A urgência da união sul-americana
Via CartaMaior
A
América do Sul terá que unir-se com urgência, para que não se torne
território aberto à disputa feroz pelos seus recursos naturais, no
futuro que se apressa a chegar. Ao lado da África, a América Latina
sempre foi vista como um território de todos, menos de seus próprios
habitantes.
Mauro Santayana
Não
há mais espaço para a dúvida: a América do Sul terá que unir-se com
urgência, para que não se torne território aberto à disputa feroz pelos
seus recursos naturais, no futuro que se apressa a chegar. Ao lado da
África, a América Latina sempre foi vista como um território de todos,
menos de seus próprios habitantes. Em nome da Fé e da Civilização,
espanhóis e portugueses, holandeses e franceses, aqui chegaram para
ocupar e dominar as civilizações existentes, como as andinas.
Nesse
aspecto, o Brasil é uma exceção importante: os indígenas brasileiros
ainda se encontravam no neolítico, ao contrário dos habitantes da
cordilheira, senhores de uma cultura respeitável. Isso parece pouco, mas
não é. Dos europeus que tentaram a conquista, os ibéricos tiveram mais
êxito, não só na América do Sul, mas também em grande parte da América
do Norte, até a chegada em massa dos seus rivais britânicos. O que nos
interessa, no entanto, é esse continente em suas razões geográficas,
políticas, econômicas e culturais. E não “subcontinente”, como muitos
insistem em nos considerar.
Geograficamente, nós
constituímos uma realidade própria. Ainda que o istmo do Canadá una o
Hemisfério Ocidental, e que grande parte da América do Sul política se
encontre ao norte do Equador, e nela considerável parcela do Brasil, da
Colômbia à Terra do Fogo somos uma realidade geográfica e histórica bem
identificada. Sempre foi do interesse dos colonizadores que vivêssemos,
brasileiros e hispano-americanos, bem separados uns dos outros.
Mesmo
durante os 60 anos em que as coroas de Portugal e da Espanha estiveram
unidas, a administração colonial se manteve separada e os contatos se
limitavam às autoridades. Nossos povos não se conheciam, a não ser nos
raros pontos fronteiriços.
Ao desdenhar os
nossos povos, o arrogante Kissinger disse que nada de importante ocorreu
no Hemisfério Sul. Ele, em sua visão preconceituosa e imperialista, se
esqueceu de que a descoberta e conquista da América foram o fato mais
importante de toda a História do Ocidente.
Essa
importância começa com a viagem de Colombo, em 1492, mais arriscada do
que a ida do homem à Lua. Os astronautas que desceram no satélite da
Terra foram precedidos de sondas e exaustivos cálculos matemáticos; da
metalurgia de novas ligas metálicas para as aeronaves, de todos os
cuidados. Os navegantes do fim do século XV só contavam com sua coragem a
fim de vencer o Mar Oceano em frágeis caravelas.
Devemos
a Napoleão o surgimento da América do Sul como realidade política.
Antes dele e da invasão da Península Ibérica por suas tropas, a América
do Sul era assunto britânico, por intermédio de Lisboa e de Madri. A
vitória de Waterloo confirmou a presença britânica no continente até a
Primeira Guerra Mundial.
Éramos, segundo Hegel,
em seu Curso de Filosofia da História, entre 1818 e 1822, uma região em
constantes rebeliões chefiadas por caudilhos militares, enquanto a
América do Norte, sob a razão protestante, anunciava uma nova
civilização. Mas insinuava certo otimismo:
“A
América é, portanto, a terra do porvir, onde, nos tempos futuros se
manifestará, talvez, no antagonismo da América do Norte com a América do
Sul, o ponto de gravidade da História Universal. É uma terra de sonho
para todos aqueles que se encontram cansados do bric-à-brac da Velha
Europa. Napoleão teria dito: Esta velha Europa me entedia.”
E continua: “A América deve se separar do solo sobre o qual se passou, até agora, a história universal”.
Estamos
no momento exato de separar-nos da velha Europa, coisa que os Estados
Unidos só serão capazes de fazer quando os hispano-americanos se
tornarem a etnia predominante naquele país. A hora é, portanto, da
América do Sul. E o primeiro movimento necessário nessa direção é o
fortalecimento do Mercosul.
Essa constatação foi
a tônica do primeiro encontro sobre “Crise, Estado e Desenvolvimento:
Desafios e Perspectivas para a América do Sul”, promovido pela
Representação Brasileira no Parlasul, por iniciativa do Senador Roberto
Requião, sexta-feira passada, no Senado, de que participaram o
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Brasileiro no
Mercosul, o Professor Carlos Lessa e este colunista. Temos que nos
apressar, e negociar com o espírito de solidariedade efetiva, a quebra
de barreiras internas no continente, base necessária aos acordos
políticos.
Nesse sentido, é interessante a
proposta ousada da Argentina, de estabelecimento de uma tarifa comum, de
35% por cento, para a entrada de produtos estrangeiros no Mercosul, e
abolição total das tarifas no espaço do acordo aduaneiro.
A
História mostra – e o exemplo mais importante é o da Alemanha – que a
união política necessita de uma união aduaneira prévia. Ainda em 1834, a
Prússia iniciou esse processo de união aduaneira (Zollverein) com os
numerosos estados alemães, o que possibilitou a união política quase 50
anos depois.
Mas uma união aduaneira exige mais
do que interesses econômicos, para se tornar uma união política. Exige
certa identidade étnica, espírito de solidariedade e semelhante visão do
mundo, o que ocorria na Alemanha, antes e depois de Bismarck, e que não
existe na Europa de hoje. Temos, na América do Sul, não obstante a
identidade cultural própria de nossos povos, certa identidade étnica,
história mais ou menos comum de países que foram colônias, continuidade
geográfica e espírito de solidariedade.
Pressionados
pela crise que provocaram, os governantes dos países nórdicos sentem-se
tentados a nova aventura de conquista, econômica, política e, se for
preciso, militar, da América do Sul. Pelo que fizeram e estão fazendo
nos países produtores de petróleo, podemos prever o que se encontram
dispostos a fazer em busca das matérias primas e dos nossos territórios
que cobiçam. Para que não sejamos dominados neste século, como advertia
Perón em 1945, temos que nos unir, logo, sem tergiversações menores, e
respeitando-nos como povos rigorosamente iguais.
O
problema, mais do que ideológico, é geopolítico. É o do nosso espaço,
que eles consideram vital para eles. Nosso dever, na História, é o de
resistir e construir nova forma de convívio, criador e solidário, no
espaço que ocupamos há meio milênio.
Mauro
Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi
correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima
Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre
eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e
correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
*GilsonSampaio