Em entrevista exclusiva à Carta Maior,
Fernando Haddad, pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo não
subestima o trabalho que terá para tentar romper a hegemonia do PSDB na
capital paulista. “São Paulo tem um pensamento conservador muito
consolidado (…). Se optar pela renovação, no entanto, irradiará
rapidamente essa tendência para o país. O Brasil poderia mais, não fosse
a âncora conservadora do PSDB de São Paulo. Tem uma bola de ferro no
nosso pé que ainda segura muito o país”.
Maria Inês Nassif
Estreante nas lides eleitorais, o pré-candidato à prefeitura de São
Paulo pelo PT, Fernando Haddad, entra na disputa com as vantagens e
desvantagens de ser um nome novo. A vantagem óbvia é não apenas o apoio,
mas o comprometimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com
sua candidatura – Lula articulou intensamente para que o PT paulistano o
assumisse como candidato e será fundamental no processo eleitoral.
Isso, o ex-ministro reconhece, é o mais importante. “Lula é (…) uma
personalidade que tem a força e a frequência de um cometa, aparece a
cada 70 anos”.
Haddad tem também o apoio da presidenta Dilma Rousseff, e muito menos a
perder do que o possível candidato do PSDB à prefeitura, José Serra. “A
perda dessa eleição, no caso do nosso adversário, seria uma derrota
dura”, afirmou Haddad, em entrevista exclusiva à Carta Maior.
As desvantagens de sua candidatura são óbvias: um nome desconhecido,
para ser apresentado ao eleitorado da maior metrópole da América Latina,
precisa contar com os meios de comunicação de massa – e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) subtraiu essa oportunidade do PT, ao punir o
partido com a proibição de veicular o horário de propaganda partidária. O
PT foi condenado por usar o programa partidário para propaganda
eleitoral no ano passado. Os demais partidos terão horário no primeiro
semestre; Haddad ficará de fora até o início oficial do horário de
propaganda eleitoral gratuita, que começa apenas em agosto.
A outra dificuldade também é a amarração de apoios à sua candidatura.
Haddad garante que o único interesse do ex-presidente Lula no apoio à
coligação com o PSD foi a filiação de Henrique Meirelles. “Se o
Meirelles tivesse ido para o PMDB, o Lula iria atrás”, afirmou. “A
hipótese de uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava”. Na
avaliação do candidato, mais importante do que o apoio do PSD é manter o
PT unido em torno de sua candidatura e fechar com os tradicionais
aliados petistas – o PSB e o PSDB. A pesquisa eleitoral feita pelo
Datafolha, divulgada no início do mês, que o colocou como lanterninha
das pesquisas, dificultou as coisas. “As pesquisas foram mais
importantes no jogo de barganhas do que propriamente no ânimo das
pessoas envolvidas com a minha candidatura”, afirmou. “Aumentou o
preço?”, pergunta a repórter. “Não é isso”, responde Haddad,
rapidamente. Apenas os partidos postergaram as conversas, deixaram o
acordo para depois, diz ele. “Mas nem sempre os apoios levam à vitória”,
relativiza.
O pré-candidato petista não subestima o trabalho que terá para tentar
romper a hegemonia do PSDB na capital paulista. “São Paulo tem um
pensamento conservador muito consolidado (…) que sempre dá peso muito
forte para qualquer plataforma do establishment”, analisa. Se optar pela
renovação, no entanto, irradiará rapidamente essa tendência para o
país. O Brasil poderia mais, não fosse a âncora conservadora do PSDB de
São Paulo. “Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda segura muito o
país”, concluiu.
Abaixo, a íntegra da entrevista do ex-ministro Fernando Haddad à Carta Maior:
CARTA MAIOR: O PT assimilou sua candidatura?
FERNANDO HADDAD: Acredito que sim. O processo foi muito bem
conduzido e elogiado internamente. É curioso o argumento de que as
prévias no PT não ocorreram por pressão. No PT, sempre teve pressão e
sempre teve prévias. O Lula já perdeu prévias dentro do PT apoiando um
candidato, já ganhou, ele próprio já enfrentou prévias. Isso é da
cultura do partido. Óbvio que todo mundo sabe que isso tem
consequências, mas ninguém abdica de disputar prévias quando entende ser
o caso. A verdade é que, no final do processo, nós contávamos com o
apoio da maioria dos militantes. Colhemos mais de 20 mil assinaturas
para inscrição, quando eram necessária apenas 3 mil. Nós tínhamos o
apoio de 7 dos 11 vereadores. O processo estava muito avançado.
CARTA MAIOR: O maior desconforto foi o namoro com o prefeito Gilberto Kassab?
HADDAD: Não chegou a ser namoro porque sequer houve uma
aproximação formal. O que houve foram duas ou três conversas com
dirigentes do PSD sobre uma remota possibilidade de o partido me apoiar –
o que ocorreria se, e somente se, o [José] Serra [PSDB] não saísse e o
PSDB se recusasse a apoiar o Afif, que era um cenário pouco provável. Eu
sempre disse, desde que o assunto ganhou os jornais, que nós éramos a
terceira prioridade do prefeito, que antes vinham o Serra e o Afif, e
que a nossa prioridade é outra, são os partidos da base aliada do
governo Dilma. Sempre ficou claro que ele [Kassab] iria caminhar para um
lado e nós iríamos caminhar por outro.
CARTA MAIOR: O PT valorizava essa possibilidade, numa estratégia
de romper a hegemonia do PSDB junto à classe média conservadora
paulistana?
HADDAD: O interesse no PSD, ao meu ver, tem muito mais a ver com a
filiação do [Henrique] Meirelles [ex-presidente do Banco Central], que
foi ministro do governo Lula por oito anos. O presidente [ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva] considerou que essa seria uma chapa
interessante, complementar. Desde a vitória de 2002, quando compôs a
chapa com José de Alencar [empresário e então filiado ao PL], isso
sempre contou nas reflexões de Lula sobre a composição de chapa. Ele
entendia que o Meirelles tinha um perfil muito interessante. Se
Meirelles tivesse se filiado ao PMDB, Lula também iria atrás de uma
composição. Nas conversas que tive com o presidente, a hipótese de ter
uma chapa com dois ministros de seu governo o agradava.
CARTA MAIOR: O Lula, então, não forçou a barra para uma aliança com o PSD?
HADDAD: Não, de forma alguma. Ele até recomendou cautela, com medo de que isso não fosse compreendido.
CARTA MAIOR: E o apoio dos pré-candidatos do PT que desistiram da prévia?
HADDAD: Acho que é muito importante o partido estar coeso em
torno da campanha e nós todos em campo – o presidente Lula, Marta e
todos do partido. Mas eu não reduziria a questão a isso. Há um conjunto
de problemas a serem enfrentados. Nós fomos muito prejudicados pela
questão da TV e praticamente não teremos inserção no primeiro semestre.
Todos os outros partidos terão. Isso traz um prejuízo enorme para um
estreante, que nunca disputou uma eleição, nunca teve programa de
televisão. Nós temos que lidar com isso.
CARTA MAIOR: Como?
HADDAD: Nós estamos formulando programa de governo e circulando
os bairros para colher subsídios. São dois dias de estudo fora do
escritório, nos bairros, e três dias de estudo interno, em que eu recebo
técnicos e acadêmicos para colher dados para a elaboração do programa –
que, para a minha surpresa está indo bem demais. Acho que nós vamos
chegar num diagnóstico e numa formulação para apresentar à cidade que
seguramente até maio.
CARTA MAIOR: Você tem um diagnóstico preliminar da cidade?
HADDAD: Acho que os erros cometidos já estão diagnosticados. Por
exemplo, no caso dos transportes, é evidente que não houve uma
aceleração das obras do Metrô, apesar do aumento de investimento. Houve
aumento de custos: o dinheiro adicional só serviu para pagar mais a
mesma coisa, os mesmos dois quilômetros todo ano. Todo o sistema de
transporte foi relegado a segundo plano: o Metrô está muito aquém do que
o de qualquer outra metrópole, houve o abandono do sistema de ônibus e
não se tem a compreensão de que São Paulo precisa de um sistema
multimodal. E falta parceria com o governo federal. A adesão ao PAC
Mobilidade traria muitos recursos para São Paulo, mas se dinheiro não
chegou, foi por falta de interesse local.
CARTA MAIOR: A moradia de baixa renda hoje é um problema?
HADDAD: É um grande problema. São Paulo teve o pior momento nesse
quesito. Nunca se produziu tão poucas moradias populares na cidade de
São Paulo. Qualquer gestão, de direita ou de esquerda, não importa,
produziu mais moradias do que as construídas nos últimos sete anos. Hoje
a estimativa é de que 20 mil famílias estejam recebendo Bolsa Aluguel,
mas sem perspectiva de casa própria, e logo deixarão de receber esses
recursos porque existe um limite a partir do qual, por lei, a cidade não
pode continuar pagando. Não há ofertas de moradias populares em São
Paulo e a remoção de famílias de moradias precárias, em áreas de
manancial e áreas de risco, deveriam ter sido combinadaa com um programa
de construção de moradias, como o Minha Casa, Minha Vida. Isso não
aconteceu.
CARTA MAIOR: Quais são suas vantagens em relação ao Serra?
HADDAD: Serra não fez uma reflexão sequer sobre a cidade quando
disputou a prefeitura de São Paulo. Até porque estava de passagem, ele
não se debruçou sobre as questões urbanas. Aliás, ele não tem reflexão
sobre as questões urbanas. Como candidato que disputou cinco das últimas
seis eleições, acho muito provável que ele tenha pretensões, se eleito,
de disputar 2014. Estará de novo de passagem. E a cidade fica sempre
como um degrau, um apoio para outras pretensões. São Paulo não suporta
mais isso.
CARTA MAIOR: A questão é estar de passagem ou capacidade de pensar a longo prazo?
HADDAD: Na verdade, mesmo quando nós levamos em consideração a
experiência do Serra no Ministério do Planejamento, nota-se que não se
trata de uma pessoa que lida com facilidade com o planejamento. Ele não
soube elaborar um plano plurianual. Isso era tarefa dele e quatro anos
depois nós tivemos uma restrição de energia elétrica que foi a maior da
história do país. Não houve planejamento de longo prazo lá e não haverá
cá. Sem planejamento não se muda nada que é estrutural; muda-se a
conjuntura, mas não a estrutura das coisas. É só comparar o que foi
feito no setor elétrico por ele e pela Dilma [como ministra de Lula].
No caso do Plano de Desenvolvimento da Educação, que está até hoje em
vigor, fizemos planejamento até 2021. Quando assumi o MEC, no segundo
mandato do presidente Lula, lançamos um plano com metas delineadas até
2021 e dificilmente alguém vai revê-lo. Na cidade, não se sabe o que vai
acontecer, não sabe sequer o que está acontecendo hoje [dia 5, segunda,
início da greve de caminhões que terminou dia 8, quinta]. Durante a
gestão de Marta Suplicy, eu trabalhava com [João] Sayad [na secretaria
de Finanças]. Começamos a desenhar o que seria São Paulo dali algumas
décadas: o sistema de transportes, a questão dos resíduos sólidos,
iluminação pública, educação com os CEUS, tudo isso foi pensado
estruturalmente, mas muitas dessas coisas foram abortadas a partir de
2004.
CARTA MAIOR: Como você interpretou a pesquisa Datafolha do início do mês?
HADDAD: Apesar de cientista político e acompanhar até com
interesse as pesquisas, não consigo me sensibilizar com elas tanto tempo
antes da eleição, sobretudo porque é a minha primeira eleição. Nessas
alturas, elas têm muito mais impacto no jogo de barganha (o aliado
pergunta, “o que garante que você vai estar bem daqui a seis meses?”) do
que propriamente no ânimo das pessoas que estão envolvidas na minha
candidatura.
CARTA MAIOR: As pressões aumentaram?
HADDAD: Não há pressão. Apenas as pesquisas postergaram alguns acordos.
CARTA MAIOR: O preço aumentou?
HADDAD: Não, não é isso. Na verdade, as pesquisas interditam as
negociações por mais tempo. É um jogo de adiar, deixar as conversas para
depois. Mas, enfim, o PT já concorreu sozinho, já concorreu coligado,
já concorreu com chapa pura, já concorreu com um amplo espectro de
apoio. E nem sempre o apoio leva à vitória. Em 2002, o presidente Lula
não tinha tantos aliados e ganhou as eleições. Compôs depois com outros
partidos, porque a democracia tem três turnos: o primeiro, o segundo e o
governo. Em algum momento, ou nas eleições ou depois da posse, vai ser
preciso fazer um acordo.
CARTA MAIOR: É uma tarefa possível quebrar a hegemonia do PSDB em São Paulo?
HADDAD: Aqui em São Paulo, essa é uma tarefa difícil em qualquer
hipótese. Há aqui um pensamento conservador muito consolidado,
historicamente saturado, que dá sempre um peso muito forte para qualquer
plataforma do establishment. O candidato do establishment sempre vai
ter muito apoio. É difícil romper o conjunto de forças midiáticas e
econômicas que se une em torno do status quo.
CARTA MAIOR: Qualquer estratégia passaria pela sensibilização de parcela desse eleitorado?
HADDAD: Sim, e se isso acontecer abre-se caminho para a
renovação. A conservação e a inovação sempre estão em jogo no Brasil. O
governo do presidente Lula foi caracterizado pela inovação – teve erros e
acertos, mas sempre inovou, em todas as situações: da política externa à
política educacional, da moradia popular à reforma agrária, da política
de crédito ao acúmulo de reservas cambiais, enfim, sempre fez coisas
diferentes dos seus antecessores. Em São Paulo, o ritmo é sempre o da
conservação. A metáfora dos dois quilômetros de metrô por ano dá a
medida do que estou dizendo: serão necessários 65 anos para chegar ao
que é hoje o metrô do México – mais de seis décadas para que cheguemos
ao caos do México – no ritmo atual do governo do Estado. E não há uma
indignação em relação a isso. As pessoas vão parando, demoram duas a
três horas por dia se deslocando e as coisas vão sendo empurradas, sem
que se discuta alternativas.
CARTA MAIOR: A quebra da hegemonia do PSDB em São Paulo mudaria muito o perfil político do Brasil?
HADDAD: Acho que mudaria. Primeiro, porque a alternância no poder
é sempre boa – e nós não temos tido alternância. No Estado, o governo
está com o PSDB há 20 anos. Isso não oxigena a máquina. Não é possível
se reinventar o tempo todo. Outra coisa é que houve um sopro de
renovação no Brasil que varreu boa parte do Nordeste, pensando em Jaques
Wagner, Marcelo Déda, Eduardo Campos, Cid Gomes, para citar alguns;
chegou ao Rio também: na minha opinião, Sérgio Cabral é uma boa
novidade. É uma geração com ideias novas, com vontade de colocar o
Brasil numa outra rota, de pensar o país grande. Aqui, o peso de uma
renovação seria ainda maior. Se São Paulo irradiasse o novo, isso teria
um efeito muito grande sobre o país. Hoje, São Paulo está estagnado. Se
você pegar qualquer livro ou artigo sobre desenvolvimento nacional, o
Brasil vai ser referência, mas se o livro for sobre metrópoles, São
Paulo não é citado, a não ser pelos problemas que enfrenta.
Na gestão da Marta, as pessoas vinham conhecer o bilhete único, os CEUs,
os corredores de ônibus. Estava começando um processo de
rejuvenescimento da cidade, como Nova York, Santiago e Bogotá viveram,
como Curitiba ao seu tempo, e como cidades na Ásia, sobretudo na Índia e
na China, estão vivendo. Hoje, São Paulo tem pouco a ensinar, porque
foram oito anos de muita calmaria, muito dinheiro arrecadado e pouco
impacto na qualidade de vida da população. Da porta para dentro de casa o
paulistano reconhece que sua vida melhorou, em função do que o governo
Lula propiciou, mas da porta de casa para fora, onde o cara depende do
poder local a vida ficou mais dura.
CARTA MAIOR: Qual a mensagem que você teria para todos os paulistanos? O que sensibilizaria a cidade como um todo? A questão da mobilidade?
HADDAD: A questão da mobilidade sem dúvida, que é onde o poder
público está devendo demais. Há estagnação de investimentos. O ritmo de
obra não vai dar conta. E a tendência, se o Brasil continuar crescendo, é
piorar, porque as pessoas vão cada vez mais migrar para o transporte
individual. Se o transporte público não responder, o cidadão vai dar a
resposta, comprando um carro, uma moto, e resolvendo individualmente um
problema que teria de ser resolvido de forma coordenada. É uma questão
de vaso comunicante: melhorou a renda, comprou um carro. E vai tudo
parando. O que está acontecendo do ponto de vista econômico é isso: as
pessoas estão ganhando mais e saindo do transporte público por falta de
anternativa. Isso vai continuar acontecendo se nada for feito e pouco
está sendo feito na direção correta.
CARTA MAIOR: Este é o centro de seu programa?
HADDAD: Não. Considero que uma visão estratégica é fundamental.
São Paulo não tem uma visão de longo prazo sobre si mesma. Nós temos um
problema gravíssimo de centralização de serviços e oportunidades
econômicas que não foi enfrentado até hoje. A cidade é uma megalópole
com 31 subprefeituras esvaziadas do ponto de vista de poder resolutivo. A
oferta de serviços públicos não é uniforme. Existe um problema de
logística na cidade que não envolve só transporte, mas o investimento
que está sendo feito. Não há uma política de descentralização e isso
agrava o problema.
CARTA MAIOR: Que papel que o Lula vai ter nessa eleição? Você seria uma candidatura viável sem o Lula?
HADDAD: Essa pergunta é difícil de responder quando dirigida ao
PT, imagina dirigida a mim. O Lula é um político único. Desde os meus 15
anos de idade, tudo o que vejo acontecer na política nacional está
relacionado a ele: se vai ter eleição direta ou não, se vai ter
constituinte exclusiva ou não, se vai ter reeleição ou não. A política
toda gira em torno dele desde final dos anos 70 vai continuar girando. É
a liderança em torno da qual orbitam os demais interesses. Falar do
Lula é falar de uma personalidade que tem a força e a frequência de um
cometa, é uma vez a cada 70 anos. Quem me convidou foi ele. Ele me
sondou numa conversa em que eu disse que pretendia deixar o governo
federal e voltar para São Paulo. “Olha, se você precisa renovar, vamos
enfrentar São Paulo.” Lula me perguntou se eu queria – e respondi seria
uma experiência extraordinária. Eu me encantei com a ideia de fazer uma
gestão em São Paulo com a visão de longo prazo que São Paulo não tem,
apesar de sua dimensão.
CARTA MAIOR: Você acha que os dois governos Lula serviram para quebrar aqui em São Paulo essa resistência ao prório Lula?
HADDAD: Nós temos que admitir: depois de oito anos de Lula a
presidenta Dilma perdeu a eleição na cidade, mas ampliou em relação à
eleição de 2008, em que a Marta teve 36%. Antes já havia ocorrido um
refluxo. Nós ganhamos a eleição de 2000 na capital, ganhamos em 2002 e
perdemos em 2004. Fizemos 39,5% em 2008, e em 2010, 46,5%. Se não fossem
alguns episódios, a Dilma teria feito mais de 50%.
CARTA MAIOR: Você acha que existe uma medida preventiva contra uma onda conservadora? O episódio do kit gay foi um ensaio, não foi?
HADDAD: Esse é o típico não assunto: a liberação de uma emenda ao
orçamento e a entrega de um material que foi considerado inadequado e
não foi distribuído. Resume-se a isso o episódio. Escreveu-se mais do
que isso do que o aumento da qualidade da educação no Pisa (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos), ou a expansão da educação
profissional, ou a expansão da educação superior. Está tudo melhorando
na educação, mas se passa meses discutindo um não evento. É incrível a
capacidade da mídia de pautar não problemas, não assuntos, não eventos. A
população não é informada do que é estrutural e realmente relevante.
CARTA MAIOR: É factível para o PSDB assumir um discurso
agressivo, udenista, nessas eleições? O livro “Privataria Tucana” não
pode inibir esse tipo de discurso?
HADDAD: O quanto a pessoa está disposta a perder o verniz é
proporcional ao desespero de perder a eleição. E digamos que perder essa
eleição, no caso do nosso adversário, representaria uma derrota dura.
Eu não me surpreenderia se forças obscurantistas fossem mobilizadas, se o
quadro lhe retirar o favoritismo que todos dizem que ele (Serra) tem.
Daí o desespero bate. Nem todo mundo tem elegância ao participar do jogo
eleitoral.
CARTA MAIOR: E você vai ser elegante?
HADDAD: Vamos pegar o caso do presidente Lula. Ele foi atacado
várias vezes, teve material para pagar na mesma moeda e sempre abdicou
disso. São conhecidas as histórias em que o presidente Lula foi sondado
sobre se usaria determinada informação, e ele disse que não. Algumas são
públicas. Por exemplo, quando se imaginava que o PT pudesse usar o
suposto caso do filho do ex-presidente Fernando Henrique e o presidente
Lula respondeu para o seu interlocutor que se dependesse disso ele
preferia não ser presidente da República. E sofreu esse tipo de ataque
em 1989, de envolvimento de assuntos de sua família na campanha, e nunca
revidou. Existem perfis de candidatos. A presidenta Dilma também
preferiu ir para o debate político.
CARTA MAIOR: Você acha que ganhar essa eleição é importante para a quebra da hegemonia do PSDB no Estado?
HADDAD: Eu entendo que o Brasil não vai voltar a ser o que era
nunca mais depois dos oito anos do presidente Lula com a continuidade. A
cada eleição se consolida um patamar de exigência diferenciado. Hoje o
Brasil é um país mais crítico, mais democrático, mais reflexivo, mais
exigente. O Nordeste nunca mais vai ser o mesmo, com a superação de uma
realidade de poder daquelas oligarquias atrasadíssimas. Eu não tenho
dúvida de que o Brasil poderia mais, se não fosse essa âncora
conservadora [em São Paulo]. Tem uma bola de ferro no nosso pé que ainda
segura muito o país. E nós já deveríamos ter perdido o medo de avançar,
porque depois que você avança e vê que é bom, deveria querer mais, mas
ainda tem gente indisposta com o progresso, com o desenvolvimento
humano.
Está mais do que provado que quando há combate de desigualdade todo
mundo ganha. A visão de que está tudo ruim porque agora todo mundo anda
de avião, e os aeroportos estão lotados, é errada. O mesmo empresário
que reclama dobra o seu lucro no seu negócio, porque as pessoas compram
mais. E tem um despertar para várias coisas. As pessoas vão ter de se
habituar com isso. O Brasil ultrapassou a China em taxas de
escolaridade. A escolaridade média é similar aqui e na China, mas na
velocidade de aumento foi diferente. Nos últimos 10 anos, o Brasil
passou de 3,5 milhões de universitários para 6,5 milhões. E pessoas
educadas são diferenciadas, não apenas porque ganham mais, mas porque se
colocam de forma diferente em relação à sociedade.
Temos que nos habituar a isso. Hoje muitas pessoas até fazem trabalho
doméstico, mas esse tipo de atividade é usado como uma escala para os
que estão estudando, estão fazendo um curso técnico, uma faculdade, e
dali a pouco já estarão em outra atividade. A transformação social é
muito visível. Mudou o perfil do trabalhador. O problema não é lavar
pratos, mas passar a vida inteira lavando pratos. Não pode um indivíduo
pagar por toda a espécie.