O dinheiro do contribuinte tem que ser mais bem empregado.
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Jânio não conseguiu varrer os privilégios fiscais da imprensa
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Li “A Renúncia de Jânio”, do jornalista Carlos Castelo Branco, o último grande colunista político brasileiro.
O que me levou a esse velho livro foram as recentes evocações do infame
golpe militar de 1964 em seu aniversário, no dia 31 de março.
O golpe, de alguma forma, começa em Jânio, o demagogo que renunciou à
presidência em 1961 quanto estava fazia apenas sete meses no cargo, por
motivos jamais explicados.
Mas o que mais me chamou a atenção no livro é um episódio que mostra
bem o regime de privilégios fiscais desfrutados há muito tempo pelas
empresas jornalísticas brasileiras.
Castelinho, que foi assessor de imprensa de Jânio, conta que certa vez
estava preparando uma sala para um pronunciamento que ele, Jânio, faria
naquela noite em rede nacional de televisão.
No lugar escolhido, a biblioteca do Palácio da Alvorada, Castelinho viu
sobre a mesma um exemplar do Estadão de domingo. Em cima, estava um
bilhete do presidente: “Não toquem neste jornal. Preciso dele”.
“Só soube do que se tratava quando Jânio o ergueu na mão para exibi-lo
audaciosamente ao país [na fala em rede] como fruto de privilégios, o
esbanjamento de papel comprado com subvenção oficial, pago, portanto,
pelo povo”, escreveu Castelinho.
É o chamado “papel imune”. Os contribuintes subvencionam há décadas o papel usado para imprimir jornais e revistas.
Jânio apontou o mal, mas não foi capaz de resolvê-lo. Os mesmos
empresários que tanto falam num Estado mínimo não se embaraçam em, nas
sombras, mamar nele em coisas como o papel imune, e em muitas outras.
Dinheiro público foi sempre usado também para financiar – em condições
de mãe para filho – empreendimentos que deveriam ser bancados por
nossos intrépidos, aspas, capitalistas da mídia.
Nos anos 90, Roberto Marinho comemorou ao lado de FHC a inauguração de
uma supergráfica projetada para quando o jornal chegasse – hahaha – à
marca de 1 milhão de exemplares.
FHC não estava na foto porque Roberto Marinho queria promovê-lo. É que o
governo tinha concedido um empréstimo especial às Organizações Globo
para fazer a gráfica que hoje parece uma piada.
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Na inauguração do parque gráfico da Globo, em 1999, o Estado serviu de babá
e evitou o risco de um investimento fracassado |
Por que o empréstimo? Ora, a Globo era então já uma potência. Tinha
mais de metade do faturamento da publicidade nacional, graças à tevê e a
expedientes amorais como o chamado BV (bonificação por vendas).
A empresa poderia, perfeitamente, bancar o passo (torto) que decidira
dar com a nova gráfica. Mas não. O Estado babá estava ali, à
disposição, na figura sorridente de FHC.
Essencialmente, o resultado é que a fortuna da família Marinho foi
poupada do risco de um investimento que poderia fracassar, como
aconteceu.
Coisa parecida aconteceu com as outras grandes empresas em suas
incursões para fazer novos parques gráficos: dinheiro farto, quase dado.
Fora o papel imune, naturalmente.
E fora, mais recentemente, artifícios como a criação de PJs (pessoas jurídicas) para reduzir os impostos pagos.
Note. As companhias jornalísticas não querem pagar impostos, mas depois
esperam que o Estado – com dinheiro alheio, do “Zé do Povo”, como
dizia o patriarca Irineu Marinho – esteja com os cofres cheios para
bancar seus investimentos.
Para completar a tragicomédia, as empresas promovem campanhas
sistemáticas de engambelação coletiva destinadas a provar, aspas, que os
impostos são elevados no Brasil.
Não são. A carga tributária brasileira, na casa de 35%, é bem menor que a de países modelos, como a Escandinávia.
A diferença é que, neles, as corporações pagam o que devem. Vá,
na Dinamarca ou na Noruega, inventar PJs e você é chutado da esfera
corporativa e submetido a desprezo nacional.
Para que o Brasil avance socialmente, as mamatas das empresas de mídia – fiscais e não só fiscais — têm que acabar.
Não é fácil, como vemos ao constatar o que deu do brado janista de meio
século atrás. Sucessivos governos têm vergado ao poder de intimidação
da mídia. (Para a qual vigora ainda uma inacreditável reserva de
mercado, aliás.)
Mas nada é fácil.
O poder de manipulação da mídia se reduziu, graças à internet.
Se há uma hora para fazer o que deve ser feito, é esta.
O dinheiro que custam as mordomias bilionárias da mídia deve servir à
sociedade: que se construam escolas, hospitais e estradas com ele, em
vez de vê-lo dar acesso à lista de superricos da Forbes.
Dilma tem que se mexer, em nome do Brasil.
Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo
*comtextolivre