Juremir: “Muitos comemoram a Revolução Farroupilha mas não conhecem sua história”
Juremir Machado da Silva publicou "História Regional da Infâmia" em 2010 | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Samir Oliveira no SUL21
O jornalista e historiador Juremir Machado da Silva publicou em 2010 o
livro “História Regional da Infâmia”, no qual relata, através de
documentos, uma série de fatos pouco divulgados sobre a Revolução
Farroupilha. Dentre eles, o de que ela foi financiada com a venda de
negros.
Nesta entrevista ao Sul21, Juremir fala sobre as
constatações do livro e o processo de mitificação que se deu em cima da
história da revolução. “Os republicanos positivistas tinham noção de que
uma identidade se constrói a partir de um mito fundador. Era preciso
uma mitologia época para construir essa unidade”, explica.
Bastante criticado por expor visões “pouco gloriosas” sobre a
Revolução Farroupilha – um dos principais elementos na construção da
imagem do gaúcho brasileiro -, o jornalista conta que muitos
historiadores deixam de pesquisar o tema por causa da repercussão
negativa e hostil de seus trabalhos no Rio Grande do Sul. “Recebi
e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar. Senti
hostilidade em muitas situações”, comenta.
“Ninguém tinha dito que a Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai”
Sul21 – Como surgiu a ideia de escrever “A História Regional da Infâmia”?
Juremir Machado – Por muitas razões. Uma delas é a
inconformidade com esse culto tradicionalista mal embasado em fatos
históricos. Como fiz faculdade de História, tinha acompanhado desde
sempre as polêmicas provocadas, primeiro, pelo Tau Golim. Em seguida,
por Moacyr Flores, Mário Maestri, Décio Freitas… Todos os historiadores
que mexeram com isso foram muito atacados, criticados e, às vezes, até
estigmatizados. Mas em determinado momento me veio a ideia de fazer um
livro, na medida em que comecei a encontrar documentos que me pareciam
interessantes. Um grande amigo meu, Luiz Carlos Carneiro, que tinha sido
meu professor de História no cursinho universitário, lá por 1980, tinha
se tornado diretor do Arquivo Histórico do RS, que tinha todo o acervo
sobre a Revolução Farroupilha. Então pude fazer a pesquisa com toda a
tranquilidade. E as pessoas que trabalhavam lá me ajudaram muito fazendo
transcrição de documentos.
Sul21 – Quanto tempo durou a pesquisa?
Juremir - Eu li toda a bibliografia existente e fui às
fontes. Li mais de 15 mil documentos e trabalhei com mais de 12 pessoas.
Foram três anos de pesquisa com estagiários, bolsistas de iniciação
científica, pessoas que contratei em Pelotas, no Rio de Janeiro e em
Porto Alegre. Debulhamos 15 mil documentos, alguns que nunca tinham sido
trabalhados.
Sul21 – Que tipo de reações o livro provocou?
Juremir - Meu livro provoca dois tipos de polêmica:
aqueles que dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e
aqueles que dizem que o livro não traz nada de novo. Isso é falso. É
claro que o livro não parte de coisas que ninguém nunca tinha examinado,
mas aprofunda muitas dessas coisas e descobre coisas novas. Eu chamo de
documento infame toda a documentação referente ao financiamento da
Revolução Farroupilha, à compra de munição, de fardamento, de
alimentação com a venda de escravos no Uruguai. Ninguém tinha dito que,
em determinado momento, por obra de Domingos José de Almeida, a
Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai. Em
algum momento se falou que teriam vendido alguns negros para comprar uma
impressora para o jornal “O Povo”. A venda de negros para financiar a
revolução gerou, inclusive, um processo judicial. Depois que deixou de
ser ministro da Fazenda, Domingos José de Almeida entrou na Justiça da
República pedindo o ressarcimento de tudo o que tinha investido. Ele
detalha, briga, insulta e polemiza. Quer de volta o dinheiro dos negros
que vendeu. Ele dá os nomes e todas as informações sobre as vendas.
"Meu
livro provoca dois tipos de polêmica: aqueles que dizem que tudo é
falso e que eu preciso estudar mais; e aqueles que dizem que o livro não
traz nada de novo. Isso é falso" | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Como era a relação dos líderes da revolução com os
negros? Havia uma retórica pretensamente abolicionista e uma prática
diferente?
Juremir – Todos eram proprietários de escravos e viviam
em uma sociedade escravista. Então eles podiam ser escravistas, seriam
simplesmente homens de seu tempo. Mas em outros lugares estavam
acontecendo revoltas pela libertação dos negros, como no Maranhão. No
Uruguai e na Argentina, o processo de libertação dos negros estava muito
mais acelerado. Era um tempo de escravismo, mas não da mesma maneira em
todos os lugares. Falamos de Rivera e de Rosas como se fossem caudilhos
hediondos, mas eles eram muito mais avançados, progressistas e
iluministas. Nossos fazendeiros gostavam de se aliar com eles, mas
tinham medo das coisas que eles faziam, como reforma agrária e
libertação de negros. Eles eram muito mais adiantados e “perigosos”
nesse sentido.
“Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam ser. Só queriam usar os negros”
Sul21 – Há o mito consagrado de que os farroupilhas eram abolicionistas.
Juremir - Não, eles não eram. Talvez um ou dois
tivessem algum ardor nesse sentido. Mas a maioria não era. Eles
prometeram liberdade para os negros dos adversários que aceitassem ser
incorporados como soldados. Era uma forma de atrair mão de obra militar.
Mas os escravos dos próprios farroupilhas continuaram nas fazendas
trabalhando para que eles pudessem fazer a guerra. Quando a Revolução
acabou e eles voltaram para casa, continuaram escravistas. Quando Bento
Gonçalves morre, deixa um inventário com 53 escravos aos seus herdeiros.
Escravos valiam muito. Ele morreu rico, com terras, fazendas e
escravos. Quando fizeram, em Alegrete, o texto da Constituição, ela não
previa a libertação dos escravos. Se eles tivessem vencido e a
Constituição entrado em vigor, o Rio Grande do Sul continuaria sendo uma
sociedade escravista. Eles não tinham nada de abolicionistas. Claro, em
determinado momento, com a mão de obra militar minguando –
principalmente quando o Império começou a mandar mais gente -, tiveram
de recorrer aos negros dos adversários. O Domingos José de Almeida, além
de ter vendido seus negros ao Uruguai para financiar a revolução, para
ele mesmo se sustentar como ministro da Fazenda e cérebro da revolução,
continuava alugando outros negros no Uruguai e vivendo das rendas desse
aluguel. Os negros trabalhavam no Uruguai para que ele pudesse ser o
chefe revolucionário. Existem muitos exemplos de situações mais
adiantadas de libertação de escravos. No Brasil, no Uruguai, na
Argentina, no Chile… Simón Bolivar tinha libertado os escravos. A
libertação de escravos estava acontecendo com frequência. Rivera fez
isso e nós não. Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam
ser. Só queriam usar os negros.
"Muitos
historiadores reconhecem que houve traição em Porongos, mas não
demonstram como isso ocorreu. A maior parte pula essa etapa" | Foto:
Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Teve o episódio da batalha de Porongos…
Juremir - É curioso… Muitos historiadores reconhecem
que houve traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A
maior parte dos historiadores que examina Porongos pula essa etapa. Em
determinado momento essa traição era negada. Como os líderes
farroupilhas tinham prometido liberdade aos negros dos adversários, com o
fim da revolução começam a ficar preocupados e receosos de que os
negros possam querer se vingar caso isso não ocorra. Era um contingente
expressivo de escravos. Então os líderes farroupilhas estavam numa
contradição, já que esses negros pertenciam a adeptos dos imperiais, que
os queriam de volta. Foi aí que veio aquela ideia “maravilhosa” de
diminuir esse contingente ao máximo e fazer um pacto para eliminá-los. A
cilada de Porongos chega a ser simplória. Os negros foram realmente
desarmados e dizimados. Canabarro recebeu o aviso de um possível ataque e
desarmou os homens, foi tudo muito preparado. Um outro aspecto que o
meu livro vai adiante é em relação ao destino dos negros farrapos. Nem
todos morreram. Sobraram alguns deles. Uns escaparam, conseguiram fugir a
cavalo, e muitos caíram prisioneiros. Sempre se discutiu o que teriam
feito com esses negros. Os farroupilhas dizem que Caxias libertou todos,
incorporou ao Exército e conferiu a eles uma condição quase de
enobrecimento. E alguns diziam que eles tinham sido enviados para o Rio
de Janeiro, para a fazenda imperial Santa Cruz.
Sul21 – O que aconteceu?
Juremir - Fui atrás e consegui documentos mostrando
para onde eles foram. Eles foram entregues pelos farroupilhas e foram
transportados. Consegui documentos sobre como eles foram transportados,
até com o nome do navio. Eles foram para o Rio de Janeiro, para o
arsenal da Marinha.
“A Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os métodos das Farc”
Sul21 – Politicamente, havia alguma unidade entre os líderes da revolução?
Juremir - Era um saco de gatos. Antes de 1835 havia
gente que oscilava. Bento Gonçalves, por exemplo, era um monarquista,
não era republicano. Neto não era republicano. Bento Gonçalves tinha
pendores para fazer uma associação com o Uruguai. Ele se relacionava com
o Rivera e pensava, volta e meia, em uma perspectiva de junção com o
Uruguai. Mas também não era algo muito convicto. Em 1834 aconteceu a
principal causa da Revolução Farroupilha: um surto de carrapatos que
devorou o gado. Os fazendeiros ficaram com um prejuízo enorme e fizeram
exatamente como os pecuaristas fazem hoje em dia: quiseram repassar o
prejuízo ao Império. Mas essa ajuda do governo central não vinha. Por
outro lado, havia um contexto de muitos militares no Rio Grande do Sul.
Em 1831, quando Dom Pedro I abdicou, muitos militares foram mandados
para cá, numa espécie de geladeira, porque tinham se insubordinado.
Então se juntam esses militares cansados e insatisfeitos com os
fazendeiros que se sentiam prejudicados pelo Império. No começo das
conspirações, eles só desejam que o Império atenda às suas
reivindicações. Alguns querem ver reconstituída sua dignidade militar e
serem transferidos para outros lugares. Nossos fazendeiros queriam
atendimento às suas reivindicações econômicas. O movimento vai ganhando
vida e eles não conseguem mais recuar. Em determinado momento, surge a
perspectiva da República, que nenhum dos líderes tinha em mente. No meu
livro, publico uma carta que Neto enviou aos vereadores de Pelotas. Ele,
que tinha proclamado a República, disse “não sou republicano”. Eles não
eram republicanos, mas aos poucos foram sendo empurrados para aquela
situação e acabaram proclamando uma República que o Império nunca
reconheceu. Para o Império, sempre se tratou apenas de uma província
rebelada.
Sul21 – E por que a guerra durou tanto tempo?
Juremir - Quando os liberais estavam no poder, no
período regencial, eles, no fundo, gostavam dessa gente daqui. Eles não
queriam mandar muito efetivo para cá e deixaram a Revolução correr.
Quando finalmente Dom Pedro II ganha a maioridade e os conservadores
assumem o poder e passam a ter o primeiro ministro, eles enviam muito
efetivo para o Rio Grande do Sul. Então por volta de 1842 já está
liquidada a fatura. A revolução se transforma em uma guerra de
guerrilhas. Os farroupilhas começam a fugir para todos os lados e, de
vez em quando, fazem algumas emboscadas. Quando a coisa ficava muito
pesada, todo mundo se refugiava no Uruguai. Foi uma guerra de guerrilhas
na qual o exército imperial ficava atrás dos rebeldes e, de vez em
quando, tinha algum combate. Houve muito pouco combate e morreu pouca
gente. Em dez anos de guerra, morreram 2,9 mil pessoas. Morria mais
gente de gripe do que de guerra. Passava meses sem que houvesse combate.
Claro que houve momentos de heroísmo e momentos de infâmia absoluta,
com estupro, degola, sequestro e execução sumária. É por isso que eu
digo que a Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os
métodos das Farc. Do ponto de vista ideológico, eles eram a Farsul da
época, com uma ideologia liberal incipiente. Eram proprietários rurais
em defesa dos seus interesses. E utilizavam os métodos que hoje se
condena nas Farc: sequestro, apropriação do gado e das terras alheias.
"Um
dos grandes problemas da Revolução Farroupilha foi a corrupção", aponta
jornalista e pesquisador gaúcho | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Em seu livro, o senhor também aponta casos de corrupção entre os líderes farroupilhas.
Juremir – Quando eles se reúnem em Alegrete para fazer a
Constituição, estavam totalmente rompidos. Antonio Vicente da Fontoura
pertencia à chamada minoria. Ele havia sido ministro da Fazenda,
sucedendo Domingos José de Almeida. Quando ele assumiu o Ministério,
constatou que a corrupção corria solta. Ele descreve isso fartamente em
seu diálogo e os historiadores nunca quiseram dar muita atenção. Os
farroupilhas pegavam a fazenda de um adversário e arrendavam e o lucro
desse arrendamento desaparecia. Até Neto foi acusado por Antonio Vicente
da Fontoura de ter desaparecido com dinheiro. Um dos grandes problemas
da Revolução Farroupilha foi a corrupção. Eles brigaram e se separaram
por causa disso. O duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires tinha na
sua base acusações de corrupção.
“Os cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo”
Sul21 – Como se pautaram as relações dos farroupilhas com as
lideranças uruguaias e
argentinas? Havia, de fato, a intenção de se
criar uma república que anexasse o território do Uruguai e algumas
províncias da Argentina?
Juremir – Quando viram que Rivera estava libertando
escravos e que tinha propensões à reforma agrária, a parceria deixou de
ser interessante. A Revolução Farroupilha foi uma espécie de golpe
militar. Esse golpe militar sofreu muita influência platina. Houve muita
influência desses caudilhos uruguaios e argentinos. Mas depois houve
momentos de aproximação e de separação. Essas alianças só não
prosperaram definitivamente porque os líderes farroupilhas eram muito
mais conservadores que os caudilhos uruguaios e argentinos. Rivera
queria uma revolução benéfica para a população uruguaia. Bento Gonçalves
e sua turma só entraram em ação por causa dos seus interesses
particulares.
Sul21 – Como se deu a construção dos mitos em cima da Revolução Farroupilha?
Juremir - São várias etapas. Uma delas é quando Julio
de Castilhos e os republicanos positivistas estão trabalhando pela
construção da República no Rio Grande do Sul. Julio de Castilhos vai
estudar direito em São Paulo e manda uma carta dizendo que é preciso
estudar aquela guerra civil, porque ela poderia servir de fundamento
para o que hoje nós chamaríamos de construção de uma identidade
regional. Na época, a Revolução Farroupilha era chamada de guerra civil.
Esses republicanos positivistas tinham bem a noção de que uma
identidade se constrói a partir de um mito fundador. Então era preciso
uma mitologia épica para construir essa unidade. Isso foi fartamente
explorado. Depois, historiadores como Varela e Alfredo Ferreira
Rodrigues ajudaram a construir uma ideia épica de revolução,
influenciados pela perspectiva histórica dominante no século XIX. Nos
anos 1930, os militares ligados ao Instituto Histórico e Geográfico
fazem, em plena Era Vargas, uma recuperação dos fatos com interesse
cívico de engrandecimento das atitudes militares. O interessante é que a
Revolução Farroupilha foi feita por militares e escrita por militares.
Sul21 – E qual o papel dos historiadores na desmistificação da revolução?
Juremir – Os grandes historiadores estão
desmistificando a Revolução Farroupilha. Nomes como Tau Golin, Moacyr
Flores, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Margeret Bakos, Décio Freitas…
Moacyr Flores talvez seja aquele que trabalhou mais intensamente a
Revolução Farroupilha. O livro “O Modelo Político dos Farrapos” é um
marco na desmistificação. Tau Golin fez uma espécie de panfleto que teve
muito impacto, questionando se Bento Gonçalves seria herói ou ladrão.
Margaret Bakos trouxe muitos dados sobre a condição do negro na
Revolução Farroupilha. São esses os caras que realmente têm escrito
coisas importantes sobre a Revolução Farroupilha. Se fosse na França,
esse pessoal estaria sendo destacado. Mas aqui é o inverso. Talvez
porque o Rio Grande do Sul, como qualquer lugar, precisa de um mito
fundador. E o que tem à mão é esse. A história, nesse sentido, estraga
um pouco este prazer. Os fatos históricos não confirmam toda essa
grandeza.
Sul21 – O que significa hoje comemorar a Revolução Farroupilha?
Juremir – Vale lembrar que a comemoração da Semana
Farroupilha, tal qual a fazemos hoje, começa em dezembro de 1964. É uma
obra da ditadura militar. O patriotismo servia muito bem nessa época.
Acho muito interessante a ideia de que essas pessoas se reúnem para
comemorar outra coisa. Comemoram um ideal de vida agropastoril, uma
nostalgia da vida no campo, quando éramos realmente gaúchos e tínhamos
estâncias. Há também o gosto de estar junto, de conviver e ter algo a
compartilhar – algo que o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de
“tribalismo”. Esse fenômeno pode estar no escotismo, numa torcida de
futebol, ou nesse congraçamento anual onde todos se encontram e brincam
um pouco de casinha, como dizia Flávio Alcaraz Gomes. A Revolução
Farroupilha surge como uma espécie de cimento para fortificar esse
interesse de estar junto. Mas ela também tem um componente ideológico
conservador. Muitos dos que estão comemorando a Revolução Farroupilha
não conhecem grande coisa da sua história. Se for examinar no detalhe,
eles não sabem. Conhecem a cartilha do Movimento Tradicionalista Gaúcho,
que só destaca aquilo que exclusivamente lhes convém.
Juremir:
"muitos dos que comemoram a Revolução Farroupilha não conhecem grande
coisa da sua história. Conhecem a cartilha do MTG" | Foto: Bernardo
Jardim Ribeiro/Sul21
Sul21 – Qual o papel da mídia na consolidação do mito?
Juremir – A mídia precisa adular esse público para
poder fidelizá-lo. É uma estratégia de marketing que reforça os mitos e
dificulta a desconstrução feita pelos historiadores. O interesse da
mídia nessa questão é meramente comercial. É uma estratégia de reforço
de algo que é caro ao público. Ninguém quer brigar com boa parte do Rio
Grande do Sul. É melhor dar uma adulada e deixar os universitários e
acadêmicos falarem outras coisas. Se o público está feliz, por que
estragar o prazer? Além de tudo, a mídia é conservadora. Muitas vezes os
jornalistas compartilham esses valores e acreditam nessas histórias
porque foram formados nessa matriz. Tudo isso entra no mesmo caldeirão
e, ano a ano, as vozes dos historiadores ficam praticamente inaudíveis.
Sul21 – O Rio Grande do Sul tem uma relação mais intensa com seus mitos do que outras regiões do país?
Juremir – Talvez, até pelo tipo de construção história
do Rio Grande do Sul, com tantas guerras de fronteira. Vários movimentos
e situações se aproveitaram disso: a República, os anos Vargas, a
ditadura militar e o crescimento do movimento tradicionalista.
Sul21 – Isso contribui para uma imagem mais arrogante do Rio Grande do Sul nos outros estados brasileiros?
Juremir – Isso é algo que só nós enxergamos. Os
cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma
espécie de carnaval a cavalo.
Sul21 – E o nosso hino? Cantamos um hino que fala em uma “ímpia e injusta guerra”.
Juremir – Nosso hino é racista, ainda por cima, quando
diz que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. É um insulto
àqueles que lutaram com os farroupilhas e foram atraídos a eles com a
promessa de liberdade.
Sul21 – Até hoje, o senhor ainda recebe críticas por causa do livro?
Juremir – Alguns historiadores preferem se afastar
desse tema. Cansam de brigar e ouvir insultos. Eu mesmo sofri todo tipo
de desqualificação. Diziam que eu não sou historiador e que o meu livro
só requenta outras informações. Na época que saiu o livro, a Farsul
ameaçou me processar, até por um mal entendido. Acharam que eu tinha
dito que a Farsul tinha os métodos das Farc. O que eu disse, na verdade,
foi que os farroupilhas tinham a ideologia da Farsul e os métodos das
Farc. Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar.
Senti hostilidade em muitas situações. Já perdi a conta do número de
insultos que recebi por e-mail, Twitter e Facebook. O maior insulto é a
tentativa permanente de desqualificação do teu trabalho.
*Turquinho