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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
sábado, março 10, 2012
Por que a Classe Média é tão burra?
Andre LuxVira e mexe essas perguntas vêm à tona em discussões entre amigos: qual o problema com o pessoal da classe média, por que são tão burros e insistem em apoiar políticos que só querem tomar o poder para beneficiar meia dúzia de amigos bem nascidos e seus familiares inescrupulosos?
Um parêntese: esse tipo de político, que disfarça cinicamente suas verdadeiras intenções mesquinhas com um discurso moralista e conservador, está melhor representado hoje no Brasil em partidos como o PSDB e o DEMo (ex-PFL). Mas isso pode mudar a qualquer hora...
Para mim, a resposta é óbvia: a turma da Classe Média não tem "consciência de classe". Não precisa ler as obras do Marx para enteder o que isso quer dizer. É fácil. Converse com uma pessoa pobre, à beira da miséria. Ela sabe que é pobre, não tem ilusões sobre a sua condição social. Pode ser que não faça nada para mudar isso e passe seu tempo dentro de uma igreja, onde é invariavalmente ensinada a se conformar com sua situação com frases do tipo "a pobreza é sua cruz e vai te garantir um lugar nos céus", ou vendo novelas da Globo. Porém, essa pessoa tem consciência de classe.
A mesma coisa vale para os podres de rico. E aqui estou falando dos Antônio Ermírios, dos Daniel Dantas da vida, sujeitos que tem mansões (no Brasil e no exterior), fazendas, iates, helicópteros, aviões carros importados, ilhas, etc, etc - ou seja, um tipo de gente que pobres mortais como eu e você só vemos no cinema ou na capa da revista Exame. Esses caras têm cosciência de classe, podem ter certeza! É só ver como adoram ver os outros (pobres e remediados) seguindo as Leis e os códigos morais que seus lacaios inventam e disseminam para controlá-los, ao mesmo tempo que infringem todos eles...
E é no meio disso que se encontra a tal Classe Média, que no Brasil se subdivide em três tipos:
1) Classe Média Alta - sabe aqueles tipinhos que trabalham como escravos num alto cargo de multinacional para manter uma casa de dois andares num condomínio fechado, três carros de luxo na garagem, um apê no Guaruja, paga alta mesada para aos filhos e centenas de plásticas à esposa perua(para não encherem o saco) - e ainda assim se acha membro da "raça superior" só porque, um dia na festa de fim de ano, o dono da empresa deu um tapinha nas costas dele? Pois é, o próprio...
2) Classe Média Média - tem um nível de vida razoável, algum conforto, um apêzinho de três quartos na periferia, carrinho popular zero (com prestações a perder de vista), educa os filhos em colégios elitizados e vive no limite do cheque especial para manter isso. É o tipo que trabalha hoje para pagar as contas amanhã. Esse tipo eu conheço bem, pois fui criado como um deles pelo menos até os meus 18 anos (saiba como consegui obter, às duras penas, minha "consciência de classe" lendo meus relatos "Eu Também Já Fui Papagaio da Direita" e "Como Comecei a Ver e Sentir a Matrix")
3) Classe Média Baixa - resumidamente, são aqueles que trabalham hoje para pagar as contas de ontem, mas mesmo assim ainda são capazes de morar numa casinha bonitinha, ter um carrrinho mais ou menos novo e dar um mínimo de conforto e educação aos filhos (de preferência em escolas estaduais gratuitas).
Então, entre os pobres que mal conseguem se manter vivos e os podres de ricos que acham divertido pagar R$ 7.000 num sapato na Daslu, estão os pobres coitados da Classe Média. Espremidos entre a miséria total e a riqueza absoluta, vivem sonhando que um dia vão "chegar lá" no topo da pirâmide e virar um "chapa" do Antônio Ermírio. E para isso, deliram, basta trabalharem bastante, serem bonzinhos, não questionarem as regras e, acima de tudo, defenderem os interesses daqueles chiques e famosos - afinal de contas, são seus próprios interesses já que um dia eles mesmo poderão também estar lá em cima comprando suas ilhas particulares, não é mesmo?
Essa foi, na minha opinião singela, a grande "sacada" dos podres de ricos: convencer os boçais da Classe Média, por meio de seus aparatos midiáticos (cinema, televisão, jornais, revistas, etc) de que eles estão mesmo bem mais próximos do topo da pirâmide do que da base e que para chegar lá em cima não é difícil, basta ter esforço e dedicação... É aquela velha piada do cara sentando em cima do trabalhador com uma cenoura na ponta de uma vara de pescar - o de baixo vai sair correndo para tentar pegar a cenoura, enquanto carrega o outro nas costas sem nunca coseguir alcançar seu "prêmio".
Se a turma da Classe Média tivésse a mínima consciência de classe, estaria sempre ao lado dos pobres e miseráveis lutando por melhor distribuição de renda, respeito aos direitos humanos e por Justiça social. E não faria isso por altruísmo ou caridade, mas sim por necessidade, para garantir sua própria sobrevivência e um futuro melhor para seus filhos.
O motivo para isso é óbvio, não? Quanto menos pobreza e injustiças existirem no mundo e quanto menor for o abismo que separa as classes sociais, menos chance de perder tudo e viver na miséria as pessoas vão ter. Assim, ao invés de ficarem agarrados desesperadamente ao pouco que tem - e por isso serem presa fácil do discurso cínico dos "conservadores" - a Classe Média vai poder viver em paz, sem medo do amanhã e sem ódio dos que ousam ter consciência de classe e lutam por um mundo melhor para todos.
SP virou cenário para Mad Max
No fim, não foi muito diferente do que aconteceu na Cracolândia, no
começo do ano. Para resolver um problema, a autoridade anuncia uma ação
com estardalhaço sem medir as consequências nem saber quem são, ou o que
querem, as partes envolvidas. Resultado: a cidade aplaude a cacetada
sobre os supostos delinquentes, mas o “tumor”, palavra de um policial,
em vez de combatido, é espalhado.
O mesmo com o Pinheirinho – tragédia, neste caso, patrocinada pelo
governo do estado: a polícia tira as famílias “invasoras” no tapa, passa
o trator em cima de suas casas “ilegais” e pronto. Dane-se quem não tem
outra alternativa se não se instalar de mala sem cuia (porque não houve
tempo de retirar demais pertences) em igrejas, escolas, barracões da
cidade. O problema é delas, e o estado só cumpre a lei.
Da mesma forma, a restrição da circulação de caminhões pelas veias
arteriais de São Paulo foi anunciada sem que se pensasse em alternativas
para os entregadores.
Faz muito tempo que os agora chamados “ecochatos” e urbanistas avisam: a
cidade vai parar. A cada ano são anunciados com trombetas os números
recordes sobre emplacamento de carros. A renda dos consumidores sobe e,
em vez de irem para Meca, a classe média vai às concessionárias – e de
lá para os mesmos lugares, os mesmos parques, os mesmos shoppings, as
mesmas padarias, os mesmos cinemas. Até para correr no Ibirapuera (a pé)
andam quilômetros (de carro) só para estacionar.
Na metrópole, há anos ciclistas pedem espaço e usuários de transporte
público clamam por serviços decentes, vias alternativas, faixas
exclusivas. Mas, em ano eleitoral, é sempre mais fácil jogar de vez a
água suja com o bebê junto.
Foi o que aconteceu no protesto dos caminhoneiros. Prejudicada pela
canetada, que deixou como opção trabalhar à noite (sob o risco de
assalto) ou ampliar o trajeto (de novo, por falta de alternativas), a
categoria simplesmente decidiu parar. Em três dias, a maior metrópole do
País entrou em parafuso. “Não nos querem na cidade, vamos embora dela”.
Foi com restrição que os caminhoneiros responderam às restrições. E
restrições não somente de circulação, mas de diálogo. Assim, lançaram
aos esfomeados paulistanos só dois milhões de litros de combustíveis em
dois dias (a média diária é de 20 a 30 milhões), dos quais apenas 10%
chegou aos postos.
O racionamento nas praças do consumidor final transformou São Paulo numa
cidade cenográfica perfeita para a série de filmes Mad Max, a sequência
futurista de George Miller em que a falta de combustíveis levava os
homens a se matar como bichos primatas.
Pois
na quarta-feira 7 veio a notícia, por meio dos portais, de que um homem
foi assassinado a tiros enquanto abastecia. A primeira suspeita – a
essa altura praticamente descartada porque o criminoso fugiu a pé – foi
que o sujeito havia furado a fila para abastecer.
Ainda que delirante, a desconfiança já acusava a paranoia: a realidade
da cidade (que já tem ares de fim de mundo com suas áreas verdes
escassas, rios poluídos, gente de cara amarrada no trânsito passando por
cima de pedestres e ciclistas como papel) estava a cara da ficção.
Gerentes de postos de gasolina colocavam o preço do produto na
estratosfera e iam para a cadeia por prática abusiva; caminhões-tanque
eram escoltados pela polícia como se levassem água para o que restava de
uma humanidade sedenta; os usuários entraram em parafuso e eram capazes
de vender a mãe por uma jarra de petróleo bruto, o mesmo material que
há quase um século jorra com sangue e bombas no Oriente Médio, seu maior
polo produtor.
A cretinice era tamanha que parecia difícil acreditar nos relatos à la
classe média sofre publicados nos jornais. Um motorista chegou a contar
que circulou por 20 postos em vários bairros e não encontrou nada.
Circulou como? De carro. Como este, os relatos se multiplicavam.
Outro motorista amarrado pela crise preferiu levar os filhos para a
escola de táxi – que, até o fechamento deste texto, ainda usava
combustível ou derivado para circular. A queixa maior, no entanto, é
que, acostumado a acordar às 8h, teve de saltar da cama uma hora a menos
nos últimos dias…
Caso
por caso, a crise deixou exposta novamente a maneira irracional como
viramos escravos dos automóveis. Em vez de mobilização por demandas
coletivas, ainda restritas aos ciclistas mais engajados, vemos um modelo
ainda intacto de urbanização, em que poucos corredores de tráfego, como
as marginais, a Faria Lima e o Minhocão, concentram boa parte do
movimento sem vida ao redor, sem moradias nem parques ou áreas de
convivência.
Pelo contrário, a cidade cospe seus habitantes para lugares cada vez
mais distantes, e deixa como rastro apenas terreno fértil para a festa
da especulação, da qual só participam sedes das empresas capazes de
pagar aluguéis astronômicos para operar nessas vias.
É inútil lembrar que as principais beneficiadas deste modelo, as grandes
construtoras, são as principais financiadores de campanha das
autoridades que, numa canetada, decidem quando e onde trabalhadores
podem circular justamente para abastecer os outros milhões de
trabalhadores.
No fim das contas, nós, os petrodependentes, podemos praguejar o quanto
quisermos contra os sindicalistas que hoje tumultuam nossa ordem. Isso
só nos fará dormir tranquilos, e iludidos, de que antes da paralisação
havia alguma ordem.
O que os motoristas de caminhão fizeram foi dar exemplo de como se
manifesta repúdio contra canetadas mal planejadas – e isso num tempo em
que estender faixas na Paulista em dia de feriado virou sinônimo de
desobediência civil. Se meia dúzia de gatos pingados, mais úteis à
cidade do que muito autor de normas esdrúxulas, fizesse o mesmo até
conseguir direitos básicos (como o de ir e vir sem riscos de ser
esmagado), São Paulo e o País seriam lugares mais interessantes, e menos
claustrofóbicos, para se viver.
Matheus Pichonelli-CartaCapital
*oterrordonordeste
LUIZA ERUNDINA: "ACHO QUE A MULHER TEM MAIS SENSIBILIDADE PARA MUDAR A FORMA DE EXERCER O PODER"
DO BLOG JORNAL FOLHA DO SÃO FRANCISCO
Chegar
à prefeitura da maior cidade do país representou um fato histórico para
o Brasil e, para Luiza Erundina, uma ousadia a mais uma em sua vida.
“Naquela ocasião ajudou, embora tenha trazido muito preconceito. Mulher,
nordestina, de esquerda, do PT, ousar ser prefeita derrotando os
caciques da política paulistana. Eu costumo dizer: só faltava ser negra
pra ter completado o quadro”, comenta a hoje deputada federal pelo PSB.
“Aí
era melhor, porque eu tinha mais uma razão porque lutar”, destacou a
deputada ao se referir ao único preconceito que não sentiu na vida, o
racial. “Porque a luta é ideológica, ela é cultural. Mais que uma luta
do poder pelo poder. É uma luta por valores, por concepções. Não foi
fácil naquela ocasião, mas valeu a pena. Eu faria tudo de novo”,
destacou.
Erundina
assumiu a prefeitura de São Paulo em 1988. Ela considera que conseguiu
imprimir uma marca de sensibilidade em sua administração. “Acho que a
mulher tem mais sensibilidade para mudar a forma de exercer o poder, e
essa é a nossa tarefa. Não é só disputar e conquistar poder. É
transformar a forma de exercer o poder, senão reproduz o modelo
machista, patriarcal, autoritário, centralizador. E o que é que muda?
Nada.”
Hoje,
na Câmara dos Deputados, exercendo seu quarto mandato, Erundina é
autora do projeto que tem por objetivo garantir metade das cadeiras de
direção da Câmara e do Senado para mulheres. Ela é uma das parlamentares
mais combativas da sub-representação das mulheres no Parlamento
brasileiro.“A nossa representação no Congresso Brasileiro é uma
vergonha.”
*Históriavermelha
Mercados festejam o funeral da Grécia
Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:
Mercados e bolsas festejam o acordo fechado nesta 5ª feira entre a Grécia e os bancos credores, que concederam ao país um desconto médio de 50%, em troca de garantias e reformas que asseguram o pagamento do passivo restante.
Há razões para a banca comemorar: a adesão dos bancos ao desconto de 50% representa, no fundo, o oposto do que transparece e se alardeia. Trata-se de uma gigantesca transfusão, talvez a mais radical desde o Tratado de Versalhes, do sangue de um povo a credores pantagruélicos e interesses assemelhados. Uma derrota superlativa da democracia grega, que marcará a história do país por décadas; e provavelmente destruirá seu sistema representativo, marcado por traição nacional maiúscula.
As eleições parlamentares de abril agora podem funcionar como a espoleta dessa bancarrota. O processo consumado nesta 5ª feira compromete a vida da atual geração, a dos seus filhos e a dos netos que um dia eles terão. Em troca de um desconto sobre uma dívida impagável -- contraída num intercurso entre governos irresponsáveis e banqueiros cúmplices-- o Estado grego assinou uma espécie de testamento à favor dos mercados. Em seguida, consumou o suicídio político da democracia. A partir de agora, e por prazo indeterminado, a Grécia rende-se ao papel de protetorado das finanças internacionais. Um protetorado a ser alardeado como paradigma de bom comportamento.
Um diretório nomeado pelos mercados terá poderes legais para monitorar a tosquia do país, com direito a vetar orçamentos e redirecionar recursos prioritariamente ao pagamento de banqueiros. O que a coalizão socialdemocrata e conservadora fez foi municiar-se de um álibi internacional para sancionar um arrocho salarial indecente -o salário mínimo foi ineditamente reduzido; como ele, as pensões;demissões maciças da ordem de 150 mil funcionários públicos estão em marcha (15 mil já foram efetuadas este ano); privatizações e cortes na saúde e educação desencadearam surtos de suicídios e fome nas escolas. A entrega de crianças pobres a orfanatos é a tragédia mais recente protagonizada por famílias desesperadas.
Compare-se com o que fez a Argentina de Kirchner há nove anos para se ter a medida da regressividade acatada por Atenas. Em 2003, a Argentina era uma espécie de Grécia da América do Sul. Desacreditada aos olhos de seu próprio povo, balançava como um 'joão bobo' nas mãos do capital especulativo interno e externo. Nestor Kirchner herdou do extremismo neoliberal uma taxa de pobreza de 60% sobre uma população de 37 milhões de argentinos.
A dívida de US$ 145 bilhões, impagável, corroía seu sistema financeiro. Os credores sobrevoavam a nação argentina à espera do melhor momento para arrancar os seus olhos e o que lhe restasse ainda da carne, como fizeram nesta 5ª feira com a Grécia. O cerco internacional era avassalador. A diferença é que Nestor Kirchner não se dobrou: impôs um desconto unilateral e incondicional de 75% da dívida aos credores --ganhou margem de soberania, portanto, ao contráreio da rendição grega espetada em sacrifícios brutais. Com independência, a Argentina desvalorizou o câmbio, congelou tarifas, destinou a receita crescente a programas sociais e de fomento; não ao pagamento à banca, como reza a rendição grega.
A taxa de pobreza recuou a 10% da população. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. Cristina foi reeleita em 2011 com apoio esmagador. Os desdobramentos virtuosos desse braço de ferro são espertamente omitidos pela crítica conservadora que tenta desmerecer os ganhos econômicos e sociais da soberania argentina, ao mesmo tempo em que edulcora o escalpo da sociedade grega. E o faz por uma razão compreensível: eles realçam as dimensões catastróficas dos desastres em marcha na Grécia, Espanha, Portugal e outros, submetidos à dose dupla de um purgante ortodoxo inútil, que o êxito da nação latinoamericana derrotou e desmoralizou.
Mercados e bolsas festejam o acordo fechado nesta 5ª feira entre a Grécia e os bancos credores, que concederam ao país um desconto médio de 50%, em troca de garantias e reformas que asseguram o pagamento do passivo restante.
Há razões para a banca comemorar: a adesão dos bancos ao desconto de 50% representa, no fundo, o oposto do que transparece e se alardeia. Trata-se de uma gigantesca transfusão, talvez a mais radical desde o Tratado de Versalhes, do sangue de um povo a credores pantagruélicos e interesses assemelhados. Uma derrota superlativa da democracia grega, que marcará a história do país por décadas; e provavelmente destruirá seu sistema representativo, marcado por traição nacional maiúscula.
As eleições parlamentares de abril agora podem funcionar como a espoleta dessa bancarrota. O processo consumado nesta 5ª feira compromete a vida da atual geração, a dos seus filhos e a dos netos que um dia eles terão. Em troca de um desconto sobre uma dívida impagável -- contraída num intercurso entre governos irresponsáveis e banqueiros cúmplices-- o Estado grego assinou uma espécie de testamento à favor dos mercados. Em seguida, consumou o suicídio político da democracia. A partir de agora, e por prazo indeterminado, a Grécia rende-se ao papel de protetorado das finanças internacionais. Um protetorado a ser alardeado como paradigma de bom comportamento.
Um diretório nomeado pelos mercados terá poderes legais para monitorar a tosquia do país, com direito a vetar orçamentos e redirecionar recursos prioritariamente ao pagamento de banqueiros. O que a coalizão socialdemocrata e conservadora fez foi municiar-se de um álibi internacional para sancionar um arrocho salarial indecente -o salário mínimo foi ineditamente reduzido; como ele, as pensões;demissões maciças da ordem de 150 mil funcionários públicos estão em marcha (15 mil já foram efetuadas este ano); privatizações e cortes na saúde e educação desencadearam surtos de suicídios e fome nas escolas. A entrega de crianças pobres a orfanatos é a tragédia mais recente protagonizada por famílias desesperadas.
Compare-se com o que fez a Argentina de Kirchner há nove anos para se ter a medida da regressividade acatada por Atenas. Em 2003, a Argentina era uma espécie de Grécia da América do Sul. Desacreditada aos olhos de seu próprio povo, balançava como um 'joão bobo' nas mãos do capital especulativo interno e externo. Nestor Kirchner herdou do extremismo neoliberal uma taxa de pobreza de 60% sobre uma população de 37 milhões de argentinos.
A dívida de US$ 145 bilhões, impagável, corroía seu sistema financeiro. Os credores sobrevoavam a nação argentina à espera do melhor momento para arrancar os seus olhos e o que lhe restasse ainda da carne, como fizeram nesta 5ª feira com a Grécia. O cerco internacional era avassalador. A diferença é que Nestor Kirchner não se dobrou: impôs um desconto unilateral e incondicional de 75% da dívida aos credores --ganhou margem de soberania, portanto, ao contráreio da rendição grega espetada em sacrifícios brutais. Com independência, a Argentina desvalorizou o câmbio, congelou tarifas, destinou a receita crescente a programas sociais e de fomento; não ao pagamento à banca, como reza a rendição grega.
A taxa de pobreza recuou a 10% da população. A economia argentina foi a que mais cresceu no hemisfério ocidental na última década. Cristina foi reeleita em 2011 com apoio esmagador. Os desdobramentos virtuosos desse braço de ferro são espertamente omitidos pela crítica conservadora que tenta desmerecer os ganhos econômicos e sociais da soberania argentina, ao mesmo tempo em que edulcora o escalpo da sociedade grega. E o faz por uma razão compreensível: eles realçam as dimensões catastróficas dos desastres em marcha na Grécia, Espanha, Portugal e outros, submetidos à dose dupla de um purgante ortodoxo inútil, que o êxito da nação latinoamericana derrotou e desmoralizou.
Os covardes e seu medo do passado e da verdade
Luiz Eduardo Rocha Paiva (foto) é um dos que negam o passado. E, não satisfeito,
vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes.
Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente
Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura
ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência
armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado,
por falta de conhecimento.
Eric Nepomuceno, via Carta
Maior
Em dezembro, o Uruguai, em respeito a acordos internacionais assinados pelo
País reconhecendo que crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes do Estado
são imprescritíveis, abriu brechas em sua esdrúxula lei de anistia para investigar
sequestros, assassinatos e torturas cometidos durante a última ditadura militar
e punir os responsáveis. Na ocasião, o general Pedro Aguerre, comandante do Exército
uruguaio, disparou uma frase contundente: “Quem nega o passado comete um ato de
covardia.” [ver vídeo abaixo]
Lembrei da frase ao ver a formidável demonstração de covardia que está embutida
na insolência do manifesto assinado por oficiais da reserva e, muito especialmente,
pela impertinente mostra de cinismo oferecida por um general também da reserva,
chamado Luiz Eduardo Rocha Paiva.
Antes de abandonar a caserna, esse cidadão passou 38 de seus 62 anos de
vida como oficial da ativa. Espetou no peito as condecorações de praxe, ocupou postos
de destaque (entre janeiro e julho de 2007, por exemplo, na segunda presidência
de Lula da Silva, foi secretário-geral do Exército), fez um sem-fim de cursos altamente
especializados. Ou seja: tem trajetória e transcendência dentro do Exército.
Luiz Eduardo Rocha Paiva é um dos que negam o passado. E, não satisfeito,
vai além: trata de negar a verdade, que não costuma merecer o respeito dos covardes.
Nega que Vladimir Herzog tenha sido trucidado na tortura. Diz duvidar que a presidente
Dilma Rousseff tenha sido torturada. Nega que este país viveu debaixo de uma ditadura
ao longo de longos 21 anos. E diz tamanhos disparates ao mencionar ações da resistência
armada à ditadura que fica difícil concluir se mente de verdade ou apenas está enganado,
por falta de conhecimento.
Não acontece por acaso essa insubordinação de militares da reserva (um dos
arautos do movimento se vangloria de ter contado 77 oficiais generais entre os que
assinaram a nota criticando duramente a presidente e desautorizando o ministro da
Defesa, embaixador Celso Amorim). Além dos generais e brigadeiros (nenhum almirante),
o manifesto reúne um significativo número de assinaturas de oficiais superiores
(338 até a segunda-feira 5 de março) e outras muitas dezenas de subalternos. Pelo
andar da carruagem, mais assinaturas se somarão. Com isso, torna-se cada vez mais
difícil, em termos práticos, aplicar a correspondente punição, como pretende a presidente
Dilma Rousseff. Mas há aspectos que chamam a atenção.
Chama a atenção, por exemplo, a inércia dos comandantes da ativa diante
desse ato de nítida insubordinação. Afinal, onde está o tão incensado senso de disciplina
que norteia os fardados? Desde quando passou a ser permitido a militares da reserva
repreender rudemente a comandante suprema das Forças Armadas, prerrogativa Constitucional
de Dilma Rousseff, ou negar autoridade ao ministro da Defesa?
Chama a atenção a não-coincidência de tudo isso acontecer às claras, rompendo
as fronteiras dos comunicados, notas e manifestos que costumam coalhar a internet
nas páginas mantidas pelas viúvas da ditadura, sempre em circuito fechado: agora,
procuraram chegar à opinião pública mais ampla, e conseguiram.
Chamam a atenção a desfaçatez da afronta e a insolência da insubordinação,
como se seus praticantes estivessem ancorados na certeza cabal da impunidade.
Chama a atenção, além do mais, o nítido e furioso temor da caserna diante
da instalação da Comissão da Verdade que investigará os crimes praticados pelo terrorismo
de Estado. É como um aviso: não cheguem perto que reagiremos, ao amparo da impunidade
que consideramos direito adquirido.
Chama a atenção, enfim, que tudo isso ocorra quando um promotor da Justiça
Militar, Otávio Bravo, tenha decidido abrir investigação sobre o sequestro e desaparecimento
de quatro civis por integrantes das Forças Armadas durante a ditadura. Há, é verdade,
muitos outros casos, mas para começar foram escolhidos quatro especialmente emblemáticos:
Rubens Paiva, Stuart Angel Jones, Mario Alves e Carlos Alberto Soares de Freitas.
Há provas e indícios de que eles desapareceram depois de terem estado em instalações
militares. Não há dúvida de que foram assassinados, mas tampouco há provas: seus
restos jamais apareceram.
O promotor segue o exemplo de tribunais chilenos, que driblaram a lei local
de anistia com um argumento cristalino: se o desaparecido não aparece, o sequestro
permanece, ou seja, trata-se de um crime contínuo, que não pode ser prescrito ou
anistiado. Caso apareçam os cadáveres estará configurado o crime de ocultação, que
tampouco terá prescrito ou sido anistiado.
*Limpinhoecheiroso
A resposta da Comissão da Verdade
Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Militares reformados causaram alvoroço na semana que passou ao lançar manifesto em que afrontam a presidenta Dilma Rousseff.
Ressentidos e receosos, reagem a declarações de ministras pelo estabelecimento da Comissão da Verdade e o esclarecimento dos abusos e violências dos anos de ditadura.
Mais do que a indignação dos democratas ou as punições das chefias, o que a farda aposentada merece, neste episódio, é, sobretudo, o desprezo.
É verdade que a saudade do tempo em que tinham voz de comando ainda vitamina muitos discursos de vivandeiras dos quartéis. Mas hoje, militares são apenas servidores, não autoridades.
A política não depende mais de suas ordens do dia e a nostalgia da repressão é uma história que se repete como farsa.
A força retórica da reação do governo representa quase nada, todavia. Por que é justamente a tibieza com o trato dos crimes do passado que tem permitido que os reformados aumentem constantemente seu tom de voz.
A demora na instalação da Comissão da Verdade e as diversas concessões na sua formatação estimularam os militares, que permanecem se sentindo intocáveis, como se ainda devêssemos lhes pedir licença para investigar ou punir.
Os demais países do continente, que também suportaram ditaduras, já estão faz tempo acertando contas com o passado. Torturadores e assassinos foram identificados e vários deles processados, presos e condenados.
Com acusação formada, direito de defesa e penas previamente previstas, está se fazendo justiça, não revanchismo. Atribuem-se a réus as garantias que aqueles que lutaram contra a opressão, punidos em excesso nos anos de chumbo, jamais tiveram acesso.
Nesse campo, o Brasil caminha a passos trôpegos, com a omissão e leniência dos últimos governos, ainda constrangidos com a "questão militar", e a complacência da Justiça.
A função de uma Comissão da Verdade é esclarecer fatos que pela covardia dos agentes que os praticaram e diante da força do regime autoritário ficaram por décadas escondidos.
Defender esta ocultação é prestar reverência à censura. É um paradoxo louvar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo opor-se ao conhecimento da verdade.
A punição dos sequestradores e torturadores, que não é função da Comissão da Verdade, ainda é uma questão em aberto.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos não reconhece qualquer ato de autoanistia que impeça o julgamento de crimes contra a humanidade. Trata-se de uma jurisprudência internacional fortemente consolidada, que, aliás, extravasa aos exemplos da América Latina.
No julgamento do caso Araguaia, mesmo ciente da decisão do STF de não rever a lei da anistia, a Corte da OEA expressamente determinou que todos os agentes públicos do país, aí incluídos os membros do Ministério Público, devam afastar os obstáculos para a apuração e julgamento dos delitos.
Torturadores no governo militar escolheram a violência e os porões para tentar extorquir verdades; a democracia vai fazê-lo em público, sem dor nem sofrimento, nos termos da lei.
O país não pode conviver com filhos que até hoje não sabem o destino de seus pais, porque aqueles que os sequestraram viveram de esconder seus atos, e com estes, os corpos de suas vítimas.
A resposta do governo ao espernear de saudosos da ditadura deve ser firme: instalar e fortalecer a Comissão da Verdade.
Militares reformados causaram alvoroço na semana que passou ao lançar manifesto em que afrontam a presidenta Dilma Rousseff.
Ressentidos e receosos, reagem a declarações de ministras pelo estabelecimento da Comissão da Verdade e o esclarecimento dos abusos e violências dos anos de ditadura.
Mais do que a indignação dos democratas ou as punições das chefias, o que a farda aposentada merece, neste episódio, é, sobretudo, o desprezo.
É verdade que a saudade do tempo em que tinham voz de comando ainda vitamina muitos discursos de vivandeiras dos quartéis. Mas hoje, militares são apenas servidores, não autoridades.
A política não depende mais de suas ordens do dia e a nostalgia da repressão é uma história que se repete como farsa.
A força retórica da reação do governo representa quase nada, todavia. Por que é justamente a tibieza com o trato dos crimes do passado que tem permitido que os reformados aumentem constantemente seu tom de voz.
A demora na instalação da Comissão da Verdade e as diversas concessões na sua formatação estimularam os militares, que permanecem se sentindo intocáveis, como se ainda devêssemos lhes pedir licença para investigar ou punir.
Os demais países do continente, que também suportaram ditaduras, já estão faz tempo acertando contas com o passado. Torturadores e assassinos foram identificados e vários deles processados, presos e condenados.
Com acusação formada, direito de defesa e penas previamente previstas, está se fazendo justiça, não revanchismo. Atribuem-se a réus as garantias que aqueles que lutaram contra a opressão, punidos em excesso nos anos de chumbo, jamais tiveram acesso.
Nesse campo, o Brasil caminha a passos trôpegos, com a omissão e leniência dos últimos governos, ainda constrangidos com a "questão militar", e a complacência da Justiça.
A função de uma Comissão da Verdade é esclarecer fatos que pela covardia dos agentes que os praticaram e diante da força do regime autoritário ficaram por décadas escondidos.
Defender esta ocultação é prestar reverência à censura. É um paradoxo louvar a liberdade de expressão e ao mesmo tempo opor-se ao conhecimento da verdade.
A punição dos sequestradores e torturadores, que não é função da Comissão da Verdade, ainda é uma questão em aberto.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos não reconhece qualquer ato de autoanistia que impeça o julgamento de crimes contra a humanidade. Trata-se de uma jurisprudência internacional fortemente consolidada, que, aliás, extravasa aos exemplos da América Latina.
No julgamento do caso Araguaia, mesmo ciente da decisão do STF de não rever a lei da anistia, a Corte da OEA expressamente determinou que todos os agentes públicos do país, aí incluídos os membros do Ministério Público, devam afastar os obstáculos para a apuração e julgamento dos delitos.
Torturadores no governo militar escolheram a violência e os porões para tentar extorquir verdades; a democracia vai fazê-lo em público, sem dor nem sofrimento, nos termos da lei.
O país não pode conviver com filhos que até hoje não sabem o destino de seus pais, porque aqueles que os sequestraram viveram de esconder seus atos, e com estes, os corpos de suas vítimas.
A resposta do governo ao espernear de saudosos da ditadura deve ser firme: instalar e fortalecer a Comissão da Verdade.
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