A sinuca americana
Os Estados Unidos advertiram o governo de Israel contra seu projeto de
ataque preemptivo às instalações nucleares do Irã, conforme noticiou The Guardian,
em sua edição de quarta-feira. O aviso não foi das autoridades civis de
Washington e, sim, dos comandantes das tropas militares
norte-americanas em operação na região do Golfo — o que, ao contrário do
que se pode pensar, é ainda mais sério. O argumento dos militares é o
de que esse ataque, além de não produzir os efeitos desejados — porque o
Irã teria como retomar o seu programa nuclear — traria dificuldades
políticas graves aos aliados ocidentais na região, sobretudo a Arábia
Saudita e os Emirados Árabes — de cujo abastecimento direto depende a 5ª
Frota e as bases das forças terrestres e aéreas que ali operam.
Embora as dinastias árabes pró-ocidentais temam o poderio militar do
Irã, temem mais a insurreição de seus súditos, no caso de que se façam
cúmplices de novo ataque a outro país muçulmano. Nunca é demais lembrar
que os Estados Unidos e a Europa dependem também do petróleo que passa
pelo golfo e atravessa o Canal de Suez, controlado pelo Egito.
Há, nos Estados Unidos — e, entre eles, alguns estrategistas do
Pentágono — os que pensam ser hora de ver em Israel um país como os
outros, sem a aura mitológica que o envolve, pelo fato de servir como
lar a um povo milenarmente perseguido e trucidado pela brutalidade do
nacional-socialismo. Uma coisa é o povo — e todos os povos têm, em sua
história, tempos de sacrifício e de heroísmo, embora poucos com tanta
intensidade quanto o judeu e, hoje, o palestino — e outra o Estado, com
as elites e os interesses que o controlam.
Nenhum outro governo — nem mesmo o dos Estados Unidos — é tão dominado
pelos seus militares quanto o de Israel. Eminente pensador judeu resumiu
o problema com a frase forte: todos os Estados têm um exército; em
Israel é o exército que tem um Estado.
O Pentágono acredita que uma guerra total contra o Irã seria apoiada
pelos seus aliados da região, mas os observadores europeus mais sensatos
não compartilham do mesmo otimismo. A ofensiva diplomática de Israel na
Europa, em busca de apoio para — em seguida às eleições
norte-americanas — uma ação imediata contra Teerã, não tem surtido
efeito. Londres avisou que não só é contrária a qualquer ação armada
mas, também, se nega a permitir o uso das ilhas de Diego Garcia e
Ascensão (cedidas pela Inglaterra para as bases ianques no Oceano
Índico), como plataforma para qualquer hostilidade contra o país
muçulmano.
Negativa da mesma natureza foi feita pela França, que, conforme disse
François Hollande a Netanyahu, não participará, nem apoiará, qualquer
iniciativa nesse sentido. É possível, embora não muito provável, que
Israel conte com Ângela Merkel. Israel tem esperança na vitória de
Romney, e a comunidade israelita dos Estados Unidos se encontra
dividida. Os banqueiros e grandes industriais de armamento, de origem
judaica, trabalham com afã para a derrota de Obama. E há o temor de que,
no caso da vitória republicana, os israelitas venham a aproveitar o
esvaziamento do poder democrata para o ataque planejado.
Além disso, Netanyahu não tem o apoio unânime entre os militares de seu
país para esse projeto. Amy Ayalon, antigo comandante da Marinha, e dos
serviços internos de segurança, o Shin Bet, disse que Israel não pode
negar a nova realidade nos países islâmicos: “Nós vivemos — avisa — em
novo Meio Oriente, onde as ruas se fortalecem e os governantes se
debilitam”. E vai ao problema fundamental: se Israel quer a ajuda dos
governos pragmáticos da região, terá que encontrar uma saída para a
questão palestina. É esta também a opinião, embora não manifestada com
clareza, do governo de Obama, de altos chefes militares americanos, e
dos círculos mais sensatos da comunidade judaica naquele país.
O fato é que os Estados Unidos se encontram em uma situação complicada.
Eles não têm condições militares objetivas para entrar em nova guerra na
região, sem resolver antes o problema do Iraque e do Afeganistão. Seus
pensadores mais lúcidos sabem que invadir o Irã poderá significar a
Terceira Guerra Mundial, com o envolvimento do Paquistão no conflito e,
em movimento posterior, da China e da Rússia. Washington, na defesa de
seus interesses geopolíticos, deu autonomia demasiada a Israel, armando
seu exército e o ajudando a desenvolver armas atômicas. Já não conseguem
controlar Tel Aviv.
Estarão dispostos, mesmo com o insensato Romney, a partir para uma
terceira guerra mundial? No tabuleiro de xadrez, se trata de “xeque ao
rei”; na mesa de bilhar, de sinuca de bico.
*comtextolivre