Eleições nos EUA: do mal menor ao mal maior – A morte do liberalismo crítico
James Petras
Há evidência ampla de que a presidência Obama puxou o espectro político
estado-unidense ainda mais para a direita. Na maior parte dos assuntos
de política interna e estrangeira Obama abraçou posições extremistas que
ultrapassam seu antecessor republicano e, no processo, devastou o que
restava da paz e dos movimentos sociais da década passada. Além disso, a
presidência Obama estabeleceu a base para o futuro imediato ao prometer
uma nova extensão de políticas regressivas a seguir às eleições
presidenciais: cortes na Segurança Social, Medicaid e Medicare. O
mandatário actual e seu opositor competem por centenas de milhões de
dólares de fundos de campanha dos doadores ricos, os quais eles terão de
reembolsar no período pós eleitoral com doações de milhares de milhões
de dólares, subsídios, abatimentos fiscais, políticas anti-trabalho e
anti-ambientais. Nem uma única proposta positiva foi avançada pela
campanha de Obama mas foram articuladas numerosas políticas militaristas
e socialmente regressivas. A campanha de Obama move-se num ambiente de
medo, competindo com as propostas reaccionárias da aliança Romney-Tea
Party: um encobrimento do seu próprio registo de gastos militares sem
precedentes, guerras sequenciais, expulsões de imigrantes, arrestos
hipotecários e salvamentos da Wall Street.
Neste
processo, os críticos liberais atravessaram a linha, abdicando da sua
integridade ao desviarem a atenção das políticas
militaristas-socialmente regressivas de Obama para centrarem-se no
"Romney opositor" como um "mal maior": progressistas e liberais críticos
multiplicaram e ampliaram a duplicidade do aparelho político de Obama.
Em nome da oposição ao actual "mal maior" (Romney) eles não ousam
enumerar e especificar os desumanos crimes políticos e monumentais
injustiças sócio-económicas perpetradas pelo seu candidato do "mal
menor" (Obama). Será que os "progressistas" alguma vez actuarão
honestamente e declararão: nós apoiamos Obama em "estados oscilantes"
porque ele assassinou "apenas" 10 mil afegãos, 5 mil iraquianos, está a
esfaimar 75 milhões de iranianos através de sanções, dá US$3 mil milhões
para a deslocação israelense de milhões de palestinos, superintendente
pessoalmente as execuções arbitrárias de cidadãos estado-unidenses e
promete uma lista de mortes extensa ... porque Romney promete ser pior
... Esperar honestidade dos proponente de "males menores" é tão
irrelevante como levar a sério o seu criticismo entre eleições.
O
dano político causado a si próprio pelos movimentos sociais e pela
classe trabalhadora dos EUA sob a presidência Obama é sem precedentes e
lançou a base para nova regressão social e maior belicosidade imperial.
Consequências políticas da presidência Obama: passado, presente e futuro
A
presidência Obama e as corridas das campanhas eleitorais passada e
actual tiveram um impacto devastador nos movimentos sociais populares,
empenhados em questões de paz, trabalho, direitos dos imigrantes e
constitucionais e regulamentação ambiental.
O
movimento da paz virtualmente desapareceu pois os seus líderes instaram
os apoiantes a voltarem-se para o apoio à eleição de Obama. Ele deu-lhes
o prémio ao escalar despesas militares e envolver-se em guerras
seguidas, directamente ou por intermediários, em sete países, provocando
caos e destruição. Teve de enfrentar uma oposição mínima pois
ex-activistas da paz, em desalento, distanciaram-se ou obtiveram um
posto e pediram desculpas pela guerra. Em 2012 os líderes da paz que se
seguem repetem a mesma lenga-lenga para apoiar Obama, mas não ousam
repetir a mentira passada (em nome da "paz") e dizem pretender "derrotar
Romney".
Os
movimentos de direitos de imigrantes antes da eleição de Obama em 2008
mobilizaram vários milhões ... até que foi infiltrado e tomado por
falcões políticos mexicano-americanos do Partido Democrata e
transformado numa máquina eleitoral para assegurar postos eleitos para
si próprios e para Obama. Ele premiou os imigrantes alcançando um
recorde: capturou, encarcerou e expulsou 1,5 milhão de imigrantes ao
longo do seu mandato. O movimento de massa dos direitos dos imigrantes
foi em grande medida desmantelado e agora prostitutos políticos do
Partido Democrata contratam propagandistas para arrebanhar e registar
eleitores imigrantes altamente desiludidos.
Os
afro-americanos foram o sector da classe trabalhadora dos EUA mais
abandonado sob Obama: experimentaram os mais altos níveis de desemprego e
arrestos de casas assim como os mais longos períodos de desemprego. Eles
tornaram-se politicamente invisíveis pois Obama dobrou-se para
apaziguar raivosos racistas brancos que procuram etiquetá-lo como um
"presidente negro". A liderança negra estabelecida – política e
religiosa – e as celebridades dos media efectuaram o bloqueio total a
qualquer expressão da oposição das bases, afirmando que isso só
"ajudaria os racistas" – ignorando a adopção e salvamento da Wall Street
branca por Obama e mostrando as costas a milhões de famílias negras em
dificuldades extremas. Sem movimento ou liderança, temerosos em relação
ao problema (racismo económico) e à solução (mais quatro anos de
invisibilidade sob Obama) a maior parte dos trabalhadores negros é
relegada à abstenção ou a apertar o nariz e votar pelo "Oreo" Obama.
O
movimento Occupy Wall Street, precisamente porque era independente do
Partido Democrata e enojado com a total subserviência de Obama à Wall
Street, proporcionou uma voz temporária à vasta maioria de americanos
que se opõem a ambos os partidos políticos. Os responsáveis locais e
estaduais do Partido Democrata aplaudiram "a causa" e a seguir
reprimiram o movimento.
Um movimento espontâneo
sem direcção política, e falto de uma liderança política alternativa,
era incapaz de confrontar o regime Obama: o movimento declinou e
desintegrou-se, muitos simpatizantes foram engolidos pela campanha de
propaganda do "menor mal" em Obama. O ânimo da massa popular para com a
Wall Street foi desactivado pela afirmação de Obama de ter salvo "a
economia" da catástrofe ao canalizar US$4,5 milhões de milhões para
dentro dos bolsos dos banqueiros.
Direitos
constitucionais foram dizimados pela defesa de Obama de julgamentos
militares, pela era de torturas de Bush, pela expansão do poder
executivo arbitrário incluindo o poder presidencial de assassinar
cidadãos dos EUA sem julgamento. Enquanto organizações legais lutavam o
bom combate por liberdades civis, a vasta maioria de liberais
notabilizou-se pela sua ausência de qualquer movimento democrático
prolongado em defesa dos direitos de 40 milhões de americanos sob
vigilância policial, especialmente cidadãos muçulmanos e imigrantes.
Eles optaram por não embaraçar o seu presidente democrata: colocaram a
reeleição de um estado-policial democrata acima da sua suposta defesa de
direitos constitucionais. Nem manifestações em massa por liberdades
civis, nem protestos contra a Segurança Interna, nem movimentos nas
universidades contra a abolição do direito de criticar Israel.
Durante
décadas as confederações sindicais e movimentos de cidadãos defenderam a
Segurança Social, o Medicare e o Medicaid. Com Obama no gabinete,
declarando abertamente, e preparando, grandes reduções e cláusulas
regressivas na cobertura (aumento da idade de qualificação) e na
indexação, não há movimento de protesto significativo. Programas que na
maior parte de um século (segurança social) ou meio século (Medicare,
Medicaid) era considerados intocáveis estão agora, segundo Obama, "em
cima da mesa" para serem estripados ("reformados", "ajustados"). Os
patrões milionários de sindicatos contratam um pequeno exército de
trabalhadores de campanha e colectam mais de US$150 milhões para
reeleger um presidente que promete fazer enormes cortes em programas
médicos para os pensionistas e os pobres. Obama legitimou as posições
sociais regressivas da extrema-direita enquanto o Partido Democrata
neutralizou qualquer oposição ou mobilização sindical.
Finalmente,
mas não menos importante, o regime Obama cooptou críticos progressistas
liberais-sociais via apoio pela porta dos fundos. Em nome da "oposição a
Romney" os sábios progressistas, como Chomsky e Ellsberg, acabaram numa
aliança com a Wall Street e bilionários do Silicon Valley, militaristas
do Pentágono, promotores da Segurança Interna e ideólogos sionistas
(Dennis Ross) para eleger Obama. Naturalmente, o apoio dos progressistas
será aceite – mas dificilmente reconhecido. Eles não terão qualquer
influência na futura política de Obama após a reeleição: serão
descartados como preservativos usados.
O futuro: consequências pós eleiltorais
Com
ou sem a reeleição de Obama, o seu regime e as sua políticas lançaram
as bases para uma agenda social ainda mais regressiva e reaccionária:
padrões de vida, incluindo saúde, previdência, segurança social, serão
cortados drasticamente. Afro-americanos permanecerão invisíveis excepto
para a polícia e o sistema judicial racista. Imigrantes serão
perseguidos, capturados e expulsos de casas e empregos: sonhos de
estudantes imigrantes tornar-se-ão pesadelos de medo. Esquadrões da
morte, guerras por procuradores (proxy) e com drones
multiplicar-se-ão para acompanhar a bancarrota do império
estado-unidense. Progressistas irresponsáveis e hipócritas mudarão a
marcha e criticarão o presidente que elegeram; ou se for Romney atacarão
os mesmos vícios que ignoraram durante a campanha eleitoral de Obama:
mais cortes nos gastos públicos e mudanças climáticas [NR]
resultarão em maior deterioração na vida quotidiana e da infraestrutura
básica; mais inundações, incêndios, pragas e apagões. Os nova-iorquinos
aprenderão a desintoxicar sua água do toilette; eles podem estar a
beber e a banhar-se nela.
03/Novembro/2012
*Gilsonsampaio