Princípios Básicos do Comunismo - Friedrich Engels
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Princípios Básicos do Comunismo[N36]
Friedrich Engels
Novembro de 1847
Transcrição autorizada |
Primeira Edição: Escrito em fins
de Outubro e Novembro de 1847. Publicado pela primeira vez em ção
separada em 1914. Publicado segundo o manuscrito.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!"
Tradução: José BARATA-MOURA ( Traduzido do alemão.)
Transcrição: José Braz e Maria de Jesus Coutinho.
HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" – Edições Progresso Lisboa – Moscovo, 1982.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!"
Tradução: José BARATA-MOURA ( Traduzido do alemão.)
Transcrição: José Braz e Maria de Jesus Coutinho.
HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" – Edições Progresso Lisboa – Moscovo, 1982.
1.ª Pergunta: Que é o comunismo?
Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.
2.ª P[ergunta]: Que é o proletariado?
R[esposta]: O proletariado é aquela
classe da sociedade que tira o seu sustento única e somente da venda do
seu trabalho e não do lucro de qualquer capital; [aquela classe] cujo
bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte, cuja total existência
dependem da procura do trabalho e, portanto, da alternância dos bons e
dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma concorrência
desenfreada. Numa palavra, o proletariado ou a classe dos proletários é a
classe trabalhadora do século XIX.
3.ª P[ergunta]: Portanto, nem sempre houve proletários?
R[esposta]: Não. Classes pobres e
trabalhadoras sempre houve; e as classes trabalhadoras eram, na maioria
dos casos, pobres. Mas nem sempre houve estes pobres, estes operários
vivendo nas condições que acabamos de assinalar, portanto, [nem sempre
houve] proletários, do mesmo modo que a concorrência nem sempre foi
livre e desenfreada.
4.ª P[ergunta]: Como é que apareceu o proletariado?
R[esposta]: O proletariado apareceu com a
revolução industrial, que se processou em Inglaterra na segunda metade
do século passado e que, desde então, se repetiu em todos os países
civilizados do mundo. Esta revolução industrial foi ocasionada pela
invenção da máquina a vapor, das várias máquinas de fiar, do tear
mecânico e de toda uma série de outros aparelhos mecânicos. Estas
máquinas, que eram muito caras e, portanto, só podiam ser adquiridas
pelos grandes capitalistas, transformaram todo o modo de produção
anterior e suplantaram os antigos operários, na medida em que as
máquinas forneciam mercadorias mais baratas e melhores do que as que os
operários podiam produzir com as suas rodas de fiar e teares
imperfeitos. Estas máquinas colocaram, assim, a indústria totalmente nas
mãos dos grandes capitalistas e tornaram a escassa propriedade dos
operários (ferramentas, teares, etc.) completamente sem valor, de tal
modo que, em breve, os capitalistas tomaram tudo nas suas mãos e os
operários ficaram sem nada. Assim se instaurou na confecção de tecidos o
sistema fabril. Uma vez dado o impulso para a introdução da maquinaria e
do sistema fabril, este sistema foi também muito rapidamente aplicado a
todos os restantes ramos da indústria, nomeadamente, à estampagem de
tecido e à impressão de livros, à olaria, à indústria metalúrgica. O
trabalho foi cada vez mais dividido entre cada um dos operários, de tal
modo que o operário que anteriormente fizera toda uma peça de trabalho
agora passou a fazer apenas uma parte dessa peça. Esta divisão do
trabalho tornou possível que os produtos fossem fornecidos mais depressa
e, portanto, mais baratos. Ela reduziu a actividade de cada operário a
um gesto mecânico muito simples, repetido mecanicamente a cada instante,
o qual podia ser feito por uma máquina não apenas tão bem, mas ainda
muito melhor. Deste modo, todos estes ramos da indústria caíram, um após
outro, sob o domínio da força do vapor, da maquinaria e do sistema
fabril, da mesma maneira que a fiação e a tecelagem.
Mas por este facto elas caíram, ao mesmo
tempo, completamente nas mãos dos grandes capitalistas e aos operários
foi assim retirado também o último resto de independência. Pouco a
pouco, para além da própria manufactura, também o artesanato caiu cada
vez mais sob o domínio do sistema fabril, uma vez que, aqui também, os
grandes capitalistas suplantaram os pequenos mestres por meio da
montagem de grandes oficinas, com as quais muitos custos eram poupados e
o trabalho podia igualmente ser dividido. Chegámos assim a que, nos
países civilizados, quase todos os ramos de trabalho são explorados
segundo o modelo fabril e, em quase todos os ramos de trabalho, o
artesanato e a manufactura foram suplantados pela grande indústria.
Por isso, a antiga classe média, em
especial os pequenos mestres artesãos, fica cada vez mais arruinada, a
anterior situação dos operários fica completamente transformada e
constituem-se duas novas classes, que a pouco e pouco absorvem todas as
restantes, a saber:
- A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência; Esta é a classe dos burgueses, ou a burguesia.
- A classe dos que nada possuem, os quais, em virtude disso, estão obrigados a vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de existência necessários ao seu sustento. Esta classe chama-se a classe dos proletários, ou o proletariado.
5.ª P[ergunta]: Em que condições tem lugar esta venda do trabalho dos proletários aos burgueses?
R[esposta]: O trabalho é uma mercadoria
como qualquer outra, e daí que o seu preço seja determinado precisamente
pelas mesmas leis que o de qualquer outra mercadoria. O preço de uma
mercadoria, sob o domínio da grande indústria ou da livre concorrência –
o que, como veremos, vem a dar ao mesmo -, é, porém, em média, sempre
igual aos custos de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho é,
portanto, também igual aos custos de produção do trabalho. Os custos de
produção do trabalho consistem, porém, precisamente, em tantos meios de
existência quantos os [que são] necessários para manter os operários em
condições de continuar a trabalhar e para não deixar extinguir-se a
classe operária. O operário não obterá, portanto, pelo seu trabalho mais
do que aquilo que é necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o
salário, será, portanto, o mais baixo possível, o mínimo que é
necessário para o sustento. Pelo facto de que, porém, os tempos ora são
piores, ora são melhores, para o negócio, o operário ora receberá mais,
ora receberá menos, tal como o fabricante receberá ora mais, ora menos,
pela sua mercadoria. Do mesmo modo, porém, que o fabricante, na média
dos tempos bons e dos [tempos] maus para o negócio, não obtém pela sua
mercadoria nem mais nem menos do que os seus custos de produção, também o
operário, em média, não receberá nem mais nem menos do que aquele mesmo
mínimo. Esta lei económica do salário realizar-se-á tanto mais
rigorosamente quanto mais a grande indústria se for apoderando de todos
os ramos do trabalho.
6.ª P[ergunta]: Que classes de trabalhadores houve antes da revolução industrial?
R[esposta]: Consoante as diversas etapas
de desenvolvimento da sociedade, assim as classes trabalhadoras viveram
em condições diversas e tiveram posições diversas relativamente às
classes proprietárias e dominantes. Na Antiguidade, os trabalhadores
eram escravos dos proprietários, como ainda o são em muitos países
atrasados e, inclusiva mente, na parte sul dos Estados Unidos. Na Idade
Média eram servos dos nobres proprietários de terras, como ainda o são
na Hungria, na Polónia e na Rússia. Na Idade Média, e até à revolução
industrial, houve ainda, além disso, nas cidades, oficiais artesãos que
trabalhavam ao serviço de mestres pequeno-burgueses e, a pouco e pouco,
com o desenvolvimento da manufactura, apareceram os operários das
manufacturas que eram já empregados por grandes capitalistas.
7.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do escravo?
R[esposta]: O escravo está vendido de
uma vez para sempre; o proletário tem de se vender a si próprio
diariamente e hora a hora. O indivíduo escravo, propriedade de um
senhor, tem uma existência assegurada, por muito miserável que seja, em
virtude do interesse do senhor; o indivíduo proletário – propriedade,
por assim dizer, de toda a classe burguesa -, a quem o trabalho só é
comprado quando alguém dele precisa, não tem a existência assegurada.
Esta existência está apenas assegurada a toda a classe dos proletários. O
escravo está fora da concorrência, o proletário está dentro dela e
sente todas as suas flutuações. O escravo vale como uma coisa, não como
um membro da sociedade civil; o proletário é reconhecido como pessoa,
como membro da sociedade civil. O escravo pode, portanto, levar uma
existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a
uma etapa superior do desenvolvimento da sociedade e está ele próprio
numa etapa superior à do escravo. O escravo liberta-se ao abolir, de
entre todas as relações de propriedade privada, apenas a relação de
escravatura e ao tornar-se, assim, ele próprio proletário; o proletário
só pode libertar-se ao abolir a propriedade privada em geral.
8.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do servo?
R[esposta]: O servo tem a posse e o
usufruto de um instrumento de produção, de uma porção de terra, contra a
entrega de uma parte do produto, ou contra a prestação de trabalho. O
proletário trabalha com instrumentos de produção de outrem por conta
desse outrem, contra o recebimento de uma parte do produto. O servo
entrega, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o
proletário não a tem. O servo está fora da concorrência, o proletário
está dentro dela. O servo liberta-se fugindo para as cidades e
tornando-se aí artesão, ou dando ao seu amo dinheiro, em vez de trabalho
e produtos, e tornando-se rendeiro livre, ou expulsando o senhor feudal
e tornando-se ele próprio proprietário: em suma, entrando, de uma ou de
outra maneira, na classe proprietária e na concorrência. O proletário
liberta-se abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as
diferenças de classes.
9.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do artesão?
R[esposta]: (1)
10.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do operário manufactureiro?
R[esposta]: O operário manufactureiro
dos séculos XVI a XVIII ainda tinha quase sempre na sua posse um
instrumento de produção: o seu tear, as rodas de fiar para a família, um
pequeno terreno que cultivava nas horas vagas. O proletário não tem
nada disso. O operário manufactureiro vive quase sempre no campo e em
relações mais ou menos patriarcais com o seu amo ou patrão; o proletário
vive, na maioria dos casos, em grandes cidades e está numa pura relação
de dinheiro com o seu patrão. O operário manufactureiro é arrancado das
suas relações patriarcais pela grande indústria, perde a propriedade
que ainda possuía e só então se torna ele próprio proletário.
11.ª P[ergunta]: Quais foram as consequências imediatas da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?
R[esposta]: Em primeiro lugar, em
todos os países do mundo, o velho sistema da manufactura ou da
indústria assente na trabalho manual foi completamente destruído pelo
facto de os preços dos artigos industriais se tornarem cada vez mais
baratos em consequência do trabalho das máquinas. Todos os países
semibárbaros, os quais, até então, tinham permanecido mais ou menos
alheios ao desenvolvimento histórico, e cuja indústria, até então,
assentara na manufactura, foram, desta forma, violentamente arrancados
ao seu isolamento. Compraram as mercadorias mais baratas dos Ingleses e
deixaram arruinar os seus próprios operários manufactureiros. Assim,
países que há milénios não faziam qualquer progresso, como por exemplo a
Índia, foram revolucionados de uma ponta a outra, e a própria China
caminha agora para uma revolução. As coisas chegaram a tal ponto que uma
nova máquina hoje inventada na Inglaterra deixa sem pão, no espaço de
um ano, milhões de operários na China. Deste modo, a grande indústria
colocou em relação uns com os outros todos os povos da Terra, juntou
todos os pequenos mercados locais no mercado mundial, preparou, por toda
a parte, o terreno para a civilização e o progresso, de modo que tudo
aquilo que acontece nos países civilizados tem de repercutir-se em todos
os outros países. De tal modo, que se agora em Inglaterra ou em França,
os operários se libertarem, isso terá de arrastar consigo revoluções em
todos os países, as quais, mais tarde ou mais cedo, conduzirão
igualmente à libertação dos operários locais.
Em segundo lugar, em toda a parte
em que a grande indústria substituiu a manufactura, a burguesia
desenvolveu, no mais alto grau, a sua riqueza e o seu poder, e tornou-se
a primeira classe do país. A consequência disto foi que, em toda a
parte onde isso aconteceu, a burguesia tomou nas suas mãos o poder
político e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os
burgueses das corporações e a monarquia absoluta que os representava a
ambos. A burguesia aniquilou o poder da aristocracia, da nobreza, ao
abolir os morgadios ou a inalienabilidade da propriedade fundiária e
todos os privilégios da nobreza. Destruiu o poder dos burgueses das
corporações, ao abolir as corporações e os privilégios dos artesãos. A
ambos substituiu pela livre concorrência, isto é, o estado da sociedade
em que cada um tem o direito de explorar qualquer ramo da indústria e em
que nada o pode impedir da exploração do mesmo a não ser a falta do
capital para tanto necessário. A introdução da livre concorrência e,
portanto, a declaração pública de que, daí em diante, os membros da
sociedade são apenas desiguais na medida em que os seus capitais são
desiguais, de que o capital se tornou o poder decisivo e [de que], com
isso, os capitalistas, os burgueses [se tornaram] a primeira classe da
sociedade. A livre concorrência é, porém, necessária para o começo da
grande indústria, porque é o único estado da sociedade em que a grande
indústria pode crescer. A burguesia, depois de ter aniquilado por esta
forma o poder social da nobreza e dos burgueses das corporações,
aniquilou-lhes também o poder político. Assim como na sociedade se
elevou a primeira classe, proclamou-se também como primeira classe
politicamente. Fê-lo com a introdução do sistema representativo, que
assenta na igualdade burguesa perante a lei, no reconhecimento legal da
livre concorrência, e que nos países europeus foi instaurado sob a forma
da monarquia constitucional. Nestas monarquias constitucionais são
apenas eleitores aqueles que possuem um certo capital, ou seja, apenas
os burgueses elegem os deputados, e estes deputados burgueses, por meio
do direito de recusar impostos, elegem um governo burguês.
Em terceiro lugar, ela [a
revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o proletariado na
mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os
burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais
numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do capital podem
ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a
multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a
multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os burgueses
como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais
vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes
massas num mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força.
Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se desenvolve, quanto
mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto
mais, como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu
mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado cada vez mais
insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o
descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do
proletariado, uma revolução da sociedade pelo proletariado.
12.ª P[ergunta]: Que outras consequências teve a revolução industrial?
R[esposta]: A grande indústria criou,
com a máquina a vapor e as outras máquinas, os meios para multiplicar
até ao infinito a produção industrial num tempo curto e com poucos
custos. Sendo a produção tão fácil, a livre concorrência necessariamente
decorrente desta grande indústria muito depressa assumiu um carácter
extremamente intenso; um grande número de capitalistas lançou-se na
indústria e, a breve trecho, produzia-se mais do que podia ser
consumido. A consequência disso foi que as mercadorias fabricadas não
podiam ser vendidas e sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas
tiveram de ficar paradas, os fabricantes caíram na bancarrota e os
operários ficaram sem pão. Por toda a parte sobreveio a maior miséria.
Depois de algum tempo foram-se vendendo os produtos em excesso, as
fábricas voltaram a trabalhar, o salário subiu e, pouco a pouco, os
negócios passaram a ir melhor do que nunca. Mas não por muito tempo, já
que de novo voltaram a produzir-se mercadorias em excesso e sobreveio
uma nova crise, que seguiu precisamente o mesmo curso que a anterior.
Assim, desde o começo deste século, a situação da indústria tem oscilado
continuamente entre épocas de prosperidade e épocas de crise, e quase
regularmente, de cinco em cinco anos, ou de sete em sete anos, sobreveio
uma destas crises, de todas as vezes conjugada com a maior miséria dos
operários, com uma agitação revolucionária geral e com o maior perigo
para toda a ordem vigente.
13ª P[ergunta]: o que é que resulta destas crises comerciais que se repetem regularmente?
R[esposta]: Em primeiro lugar,
que a grande indústria, apesar de na sua primeira época de
desenvolvimento ter ela própria dado origem à livre concorrência, está
agora, contudo, a abandonar a livre concorrência; que a concorrência e,
em geral, a exploração da produção industrial por singulares se tomou
para ela um grilhão que tem de quebrar e quebrará; que a grande
indústria, enquanto for empreendida na base actual, somente se pode
manter por meio de uma perturbação geral repetida de sete em sete anos, a
qual ameaça, de cada vez, toda a civilização, e não só faz cair os
proletários na miséria como também arruína um grande número de
burgueses; que, portanto, ou a própria grande indústria tem de ser
completamente abandonada – o que é uma absoluta impossibilidade -, ou
então ela torna absolutamente necessária uma organização totalmente nova
da sociedade, na qual já não são os fabricantes individuais, em
concorrência entre si, mas toda a sociedade, de acordo com um plano
estabelecido e segundo as necessidades de todos, quem dirige a produção
industrial.
Em segundo lugar, que a grande
indústria e a expansão da produção até ao infinito por ela tornada
possível, tornam possível um estado da sociedade em que é produzido
tanto de tudo o que é necessário à vida que cada membro da sociedade
ficará por esse facto em condições de desenvolver e de pôr em prática
todas as suas forças e aptidões em completa liberdade. De tal modo que
precisamente aquela qualidade da grande indústria que dá origem, na
sociedade de hoje, a toda a miséria e a todas as crises comerciais, é a
mesma que, numa outra organização social, acabará com essa miséria e com
essas oscilações que causam tanta infelicidade.
De tal modo que fica provado da maneira mais clara:
- que de agora em diante todos estes males são de imputar à ordem social que já não se adequa às condições existentes, e
- que já existem os meios para eliminar completamente estes males por meio de uma nova ordem social.
14.ª P[ergunta]: De que tipo terá de ser esta nova ordem social?
R[esposta]: Antes do mais, ela tirará a
exploração da indústria e de todos os ramos da produção em geral das
mãos de cada um dos indivíduos singulares em concorrência uns com os
outros e, em vez disso, terá de fazer explorar todos esses ramos da
produção por toda a sociedade, isto é, por conta da comunidade, segundo
um plano da comunidade e com a participação de todos os membros da
sociedade. Abolirá, portanto, a concorrência e estabelecerá, em lugar
dela, a associação. Uma vez que a exploração da indústria por singulares
tinha como consequência necessária a propriedade privada, e que a
concorrência não é mais do que o modo da exploração da indústria pelos
proprietários privados individuais, a propriedade privada não pode ser
separada da exploração individual da indústria nem da concorrência. A
propriedade privada terá, portanto, igualmente de ser abolida e, em seu
lugar, estabelecer-se-á a utilização comum de todos os instrumentos de
produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum, ou a
chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada é mesmo a
expressão mais breve e mais característica desta transformação de toda a
ordem social necessariamente resultante do desenvolvimento da
indústria, e por isso é com razão avançada pelos comunistas como
reivindicação principal.
15.ª P[ergunta]: Então a abolição da propriedade privada não era possível anteriormente?
R[esposta]: Não. Todas as transformações
da ordem social, todas as revoluções nas relações de propriedade, têm
sido consequência necessária da criação de novas forças produtivas que
já não se iam adequar às antigas relações de propriedade. Foi assim que a
própria propriedade privada surgiu. Porque a propriedade privada nem
sempre existiu; quando, nos finais da Idade Média, foi criado na
manufactura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à
propriedade feudal e corporativa da altura, é que esta manufactura, que
já não cabia dentro das antigas relações de propriedade, deu, então,
origem a uma nova forma de propriedade. Para a manufactura e para a
primeira etapa do desenvolvimento da grande indústria não era possível,
porém, qualquer outra forma de propriedade a não ser a propriedade
privada. Enquanto não puder ser produzido tanto que seja não só
suficiente para todos, mas que também fique um excedente de produtos
para aumento do capital social e para a formação de mais forças
produtivas, terá sempre de haver uma classe dominante, dispondo das
forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida. A maneira
como estas classes serão constituídas dependerá da etapa de
desenvolvimento da produção. A Idade Média, dependente do cultivo da
terra, dá-nos o barão e o servo; as cidades da baixa Idade Média
mostram-nos o mestre da corporação, o oficial e o jornaleiro; o século
XVII tem o proprietário da manufactura e o operário manufactureiro; o
século XIX – o grande fabricante e o proletário. É claro que até aqui as
forças produtivas não estavam ainda tão desenvolvidas ao ponto de se
poder produzir o suficiente para todos e de a propriedade privada se ter
tornado para essas forças produtivas um grilhão e um entrave. Hoje,
porém, quando, pelo desenvolvimento da grande indústria se criaram, em primeiro lugar,
capitais e forças produtivas numa quantidade nunca antes conhecida e
existem meios para, num curto lapso de tempo, multiplicar essas forças
produtivas até ao infinito; quando, em segundo lugar, essas
forças produtivas estão concentradas nas mãos de poucos burgueses,
enquanto a grande massa do povo se converte cada vez mais em
proletários, enquanto a sua situação se torna mais miserável e
insuportável, na mesma proporção em que se multiplicam as riquezas dos
burgueses; quando, em terceiro lugar, estas forças produtivas
poderosas e que se multiplicam facilmente ultrapassaram de tal maneira a
propriedade privada e os burgueses que provocam a cada momento as mais
violentas perturbações na ordem social – agora a abolição da propriedade
privada não se tornou apenas possível, tornou-se inteiramente
necessária.
16.ª P[ergunta]: Será possível a abolição da propriedade privada por via pacífica?
R[esposta]: Seria de desejar que isso
pudesse acontecer, e os comunistas seriam certamente os últimos que
contra tal se insurgiriam. Os comunistas sabem muitíssimo bem que todas
as conspirações são não apenas inúteis, como mesmo prejudiciais. Eles
sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas propositada nem
arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar, elas
foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente
independentes da vontade e da direcção deste ou daquele partido e de
classes inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do
proletariado em quase todos os países civilizados é violentamente
reprimido e que, deste modo, os adversários dos comunistas estão a
contribuir com toda a força para uma revolução. Acabando assim o
proletariado oprimido por ser empurrado para uma revolução, nós, os
comunistas, defenderemos nos actos, tão bem como agora com as palavras, a
causa dos proletários.
17.ª P[ergunta]: Será possível abolir a propriedade privada de um só golpe?
R[esposta]: Não, do mesmo modo que não
se podem fazer aumentar de um só golpe as forças produtivas já
existentes tanto quanto é necessário para a edificação da comunidade (2).
Por isso a revolução do proletariado, que com toda a naturalidade se
vai aproximando, só a pouco e pouco poderá, portanto, transformar a
sociedade actual, e somente poderá abolir a propriedade privada quando
estiver criada a massa de meios de produção necessária para isso.
18ª P[ergunta]: Que curso de desenvolvimento tomará essa revolução?
R[esposta]: Ela estabelecerá, antes do mais, uma Constituição democrática do Estado,
e com ela, directa ou indirectamente, o domínio político do
proletariado. Directamente, em Inglaterra, onde os proletários
constituem já a maioria do povo. Indirectamente, em França e na
Alemanha, onde a maioria do povo não consiste apenas em proletários mas
também em pequenos camponeses e pequenos burgueses, os quais começam a
estar envolvidas no processo de passagem ao proletariado, se tornam cada
vez mais dependentes deste em todos os seus interesses políticos e,
portanto, têm de se acomodar em breve às reivindicações do proletariado.
Isto custará, talvez, uma segunda luta, a qual, porém, só pode terminar
com a vitória do proletariado.
A democracia seria totalmente inútil
para o proletariado se ela não fosse utilizada imediatamente como meio
para a obtenção de outras medidas que ataquem directamente a propriedade
privada e assegurem a existência do proletariado. As medidas
principais, tal como decorrem, já agora, como consequência necessária,
das condições existentes, são as seguintes:
- Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, altos impostos sobre heranças, abolição da herança por parte das linhas colaterais (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos forçados, etc.
- Expropriação gradual dos latifundiários, fabricantes, proprietários de caminhos-de-ferro e armadores de navios, em parte pela concorrência da indústria estatizada, em parte, directamente, contra indemnização em papéis do Estado.
- Confiscação dos bens de todos os emigrantes (3) e rebeldes contra a maioria do povo.
- Organização do trabalho ou ocupação dos proletários em herdades nacionais, fábricas e oficinas, pela qual se elimina a concorrência dos operários entre si e os fabricantes são obrigados, enquanto ainda subsistirem, a pagar o mesmo salário elevado que o Estado.
- Igual obrigação de trabalho para todos os membros da sociedade até à completa abolição da propriedade privada Formação de exércitos industriais, sobretudo, para a agricultura.
- Centralização do sistema de crédito e da banca nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e repressão de todos os bancos privados e banqueiros.
- Multiplicação do número de fábricas, oficinas, caminhos-de-ferro e navios nacionais, cultivo de todas as terras e melhoramento das já cultivadas, na mesma proporção em que se multiplicarem os capitais e os operários que se encontram à disposição da nação.
- Educação de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem os cuidados maternos, em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado. Combinar a educação e o trabalho fabril.
- Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para habitações colectivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria como à agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da rural, sem partilhar da unilateralidade e dos defeitos de ambos os modos de vida.
- Destruição de todas as habitações e bairros insalubres e mal construídos.
- Igualdade de direito de herança para os filhos ilegítimos e legítimos.
- Concentração de todo o sistema de transportes nas mãos da nação.
Naturalmente, nem todas estas medidas
podem ser empreendidas de uma só vez. Porém, uma arrasta sempre atrás de
si a outra. Uma vez realizado o primeiro ataque radical contra a
propriedade privada, o proletariado ver-se-á obrigado a seguir sempre
para diante, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o
capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a
troca. É para aí que todas estas medidas apontam; e elas tornar-se-ão
aplicáveis e desenvolverão as suas consequências centralizadoras na
precisa medida em que as forças produtivas do país sejam multiplicadas
pelo trabalho do proletariado. Finalmente, quando todo o capital, toda a
produção e toda a troca estiverem concentrados nas mãos da nação, a
propriedade privada desaparecerá por si própria, o dinheiro tornar-se-á
supérfluo e a produção aumentará tanto e os homens transformar-se-ão
tanto, que poderão igualmente tombar as últimas formas de intercâmbio [N7] da antiga sociedade.
19.ª P[ergunta]: Poderá esta revolução realizar-se apenas num único país?
R[esposta]: Não. A grande indústria,
pelo facto de ter criado o mercado mundial, levou todos os povos da
terra – e, nomeadamente, os civilizados – a uma tal ligação uns com os
outros que cada povo está dependente daquilo que acontece a outro. Além
disso, em todos os países civilizados ela igualou de tal maneira o
desenvolvimento social, que em todos esses países a burguesia e o
proletariado se tornaram as duas classes decisivas da sociedade e a luta
entre elas a luta principal dos nossos dias. A revolução comunista não
será, portanto, uma revolução simplesmente nacional; será uma revolução
que se realizará simultaneamente em todos os países civilizados, isto é,
pelo menos em Inglaterra, na América, em França e na Alemanha [N14].
Ela desenvolver-se-á em cada um destes países mais rápida ou mais
lentamente, consoante um ou outro país possuir uma indústria mais
avançada, uma maior riqueza, uma massa mais significativa de forças
produtivas. Na Alemanha ela será efectuada, portanto, mais lenta e
dificilmente, em Inglaterra mais rápida e facilmente. Ela terá
igualmente uma repercussão significativa nos restantes países do mundo,
transformará totalmente e acelerará muito o seu actual modo de
desenvolvimento. Ela é uma revolução universal e terá, portanto, também
um âmbito universal.
20.ª P[ergunta]: Quais são as consequências da abolição final da propriedade privada?
R[esposta]: Pelo facto de a sociedade
retirar das mãos dos capitalistas privados o usufruto de todas as forças
produtivas e meios de comunicação, assim como a troca e a repartição
dos produtos, e os administrar segundo um plano resultante dos meios
disponíveis e das necessidades de toda a sociedade, serão eliminadas,
antes do mais, todas as consequências nefastas que agora ainda se
encontram ligadas à exploração da grande indústria. As crises
desaparecerão; a produção alargada que, para a ordem actual da
sociedade, é uma sobreprodução e uma causa tão poderosa da miséria, já
não será então suficiente e terá de ser alargada ainda muito mais. Em
vez de ocasionar a miséria, a sobreprodução assegurará, para além das
necessidades imediatas da sociedade, a satisfação das necessidades de
todos, e criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios para as
satisfazer. Ela será condição e motivo de novos progressos, e realizará
estes progressos sem que, por esse facto, como sempre até aqui, a ordem
social seja perturbada. A grande indústria, liberta da pressão da
propriedade privada, desenvolver-se-á numa tal extensão que, comparado
com ela, o seu actual desenvolvimento parecerá tão pequeno como o da
manufactura comparada com a grande indústria dos nossos dias. Este
desenvolvimento da indústria colocará à disposição da sociedade uma
massa suficiente de produtos para com eles satisfazer as necessidades de
todos. Do mesmo modo, a agricultura, que também em virtude da pressão
da propriedade privada e do parcelamento tem sido impedida de apropriar
os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos científicos já realizados,
conhecerá um ascenso totalmente novo e colocará à disposição da
sociedade uma quantidade plenamente suficiente de produtos. Desta
maneira, a sociedade produzirá produtos bastantes para poder organizar
de tal modo a repartição que as necessidades de todos os membros sejam
satisfeitas. A separação da sociedade em diversas classes opostas umas
às outras tornar-se-á, assim, supérflua. Ela não se tornará, porém,
apenas supérflua; será mesmo incompatível com a nova ordem social. A
existência de classes proveio da divisão do trabalho, e a divisão do
trabalho, no seu modo actual, desaparecerá totalmente. É que para trazer
a produção industrial e agrícola até ao nível descrito, não bastam
apenas os meios auxiliares mecânicos e químicos; as capacidades dos
homens que põem em movimento esses meios auxiliares têm igualmente de
ser desenvolvidas em medida correspondente. Assim como os camponeses e
os operários manufactureiros do século passado transformaram todo o seu
modo de vida e se tornaram eles próprios homens completamente diferentes
quando foram incorporados na grande indústria, do mesmo modo também a
exploração comum da produção por toda a sociedade e o novo
desenvolvimento da produção dela decorrente necessitarão de, e também
criarão, homens completamente diferentes. A exploração comum da produção
não pode ser levada a cabo por homens como os de hoje, que estão
subordinados, acorrentados, a um único ramo da produção, que são por ele
explorados, homens que desenvolveram apenas uma das suas aptidões em
detrimento de todas as outras, que conhecem apenas um ramo ou apenas um
ramo de um ramo da produção total. Já a indústria actual precisa cada
vez menos destes homens. A indústria explorada em comum, e em
conformidade com um plano, por toda a sociedade pressupõe inteiramente
homens cujas aptidões estejam integralmente desenvolvidas e que estejam
em condições de abarcar todo o sistema da produção. A divisão do
trabalho, minada já hoje pelas máquinas, que faz de um camponês, do
outro sapateiro, do terceiro operário fabril, do quarto especulador de
bolsa, desaparecerá, portanto, totalmente. A educação permitirá aos
jovens passar rapidamente por todo o sistema de produção; colocá-los-á
em condições de passar sucessivamente de um ramo de produção para outro,
conforme o proporcionem as necessidades da sociedade ou as suas
próprias inclinações. Retirar-lhes-á, portanto, o carácter unilateral
que a actual divisão do trabalho impõe a cada um deles. Deste modo, a
sociedade organizada numa base comunista dará aos seus membros
oportunidade de porem em acção, integralmente, as suas aptidões
integralmente desenvolvidas. Com isso, porém, desaparecerão também
necessariamente as diversas classes. De tal maneira que, por um lado, a
sociedade organizada numa base comunista é incompatível com a existência
de classes e, por outro lado, a edificação dessa sociedade fornece ela
própria os meios para suprimir essas diferenças de classes.
Decorre daqui, por conseguinte, que a
oposição entre cidade e campo desaparecerá igualmente. A exploração da
agricultura e da indústria pelos mesmos homens, em vez de por duas
classes diferentes, é já, por causas totalmente materiais, uma condição
necessária da associação comunista. A dispersão da população rural pelo
campo, a par da concentração da população industrial nas grandes
cidades, é uma situação que apenas corresponde a um estádio ainda não
desenvolvido da agricultura e da indústria, um impedimento já hoje muito
sensível para todo o desenvolvimento ulterior.
A associação geral de todos os membros
da sociedade para a exploração comum e planificada das forças de
produção, a expansão da produção num grau tal que satisfaça as
necessidades de todos, a liquidação da situação em que as necessidades
de uns são satisfeitas à custa dos outros, a aniquilação total das
classes e dos seus antagonismos, o desenvolvimento integral das
capacidades de todos os membros da sociedade por meio da eliminação da
divisão do trabalho até agora vigente, por meio da educação industrial,
por meio da troca de actividades, por meio da participação de todos nos
prazeres criados por todos, por meio da fusão da cidade e do campo – eis
os resultados principais da abolição da propriedade privada.
21.ª P[ergunta]: Que influência exercerá a ordem social comunista sobre a família?
R[esposta]: Ela fará da relação de ambos
os sexos uma pura relação privada, que diz respeito apenas às pessoas
que nela participam e em que a sociedade não tem de imiscuir-se.
Ela pode fazê-lo, uma vez que aboliu a
propriedade privada e educa as crianças comunitariamente e, por este
facto, anula as duas bases fundamentais do actual matrimónio: a
dependência, por intermédio da propriedade privada, da mulher
relativamente ao homem e dos filhos relativamente aos pais. Aqui se
encontra também a resposta à gritaria tão moralista dos filisteus contra
a comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma
relação que pertence totalmente à sociedade burguesa e hoje em dia
reside inteiramente na prostituição. A prostituição repousa, porém,
sobre a propriedade privada, e cai com ela. Portanto, a organização
comunista, em vez de introduzir a comunidade das mulheres, muito pelo
contrário, suprime-a.
22.ª P[ergunta]: Qual será a atitude da organização comunista face às nacionalidades existentes?
23.ª P[ergunta]: Qual será a sua atitude face às religiões existentes?
- fica
24.ª P[ergunta]: Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?
R[esposta]: Os chamados socialistas dividem-se em três classes.
A primeira classe consiste nos
partidários da sociedade feudal e patriarcal que foi aniquilada, e que
continua ainda a ser diariamente aniquilada, pela grande indústria, pelo
comércio mundial e pela sociedade burguesa por ambos criada. Esta
classe tira dos males da sociedade actual a conclusão de que a sociedade
feudal e patriarcal teria de ser restabelecida, porque estava livre
destes males. Todas as suas propostas se dirigem, por caminhos direitos
ou tortuosos, para este objectivo. Esta classe de socialistas
reaccionários, apesar da sua pretensa compaixão e das suas lágrimas
ardentes pela miséria do proletariado, será, todavia, contínua e
energicamente combatida pelos comunistas, porque:
- se esforça por atingir algo de puramente impossível;
- procura restabelecer o domínio da aristocracia, dos mestres das corporações e dos proprietários de manufacturas, com o seu cortejo de reis absolutos ou feudais, de funcionários, de soldados e de padres, uma sociedade que, por certo, estava livre dos males da sociedade actual, mas que, em contrapartida, trazia consigo, pelo menos, outros tantos males e não oferecia a perspectiva de libertação dos operários oprimidos por meio de uma organização comunista;
- ela mostra os seus verdadeiros desígnios quando o proletariado se torna revolucionário e comunista, aliando-se então imediatamente com a burguesia contra os proletários.
A segunda classe consiste nos
partidários da sociedade actual aos quais os males dela necessariamente
decorrentes provocaram apreensões quanto à subsistência desta sociedade.
Eles procuram, por conseguinte, conservar a sociedade actual, mas
eliminar os males que a ela estão ligados. Com este objectivo, propõem,
uns, simples medidas de beneficência, outros, grandiosos sistemas de
reformas que, sob o pretexto de reorganizarem a sociedade, querem
conservar as bases da sociedade actual e, com elas, a sociedade actual.
Estes socialistas burgueses terão igualmente de ser combatidos
constantemente pelos comunistas, uma vez que eles trabalham para os
inimigos dos comunistas e defendem a sociedade que os comunistas querem
precisamente derrubar.
A terceira classe consiste, finalmente,
nos socialistas democráticos que, pela mesma via que os comunistas,
querem uma parte das medidas indicadas na pergunta...(4);
porém, não como meio de transição para o comunismo, mas como medidas
que são suficientes para abolir a miséria e fazer desaparecer os males
da sociedade actual. Estes socialistas democráticos ou são
proletários que ainda não estão suficientemente esclarecidos acerca das
condições da libertação da sua classe; ou são representantes dos
pequenos burgueses, uma classe que, até à conquista da democracia e das
medidas socialistas dela decorrentes, sob muitos aspectos tem os mesmos
interesses que os proletários. Por isso, os comunistas entender-se-ão,
nos momentos de acção, com esses socialistas democráticos e em geral
terão de seguir com eles, de momento, uma política o mais possível
comum, desde que esses socialistas não se ponham ao serviço da burguesia
dominante e não ataquem os comunistas. É claro que este modo de acção
comum não exclui a discussão das divergências com eles.
25.ª P[ergunta]: Qual a atitude dos comunistas face aos restantes partidos políticos do nosso tempo?
R[esposta]: Esta atitude é diversa nos diversos países.
Na Inglaterra, na França e na Bélgica,
onde a burguesia domina, os comunistas têm, por enquanto, um interesse
comum com os diversos partidos democráticos e, na realidade, um
interesse tanto maior quanto mais os democratas se aproximam do
objectivo dos comunistas com as medidas socialistas agora por toda a
parte por eles defendidas, isto é, quanto mais clara e determinantemente
eles defendem os interesses do proletariado e quanto mais se apoiam no
proletariado. Na Inglaterra, por exemplo, os cartistas [N38],
integrados por operários, estão infinitamente mais próximos dos
comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os chamados
radicais.
Na América, onde foi introduzida a
constituição democrática, os comunistas têm de apoiar o partido que
quer voltar essa constituição contra a burguesia e utilizá-la no
interesse do proletariado, isto é, os reformadores agrários nacionais.
Na Suíça, os radicais, apesar de
serem eles próprios ainda um partido muito heterogéneo, são, todavia, os
únicos com os quais os comunistas se podem entender, e entre estes
radicais os mais progressistas são, por sua vez, os valdenses e os de
Genebra.
Na Alemanha, finalmente, só agora
está iminente a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta.
Como, porém, os comunistas não podem contar com uma luta decisiva entre
eles próprios e a burguesia antes de que a burguesia domine, o
interesse dos comunistas é ajudar a levar os burgueses ao poder tão
depressa quanto o possível, para, por sua vez, os derrubar o mais
depressa possível. Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar
partido pelos burgueses liberais face aos governos e apenas de se
precaver de partilhar as auto-ilusões dos burgueses ou de dar crédito às
suas afirmações sedutoras sobre as consequências benéficas da vitória
da burguesia para o proletariado. As únicas vantagens que a vitória da
burguesia trará aos comunistas consistirão:
- em diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, discussão e propagação dos seus princípios e, com isso, a união do proletariado numa classe estreitamente coesa, preparada para a luta e organizada;
- na certeza de que, no dia em que os governos absolutos caírem, chegará a hora da luta entre os burgueses e os proletários. Desse dia em diante, a política partidária dos comunistas será a mesma que naqueles países em que agora domina já a burguesia.