu casarão da
Rua Guadalupe, endereço de ricos, beberam champanhe noite adentro
personalidades como Alfredo Rizkallah, presidente da Bolsa de Valores de
São Paulo, Manoel Cintra, atual presidente da Bolsa Mercantil e de
Futuros, o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, o seu sucessor,
Celso Pitta, e uma penca de figuras conhecidas.
Nahas
circulou deliciado entre os convidados, como fazia nos tempos em que o
mundo financeiro estava a seus pés e a imprensa lhe dava o título
pomposo de ‘mega-investidor’. Há uma semana, o passado voltou com a
brutalidade de uma divisão Panzer. O juiz Guilherme Calmon Nogueira da
Gama, da 25ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, condenou Naji
Nahas a 24 anos e oito meses de prisão, além de multa de 730.000 reais,
pela quebra das bolsas em 1989.
Na mesma
sentença, considerando os ‘péssimos’ antecedentes de Nahas, o juiz
ordenou a prisão preventiva do investidor... A Interpol foi convocada
para rastrear seus passos no exterior, para onde acabara de viajar, e os
aeroportos internacionais do país entraram em alerta. Repetiu-se,
portanto, a cena ocorrida em 1989, quando policiais caçaram Nahas
durante 100 dias. Naquele ano, Nahas escapou das mãos da polícia e, com
uma bolsa de roupas, vagou por apartamentos de amigos. Para disfarçar,
deixou a barba crescer... No fim, sem conseguir manter-se escondido por
mais tempo, Nahas acabou sob regime de prisão domiciliar até a medida
ser revogada na Justiça.
Na semana passada, a
história se repetiu com uma diferença. Na data da sentença, Nahas estava
longe do juiz e da polícia. Em 3 de outubro, viajou a Paris
acompanhando um grupo de investidores estrangeiros. De Paris partiu para
o Egito, onde assistiu a uma exibição da ópera Aída, entre ruínas, e
tomou um barco para um passeio de três dias pelo Nilo. Na última
quinta-feira, voou para o Líbano, terra de sua família, para um período
de descanso nas montanhas. Nesse dia, foi brindado com uma liminar
assinada pelo desembargador Ney Valadares, do Tribunal Federal de
Recursos do Rio de Janeiro, suspendendo temporariamente o mandado de
prisão, até que se julgue um pedido de habeas-corpus.
O
personagem principal do maior solavanco já sofrido pelas bolsas
brasileiras é um homem que mede 1,90 metro, fala sete línguas, veste
roupas compradas na Europa, mastiga um enorme charuto e é fanático por
gamão, o jogo da elite libanesa. Ele colecionava todos os totens da
riqueza, como cavalos, lanchas, pinturas impressionistas, apartamento em
Paris e o indefectível helicóptero.
A mais
valiosa coleção é a de amigos. Nahas se gaba de seu relacionamento
estreito com o sultão de Brunei, os duques de Beaufort e os príncipes de
Kent - fora a nobreza árabe dos petrodólares. Nahas, estufado como um
pavão, gosta muito de falar das suas proezas. A essas histórias do mundo
do dinheiro ainda conseguiu reunir a purpurina de contatos em setor
mais glamouroso. Nos anos 80, Nahas aparecia nas colunas sociais
brasileiras posando para fotos ao lado de personalidades internacionais
do cinema ou da música de passagem por São Paulo. A sua trajetória pela
órbita dos negócios é uma história estranha e tão fascinante como o
próprio Nahas.
Sua família tinha uma empresa
têxtil no Egito, confiscada na década de 50 pelo presidente Gamal Abdel
Nasser. Os Nahas fugiram para o Líbano, onde montaram uma marmoraria e
uma loja de pedras preciosas. Naji casou-se em 1967 com a brasileira
Sula Aun, cuja família era dona da Papéis Simão. Veio para o Brasil em
novembro de 1969 trazendo um presente da mãe: 50 milhões de dólares
internados no país com autorização do Banco Central.
Acabou
constituindo um grupo de 27 empresas, administradas pela holding
Selecta. Em 1979, começou seu jogo na Bolsa do Rio de Janeiro, a única a
operar os mercados futuros, que é o ambiente preferido do especulador.
Ele se tornou um mito muito cedo, com manobras que os investidores
brasileiros ainda não conheciam. Numa de suas jogadas, apostou contra
todo o mercado num negócio com ações da Petrobrás. Venceu, ganhou uma
fortuna e deixou os operadores de queixo caído.
Nahas,
hoje, a julgar pelas formalidades cartoriais, é um sujeito quebrado com
casaca de rico. A mansão onde mora, com piscina, quadra de tênis e até
elevador, está hipotecada. A Selecta e suas empresas se transformaram em
massa falida. Seus haras estão abandonados, além de hipotecados. Um
grande terreno na Avenida Faria Lima, em São Paulo, no qual pretendia
construir um shopping, também está hipotecado. Além de hipotecados, seus
bens estão indisponíveis.
Em se tratando de
Nahas, tudo isso é relativo. O ex-megainvestidor dá festas alavancadas
com o dinheiro de amigos. O Rolls-Royce usado no casamento da filha foi
emprestado por um deles, o senador Gilberto Miranda, que comprou o
automóvel dos Mayrink Veiga, ex-milionários do Rio de Janeiro. Nahas
trabalha em um escritório emprestado por amigos, e – detalhe importante –
as hipotecas que têm sido executadas pelos credores são compradas por
amigos para evitar que Nahas tenha de espremer o próprio fígado na
entrega dos bens que foram seus. Desde o tombo da bolsa, Nahas já fez
cerca de cinqüenta viagens para fora do país, quase sempre de primeira
classe. Sua renda, segundo ele, vem de negócios que faz atualmente no
exterior. "Quando não estou me defendendo dessas acusações que fazem
contra mim, trabalho. Administro um fundo de investimento nos Estados
Unidos e dou consultoria a investidores", diz ele.
O
engraçado é que essa pendura é anterior à crise de 1989. Nahas, na
verdade, já havia hipotecado tudo para tomar dinheiro destinado às
operações na bolsa. Percebe-se aí um fator comum aos especuladores
fanáticos. Eles têm a mesma compulsão dos viciados em pôquer, que
apostam até o almoço dos filhos. "Ele sempre foi uma promissória
ambulante", declara um banqueiro paulista que lhe emprestou dinheiro e
não recebeu de volta. Há, no mercado financeiro, um boato antigo e
insistente de que o felino Nahas continua a jogar por meio dos seus
laranjas. De vez em quando, ao se detectar alguma manobra menos
ortodoxa, os operadores pensam no libanês com seu charutão. "Deve ser o
turco", comentam.