A Recuperação Moral
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
disse em São Paulo, em um
encontro com artistas e intelectuais, que esse é o momento de
“recuperação moral” da política brasileira. Ele pode ter razão, e a terá
ainda mais se, depois do escrutínio judicial da Ação 470, o exame de
outras ações pendentes no STF e nos tribunais dos Estados, abrir o véu
que cobre o período de 1995 a 2003. Seria importante saber como se deu a
privatização da Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa construída por
mineiros. E seria também importante verificar, em sua intimidade, o
processo de privatização da Telebrás e suas subsidiárias.
Estamos submetidos a um péssimo serviço, quase todo ele explorado por
empresas estrangeiras. Segundo o PROCON, as reclamações contra os
serviços telefônicos celulares batem o recorde naquele órgão. Enquanto
isso, algumas empresas, como a Telefônica, continuam se valendo do nosso
dinheiro, via BNDES, para financiar sua expansão no país, enquanto os
lucros são enviados a Madri, e usados para a compra de empresas no resto
do mundo.
Será, da mesma forma, necessária à recuperação moral da política
brasileira saber quais foram as razões daquela medida, e como se
desenvolveu o processo do Proer e da transferência de ativos nacionais
aos bancos estrangeiros, alguns deles envolvidos em negócios repulsivos,
como a lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Quem fala em recuperação moral estuprou a Constituição da República com
a emenda da reeleição, recomendada pelo Consenso de Washington, uma vez
que aos donos do mundo interessava a continuidade governamental nos
países periféricos, necessária à queda das barreiras nacionais e à
brutal globalização da economia, com os efeitos nefastos para os nossos
países. Seria, assim, também importante, no processo histórico da
“recuperação moral”, saber se houve ou não houve compra de votos para a
aprovação do segundo mandato de Fernando Henrique, como se denunciou na
época, e com algumas confissões conhecidas.
Tivemos oito anos sem crescimento do ensino universitário público no
Brasil, enquanto se multiplicaram os centros privados de ensino
superior, que formam, todos os anos, bacharéis analfabetos, médicos
açougueiros, sociólogos inúteis.
Para essa “recuperação moral” conviria ao ex-presidente explicar por
que, no apagar das luzes de seu governo, recebeu, para um jantar a dois,
o banqueiro Daniel Dantas, acusado de desviar dinheiro de seu fundo de
investimentos para os paraísos fiscais, violando a legislação
brasileira. Seria também importante reexaminar a súbita prosperidade dos
jovens gênios que serviram à famosa “equipe econômica” em seus dois
mandatos.
Se
a “recuperação moral” for mesmo para valer, o ex-presidente não tem
como eludir às suas responsabilidades. Para começar, se alguém se
habilitar a investigar - e julgar ! - basta o seu diálogo gravado com o
pessoal do BNDES no caso da privatização das telefônicas.