A Geopolítica dos EUA na América Latina e os Golpes de Estado na Venezuela (2002 ) e Paraguai (2012)
do
redecastorphoto
Comentário do blog castorphoto: A
geopolítica norte-americana para a América Latina sofreu prejuízos
totalmente inesperados com a pressa dos neogolpistas paraguaios em
assumir o poder e com tamanha ganância que não puderam aguardar até
abril de 2013, quando seriam realizadas as eleições. Agora articulam com
todos os seus aliados latinoamericanos fazer reverter a decisão de
ingresso da Venezuela no MERCOSUL e a exclusão paraguaia desse
organismo.
O Golpe de
Estado no Paraguai está intimamente ligado à interferência no processo
de admissão da Venezuela no MERCOSUL e a conter a influência política e
econômica de Brasil e Argentina na América Latina, além de dificultar,
ao Brasil, acesso aos portos do Pacífico, o que facilitaria enormemente o
comércio com a China e o Extremo Oriente em geral.
Outro
aspecto geoestratégico visado pelos EUA é a instalação de base militar
na tríplice fronteira (Brasil – Paraguai - Argentina) e o controle do
Aquífero Guarany e das reservas latinoamericanas do pré-sal.
Enviado em 13/7/2012 por Samuel Pinheiro Guimarães
1. Não
há como entender as peripécias da política sul-americana sem levar em
conta a política dos Estados Unidos para a América do Sul. Os Estados
Unidos ainda são o principal ator político na América do Sul é pela
descrição de seus objetivos devemos começar.
2. Na
América do Sul, o objetivo estratégico central dos Estados Unidos, que
apesar do seu enfraquecimento continuam sendo a maior potência política,
militar, econômica e cultural do mundo, é incorporar todos os países da
região à sua economia. Esta incorporação econômica leva,
necessariamente, a um alinhamento político dos países mais fracos com os
Estados Unidos nas negociações e nas crises internacionais.
3. O
instrumento tático norte-americano para atingir este objetivo consiste
em promover a adoção legal pelos países da América do Sul de normas de
liberalização a mais ampla do comércio, das finanças e investimentos,
dos serviços e de “proteção” à propriedade intelectual através da
negociação de acordos em nível regional e bilateral.
4. Este
é um objetivo estratégico histórico e permanente. Uma de suas primeiras
manifestações ocorreu em 1889 na I Conferência Internacional Americana,
que se realizou em Washington, quando os EUA, já então a primeira
potência industrial do mundo, propuseram a negociação de um acordo de
livre comércio nas Américas e a adoção, por todos os países da região,
de uma mesma moeda, o dólar.
5. Outros
momentos desta estratégia foram o acordo de livre comércio EUA-Canadá; o
NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, incluindo além do
Canadá, o México); a proposta de criação de uma Área de Livre Comércio
das Américas - ALCA e, finalmente, os acordos bilaterais com o Chile,
Peru, Colômbia e com os países da América Central.
6. Neste
contexto hemisférico, o principal objetivo norte-americano é incorporar
o Brasil e a Argentina, que são as duas principais economias
industriais da América do Sul, a este grande “conjunto” de áreas de
livre comércio bilaterais, onde as regras relativas ao movimento de
capitais, aos investimentos estrangeiros, aos serviços, às compras
governamentais, à propriedade intelectual, à defesa comercial, às
relações entre investidores estrangeiros e Estados seriam não somente as
mesmas como permitiriam a plena liberdade de ação para as megaempresas
multinacionais e reduziria ao mínimo a capacidade dos Estados nacionais
para promover o desenvolvimento, ainda que capitalista, de suas
sociedades e de proteger e desenvolver suas empresas (e capitais
nacionais) e sua força de trabalho.
7. Aexistência
do MERCOSUL, cuja premissa é a preferência em seus mercados às empresas
(nacionais ou estrangeiras) instaladas nos territórios da Argentina, do
Brasil, do Paraguai e do Uruguai em relação às empresas que se
encontram fora desse território e que procura se expandir na tentativa
de construir uma área econômica comum, é incompatível com objetivo
norte-americano de liberalização geral do comércio de bens, de serviços,
de capitais etc que beneficia as suas megaempresas, naturalmente
muitíssimo mais poderosas do que as empresas sul-americanas.
8. De
outro lado, um objetivo (político e econômico) vital para os Estados
Unidos é assegurar o suprimento de energia para sua economia, pois
importam 11 milhões de barris diários de petróleo sendo que 20% provêm
do Golfo Pérsico, área de extraordinária instabilidade, turbulência e
conflito.
9. As empresas
americanas foram responsáveis pelo desenvolvimento do setor petrolífero
na Venezuela a partir da década de 1920. De um lado, a Venezuela
tradicionalmente fornecia petróleo aos Estados Unidos e, de outro lado,
importava os equipamentos para a indústria de petróleo e os bens de
consumo para sua população, inclusive alimentos.
10. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, suas decisões de reorientar a política externa (econômica e política) da Venezuela em direção à América
do Sul (i.e. principal, mas não exclusivamente ao Brasil), assim como
de construir a infraestrutura e diversificar a economia agrícola e
industrial do país viriam a romper a profunda dependência da Venezuela em relação aos Estados Unidos.
11. Esta
decisão venezuelana, que atingiu frontalmente o objetivo estratégico da
política exterior americana de garantir o acesso a fontes de energia,
próximas e seguras, se tornou ainda mais importante no momento em que a Venezuela passou a ser o maior país do mundo em reservas de petróleo e em que a situação do Oriente Próximo é cada vez mais volátil.
12. Desde
então desencadeou-se uma campanha mundial e regional de mídia contra o
Presidente Chávez e a Venezuela, procurando demonizá-lo e caracterizá-lo
como ditador, autoritário, inimigo da liberdade de imprensa, populista,
demagogo etc. A Venezuela, segundo a mídia, não seria uma democracia e
para isto criaram uma “teoria” segundo a qual ainda que um presidente
tenha sido eleito democraticamente, ele, ao não “governar
democraticamente”, seria um ditador e, portanto, poderia ser derrubado.
Aliás, o golpe já havia sido tentado em 2002 e os primeiros lideres a
reconhecer o “governo” que emergiu desse golpe na Venezuela foram,
sintomaticamente, George Walker Bush (EUA) e José María Aznar (Espanha).
13. À
medida que o Presidente Chávez começou a diversificar suas exportações
de petróleo, notadamente para a China, substituiu a Rússia no suprimento
energético de Cuba e passou a apoiar governos progressistas eleitos
democraticamente, como os da Bolívia e do Equador, empenhados em
enfrentar as oligarquias da riqueza e do poder, os ataques redobraram
orquestrados em toda a mídia da região (e do mundo).
14. Isto
apesar de não haver dúvida sobre a legitimidade democrática do
Presidente Chávez que, desde 1998, disputou doze eleições, que foram
todas consideradas livres e legítimas por observadores internacionais,
inclusive o Centro Carter, a ONU e a OEA.
15. Em 2001, a
Venezuela apresentou, pela primeira vez, sua candidatura ao MERCOSUL.
Em 2006, após o término das negociações técnicas, o Protocolo de adesão
da Venezuela foi assinado pelos Presidentes Chávez, Lula, Kirchner,
Tabaré e Nicanor Duarte, do Paraguai, membro do Partido Colorado.
Começou então o processo de aprovação do ingresso da Venezuela pelos
Congressos dos quatro países, sob cerrada campanha da imprensa
conservadora, agora preocupada com o “futuro” do MERCOSUL que, sob a
influência de Chávez, poderia, segundo ela, “prejudicar” as negociações
internacionais do bloco etc. Aquela mesma imprensa que rotineiramente
criticava o MERCOSUL e que advogava a celebração de acordos de livre
comércio com os Estados Unidos, com a União Européia etc., se possível
até de forma bilateral, e que considerava a existência do MERCOSUL um
entrave à plena inserção dos países do bloco na economia mundial, passou
a se preocupar com a “sobrevivência” do bloco.
16. Aprovado
pelos Congressos da Argentina, do Brasil, do Uruguai e da Venezuela, o
ingresso da Venezuela passou a depender da aprovação do Senado
paraguaio, dominado pelos partidos conservadores representantes das
oligarquias rurais e do “comércio informal”, que passou a exercer um
poder de veto, influenciado em parte pela sua oposição permanente ao
Presidente Fernando Lugo, contra quem tentou 23 processos de
“impeachment” desde a sua posse em 2008.
17. O
ingresso da Venezuela no MERCOSUL teria quatro consequências:
dificultar a “remoção” do Presidente Chávez através de um golpe de
Estado; impedir a eventual reincorporação da Venezuela e de seu enorme
potencial econômico e energético à economia americana; fortalecer o
MERCOSUL e torná-lo ainda mais atraente à adesão dos demais países da
América do Sul; dificultar o projeto americano permanente de criação de
uma área de livre comércio na América Latina, agora pela eventual
“fusão” dos acordos bilaterais de comércio, de que o acordo da Aliança
do Pacifico é um exemplo.
18. Assim,
a recusa do Senado paraguaio em aprovar o ingresso da Venezuela no
MERCOSUL tornou-se questão estratégica fundamental para a política norte
americana na América do Sul.
19. Os
líderes políticos do Partido Colorado, que esteve no poder no Paraguai
durante sessenta anos, até a eleição de Lugo, e os do Partido Liberal,
que participava do governo Lugo, certamente avaliaram que as sanções
contra o Paraguai em decorrência do impedimento de Lugo, seriam
principalmente políticas, e não econômicas, limitando-se a não poder o
Paraguai participar de reuniões de Presidentes e de Ministros do bloco.
Feita
esta avaliação, desfecharam o golpe. Primeiro, o Partido Liberal deixou
o governo e aliou-se aos Colorados e à União Nacional dos Cidadãos
Éticos - UNACE e aprovaram, a toque de caixa, em uma sessão, uma
resolução que consagrou um rito super-sumário de “impeachment”.
Assim,
ignoraram o Artigo 17 da Constituição paraguaia que determina que “no
processo penal, ou em qualquer outro do qual possa derivar pena ou
sanção, toda pessoa tem direito a dispor das cópias, meios e prazos
indispensáveis para apresentação de sua defesa, e a poder oferecer,
praticar, controlar e impugnar provas”, e o artigo 16 que afirma que o
direito de defesa das pessoas é inviolável.
20. Em
2003, o processo de impedimento contra o Presidente Macchi, que não foi
aprovado, levou cerca de 3 meses enquanto o processo contra Fernando
Lugo foi iniciado e encerrado em cerca de 36 horas. O pedido de revisão
de constitucionalidade apresentado pelo Presidente Lugo junto à Corte
Suprema de Justiça do Paraguai sequer foi examinado, tendo sido
rejeitado in limine.
21. O
processo de impedimento do Presidente Fernando Lugo foi considerado
golpe por todos os Estados da América do Sul e de acordo com o
Compromisso Democrático do MERCOSUL o Paraguai foi suspenso da UNASUL e
do MERCOSUL, sem que os neogolpistas manifestassem qualquer consideração
pelas gestões dos Chanceleres da UNASUL, que receberam, aliás, com
arrogância.
22. Em
consequência da suspensão paraguaia, foi possível e legal para os
governos da Argentina, do Brasil e do Uruguai aprovarem o ingresso da
Venezuela no MERCOSUL a partir de 31 de julho próximo. Acontecimento que
nem os neogolpistas nem seus admiradores mais fervorosos - EUA,
Espanha, Vaticano, Alemanha, os primeiros a reconhecer o governo ilegal
de Franco - parecem ter previsto.
23. Diante
desta evolução inesperada, toda a imprensa conservadora dos três
países, e a do Paraguai, e os líderes e partidos conservadores da
região, partiram em socorro dos neogolpistas com toda sorte de
argumentos, proclamando a ilegalidade da suspensão do Paraguai (e,
portanto, afirmando a legalidade do golpe) e a inclusão da Venezuela, já
que a suspensão do Paraguai teria sido ilegal.
24. Agora,
o Paraguai procura obter uma decisão do Tribunal Permanente de Revisão
do MERCOSUL sobre a legalidade de sua suspensão do MERCOSUL enquanto, no
Brasil, o líder do PSDB anuncia que recorrerá à justiça brasileira
sobre a legalidade da suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela.
25. A política
externa norte-americana na América do Sul sofreu as consequências
totalmente inesperadas da pressa dos neogolpistas paraguaios em assumir o
poder, com tamanha voracidade que não podiam aguardar até abril de
2013, quando serão realizadas as eleições, e agora articula todos os
seus aliados para fazer reverter a decisão de ingresso da Venezuela.
26. Na
realidade, a questão do Paraguai é a questão da Venezuela, da disputa
por influência econômica e política na América do Sul e de seu futuro
como região soberana e desenvolvida.
*Gilsonsampaio