Vereadora Elaine Matozinhos, responda: Quem disse que direitos humanos é direito de bandido?
bhaz
A
vereadora Elaine Matozinhos perdeu, na última segunda feira, dia 5 de
novembro, uma excelente oportunidade de ficar calada. Ou talvez seja o
inverso: devemos agradecer à parlamentar por mostrar, em um
pronunciamento na Câmara Municipal de Belo Horizonte, sua postura
autoritária, irrefletida e danosa acerca do importantíssimo tema dos
Direitos Humanos. Ela, além disso, teceu considerações completamente
descabidas sobre a Comissão da Verdade e os crimes perpetrados pelo
Estado na Ditadura Militar, mas isso é assunto para outra coluna. Ver um
parlamentar defendendo, ainda que de forma velada, a tortura policial e
a ditadura em um discurso em um órgão público do Brasil redemocratizado
não é, infelizmente, algo incomum, pois vivemos em uma democracia ainda
recente.
Matozinhos,
que se tornou delegada durante a ditadura militar, parece não haver
abandonado o ranço truculento e antidemocrático que marcava as
instituições políticas e policiais no período e que, infelizmente,
deixou resíduos perceptíveis em muitas das práticas adotadas
cotidianamente em nosso país. A vereadora, basicamente, fez uso da
palavra, no exercício de suas funções para defender a postura
“idiotizante”, compartilhada por parte do senso comum, de que os
Direitos Humanos, atualmente, servem apenas para defender “bandidos” e
“vagabundos” e para atacar as polícias.
Não
existe mito no Brasil contemporâneo que não seja, ao mesmo tempo, tão
disseminado e tão falso. Apresentadores de programas sensacionalistas,
quando vão mostrar à população qualquer crime horrendo, sempre desfilam,
depois de uma tacanha entrevista com o suspeito, o mesmo repetitivo
discurso. O palavrório já deve ser conhecido de nossos leitores:
trata-se de uma caricatura grotesca de argumentação, dita sempre aos
berros e com o dedo indicador em riste, culpando os defensores dos
Direitos Humanos por todas as mazelas que hoje assolam nosso país.
Pois,
gostaríamos de deixar claro de uma vez por todas: quem defende os
Direitos Humanos defende a integridade física e a vida das pessoas que
se encontram sob a tutela prisional do estado sim, mas defende também, e
de muitas maneiras diferentes, os direitos e o bem estar de todos os
brasileiros.
Antes de
continuar, é importante explicar de forma clara o que são os tais
Direitos Humanos, que se tornaram o bode expiatório favorito de parte da
nossa imprensa.
Os
Direitos Humanos são nada mais do que o conjunto de normas e valores
considerados essenciais e básicos para que todo e qualquer ser humano
possa ter uma vida digna e livre. São normas criadas para garantir às
pessoas algumas prerrogativas sem as quais a vida humana não pode ser
nem inteiramente vida e nem inteiramente humana. A liberdade de
expressão, o direito à integridade física, a um julgamento justo, o
direito de ir e vir, à alimentação, à saúde, à educação, à moradia, à
expressão afetiva, à liberdade religiosa… todos esses são Direitos
Humanos.
Outra
característica importante dos Direitos Humanos é a sua universalidade.
Trata-se de uma simples questão de lógica: se esses direitos se
aplicassem apenas a uma parcela da população e não se aplicasse a outra,
o Estado não estaria reconhecendo uma parcela de seus habitantes como
gente, o que foi, exatamente, o que Hitler fez com os judeus, os ciganos
e os homossexuais.
A
universalidade dos Direitos Humanos tem implicações importantes: se você
defender que essa gama de prerrogativas básicas não se aplica aos
presos, sejam eles réus, condenados ou suspeitos, estará defendendo que,
na eventualidade (que não é assim tão eventual) de a polícia brasileira
cometer um erro e te meter no xilindró, você estará poderá se sujeitar à
tortura, a tratamentos degradantes, a privação de comida e água e a
todas as medidas absurdas e meramente vingativas que certas pessoas
defendem para combater a criminalidade.
Em nosso
país, os detentos são temporariamente privados de alguns direitos
humanos, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir e os direitos
políticos, mas reparem que não são direitos cuja suspensão acarreta
danos irreparáveis, como o direito à vida, à integridade física e à
saúde.
Pode-se
argumentar que o estado não garante saúde, educação, segurança e moradia
dignas para boa parte da população. Por que deveria garantir esse
direito aos presos?
Respondo:
não é o fato de o Brasil estar errado em não oferecer condições dignas
de vida para todos os seus súditos que estão livres, que vai tornar
corretas as violações aos Direitos Humanos dentro dos estabelecimentos
carcerários. Aliás, se existissem em nosso país políticas sérias e
efetivas de implementação dos Direitos Humanos em todas as esferas da
vida dos cidadãos, o problema da violência, que tanto parece preocupar
as “Elaines Matozinhos” que existem por aí seria, certamente, muito
menor.
Por
falar em Elaine Matozinhos, fica aqui um recado para a vereadora: a
liberdade de expressão, que garantiu à vereadora o direito de fazer uso
da palavra em um órgão público para suas imprecações raivosas e o direto
ao voto, que a colocou em seu atual cargo, são, ambos, Direitos
Humanos.
A defesa
dos Direitos Humanos é uma simples questão de raciocínio lógico e de
humanidade e discursos como os da vereadora só servem para desviar o
foco do verdadeiro problema: a pouca atenção que tem sido dada a esses
direitos por nossos órgãos políticos. Contra isso sim, vale a pena
discursar.
** Pedro Munhoz é (@pedromunhoz5) advogado e historiador. Escreve no Bhaz às quartas-feiras.
*Mariadapenhaneles