Roberto Marinho comprou a TV Globo de São Paulo por 35 dólares. Com documentação falsa. E o STJ confirmou a transação
Sanguessugado do Mello
‘Nessa
nebulosa transação conduzida pessoalmente por Roberto Marinho, não
existe um só ato regular, legal, legítimo, é tudo fraude’
São
palavras do jornalista Helio Fernandes, comentando a decisão do STJ que
considerou válida a compra da TV Globo de SP por Roberto Marinho, por
inacreditáveis 35 dólares.
Leia a seguir o texto do jornalista, publicado hoje na Tribuna da Imprensa:
Site do STJ: “é válida a compra das ações da TV Globo realizada nas décadas de 60 e 70”. O que o site do STJ não diz: a decisão pode complicar a situação da TV Globo no caso da usurpação da TV Paulista
Por
unanimidade, a 4ª Turma do STJ, acompanhando voto do ministro João
Otávio de Noronha, segundo o site daquele tribunal, validou o contrato
de venda de 15.099 ações da Rádio Televisão Paulista S/A, (depois TV
Globo de São Paulo), no valor total de Cr$ 60.396,00 (o equivalente a APENAS 35 DÓLARES), a Roberto Marinho, conforme suposto recibo de pagamento datado de 5 de dezembro de 1964 e reiterado em 23 de julho de 1975, referente a 52% por cento do capital social inicial daquela sociedade anônima.
Com esse argumento que chega a ser RIDÍCULO (acreditar que alguém comprou uma emissora de TV na maior cidade do país por 35 DÓLARES),
o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial
interposto pelos herdeiros dos antigos acionistas da TV contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Rio que declarara prescrita aAÇÃO DECLARATÓRIA de Inexistência de Ato Jurídico ajuizada em 2001, que havia sido EQUIVOCADAMENTE julgada como se fosse AÇÃO ANULATÓRIA.
Na
matéria que publiquei dia 19, analisando as possibilidades desse
importante julgamento, registrei que, segundo o resultado, saberíamos
“se ainda há juízes em Berlim”, perdão, em Brasília. E pelo visto, não
há, ou é coisa rara, muito rara.
Segundo o site
do STJ, a TV Globo argumentou que os atos cometidos por Roberto Marinho
(procurações falsificadas, contrato nulo de compra e venda, e “montagem”
de assembleias gerais extraordinárias) NÃO FERIRAM A LEI,
alegando que “os mandatos outorgados a Oswaldo Junqueira Ortiz Monteiro
(pelos acionistas parentes e falecidos Hernani Junqueira, Manoel Vicente
da Costa e Manoel Bento da Costa) foram em causa própria e, por isso,
não se extinguem com a morte das partes”.
Essa
tese foi aceita pelo ministro-relator e demais ministros julgadores,
tendo então ficado definida a validade do seguinte recibo que teria sido
firmado por Oswaldo J. O. Monteiro, em 5 de dezembro de 1964, em favor
do comprador da emissora:
“RECIBO – Recebi
do Dr. Roberto Marinho em moeda corrente que contei e achei exata, a
importância de sessenta mil, trezentos e noventa e seis cruzeiros, pela
cessão do total de 15.099 (quinze mil e noventa e nove) ações do capital
inicial da Rádio Televisão Paulista S/A, do valor nominal de hum mil
cruzeiros cada uma, relativamente aos meus substabelecimentos, na pessoa
do mesmo, em 10/06/1962 de procuração de Hernani Junqueira Ortiz
Monteiro cobrindo 5.000 (cinco mil) ações; nesta data, de procuração de
Manoel Vicente da Costa cobrindo 2.700 (duas mil e setecentas) ações e
de Manoel Bento da Costa cobrindo 2.000 (duas mil) ações, e finalmente,
de procuração por mim outorgada ao mesmo nesta data, cobrindo 5.399
(cinco mil trezentos e noventa e nove) ações, para cumprimento final de
acordos com Victor Costa Petraglia Geraldine ou sucessores. São Paulo, 5
de dezembro de 1964”.
Caramba. No
volumoso processo, depois de ter ficado claro que as procurações tinham
sido falsificadas, pois eram das décadas de 50 e 60, mas já traziam
número de CIC (CPF), controle só criado na década de 70, e depois que a
própria TV Globo ter admitido que não comprou de Oswaldo Junqueira Ortiz
Monteiro a TV Paulista, mas sim de Victor Costa Petraglia Geraldine Jr,
que recebeu o equivalente a 2 MILHÕES DE DÓLARES (para vender o que não lhe pertencia, pois jamais tivera uma só ação da empresa), o relatou diz que não foi assim.
O
excelso ministro Noronha, portanto, foi mais realista do que o rei,
perdão, do que o próprio Roberto Marinho, que estava vivo, e muito vivo,
quando a ação judicial se iniciou. Nos autos deste processo, repita-se,
registre-se, ressalte-se, A GLOBO CONFESSOU QUE NÃO COMPROU A EMISSORA MEDIANTE RECIBOS E PROCURAÇÕES.
Mas
agora, no STJ, é Sua Exa. o relator João Otávio de Noronha (nunca foi
juiz, entrou no tribunal pelo chamado quinto constitucional) que muda
tudo e diz que o negócio não foi como a própria Globo diz ter
acontecido, mas sim como ele prefere, mediante os recibos e procurações.
Por quê?
Ora, Dr. Noronha saiu por esta “vereda
da salvação” porque há no processo uma perícia irreal, leviana e
despudorada, que alega serem os documentos válidos. Essa perícia,
totalmente comprometida com os interesses de Marinho e da TV Globo, não
levou em consideração nenhuma da fraudes insanáveis contidas nos
documentos: 1 – Nenhum dos papéis exibidos à Justiça pela Globo são
originais, tratava-se de cópias, e qualquer estudante de Direito sabe
que não se pode declarar a validade de cópias, sem confronto com
original. 2 – Muitos documentos, sequer tinham assinaturas e datas. 3 –
Em várias procurações, consta nº de CIC (CPF) que ainda nem existia. 4 –
O representante de Roberto Marinho era Luiz Eduardo Borgerth, e nas
procurações, quando teria apenas 21 anos, ele já aparecia como
“advogado, desquitado” e residente no endereço onde a Globo só iria se
instalar décadas depois. 5 – Há documentos, datados das décadas de 50 e
60, daligrafados com máquinas que não existiam na época.
A perita (?) alegou que os documentos eram válidos porque HAVIA A INTENÇÃO DE SER FEITO O NEGÓCIO.
E o “relator” e os outros 3 “ministros” agora seguiram o patético
parecer da perita, que nos autos foi fulminado pela investigação
independente do renomado Instituto Del Picchia de Documentoscopia.
O
relator e seus seguidores (?) não prestou atenção em nenhum detalhe que
não interessasse à TV Globo. Pelo contrário, nem reparou que, pouco
antes desse “pretenso negócio” com a família Ortiz Monteiro, “celebrado”
a 5 de dezembro de 1964, Marinho já tinha comprado de Victor Costa
Junior, em 9 de novembro de 1964, por cerca de DOIS MILHÕES DE DÓLARES,
os mesmos 52% do capital social da Rádio Televisão Paulista S/A, que,
28 dias depois, voltaria a comprar da família Monteiro por apenas 35 DÓLARES.
Assim,
primeiro comprou por 2 milhões de dólares, alguns dias depois comprou
de novo por 35 dólares. Se esta estória fosse contada a uma criança, ela
não acreditaria. Mas os doutos e sábios “ministros” do STJ acham isso
possível. Escrevem essas conclusões num acórdão e assinam embaixo. São
juízes de muita coragem, não há dúvida.
Pois
bem, vamos continuar no raciocínio que existe nos autos, está tudo lá,
basta ter vontade de saber o que aconteceu. Os quatro “ministros” não
perceberam umaTENEBROSA CONTRADIÇÃO. Se Roberto Marinho já tinha comprado essas 15.099 ações DUAS VEZES,
nos dias 9 de novembro e 5 de dezembro de 1964, porque na Assembléia
Geral Extraordinária, convocada por Victor Costa Junior para 10 de
fevereiro de 1965, Marinho participou apenas na condição de “pretendente
a subscritor do aumento de capital” e não como acionista controlador.
Respondam, se puderem.
Nessa nebulosa transação conduzida pessoalmente por Roberto Marinho, NÃO EXISTE UM SÓ ATO REGULAR, LEGAL, LEGÍTIMO,
é tudo fraude, farsa, manipulação grotesca e amadora, incluindo
dissimuladas e ardilosas manobras de bastidores, como a convocação dessa
Assembleia Geral Extraordinária por meio DE UM ANÚNCIO DE APENAS SEIS CENTÍMETROS, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, que ninguém viu ou leu.
Estranhamente,
Roberto Marinho compareceu à suposta Assembleia na condição de
pretendente a subscritor do aumento de capital e não como acionista.
Victor Costa Junior, que não era acionista, atuou como presidente,
dirigiu os trabalhos. E pasmem: dos 673 acionistas, compareceu apenas
Armando Piovesan, funcionário da emissora e titular de duas ações, e
que também representava os mesmos acionistas que em 5 de dezembro de
1964 (SEGUNDO O STJ) já teriam cedido todos os seus direitos
societários para Roberto Marinho e que, portanto, não poderiam outorgar
procuração a Armando Piovesan: Hernani Junqueira Ortiz Monteiro, Manoel
Vicente da Costa, Manoel Bento da Costa (falecidos) e Oswaldo Junqueira
Ortiz Monteiro.
Tratava-se de convocação para
deliberar sobre conveniência de aumento de capital social, mediante
utilização de saldos credores. Advertia, todavia, que as deliberações,
na forma da lei, ficariam em suspenso e somente teriam eficácia “depois
de aprovadas pelas autoridades governamentais competentes, a cujos
pronunciamentos permanecerão expressamente condicionadas e dependentes e
sem o que não terão validade, nem serão levadas ao registro de
comércio”. Mesmo assim, Marinho levou 12 anos para submeter às
autoridades a transferência da concessão.
Sobre
esses graves fatos, pois em verdade a indigitada Assembleia se instalou
sem quorum algum (se é que se instalou), o Ministério Público Federal,
em procedimento administrativo assim se manifestou:
“Há
notícia, nos referidos autos, de uma Assembléia Geral Extraordinária,
em 10 de fevereiro de 1965, para deliberação do aumento do capital
social. Consta da Ata da Assembléia, que Roberto Marinho (não sendo
oficialmente acionista) subscreveu o referido aumento, havendo registro
de que ninguém mais se interessou em fazê-lo. Consta do documento que
Armando Piovesan teria procuração para representar Oswaldo Junqueira
Ortiz Monteiro, Hernani Junqueira Ortiz Monteiro, Clélio Marmo e Manoel
Bento da Costa. Para os demais acionistas minoritários, possuidores de
48% do capital social, não há registro de que teriam participado da
Assembléia ou de que foram representados.
Ocorre
que Armando não poderia ter representado Hernani, porque este, à época
dos fatos (10/02/65), já havia falecido (23/06/62). Este fato, também
fez com que a procuração outorgada a Oswaldo tivesse perdido a validade.
Frisa-se
que se o ato da transferência das ações, datado de 05/12/64, tivesse
realmente ocorrido, Armando não precisaria agir em nome dos acionistas
primitivos porque as ações já pertenceriam a Roberto Marinho”.
E
mais: nos autos há uma procuração pessoal de Oswaldo Junqueira em
favor de Roberto Marinho e também datada de 5 de dezembro de 1964,
transferindo-lhe as suas 5.399 ações pessoais, o que mais complica a
participação de Armando Piovesan na AGE de 10 de fevereiro de 1965, como
procurador dos acionistas majoritários mortos e de Oswaldo, que antes
disso (SEGUNDO O STJ) já teria outorgado plenos poderes a Roberto Marinho.
***
PS – Como vimos, ao Ministério Público Federal não passou despercebida a TENEBROSA CONTRADIÇÃO levantada nos autos e agora explicitada aqui. Porém, nenhum dos “ministros” do STJ percebeu nada.
PS2
– Portanto, se não há mais juízes em Berlim, perdão, em Brasília,
sabemos que, pelo menos, há juristas no Ministério Público Federal, por
onde, queiram ou não, essa questão acabará passando, mesmo que seja por
ação civil pública sobre a concessão irregular da emissora.
PS3
– Outra contradição: se era legalmente dono da emissora, porque Roberto
Marinho demorou 12 anos para legalizar a troca da concessão, quando a
legislação obriga que a transferência seja autorizada previamente pelo
Governo, ANTES DA COMPRA E VENDA.
PS4 –
Se, como decidiu o STJ, “é válida a compra das ações da TV Globo
realizada nas décadas de 60 e 70”, com documentos anacrônicos, segundo o
Instituto Del Picchia de Documentoscopia, por que Roberto Marinho,
Victor Costa Junior e Armando Piovesan, ignoraram esse direito e
promoveram uma Assembleia totalmente viciada?
PS5
– Os advogados da Globo, ao contrário do que se pensa, saíram
apreensivos do julgamento no STF. A versão considerada como “ato
jurídico perfeito” pelos “ministros” na verdade é prejudicial á TV
Globo, porque a concessão foi outorgada a Roberto Marinho mediante o
contrato (sem valor) com Victor Costa Jr, e não houve anexação de nenhum
recibo assinado por Ortiz Monteiro.
PS6 – Ainda
há um longo caminho jurídico a percorrer, já que o “acórdão” do STJ,
sem dúvida, sairá repleto de inconstitucionalidades, a começar pela
mudança de AÇÃO DECLARATÓRIA para AÇÃO ANULATÓRIA.
PS6
– É uma novela eletrizante. Aguardem os próximos capítulos, perdão,
comentários. E já que a decisão do STJ deu realce especial ao trabalho
da perita, que validou os documentos tidos como falsos, logo logo, vamos
voltar especificamente a esse tema.
*GilsonSampaio