Genoino passa Natal e Ano Novo preso; Jefferson ainda não teve a prisão decretada pelo presidente do STF
por Conceição Lemes
A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de mandar prender no
dia da proclamação da República expõe claro açodamento e ilegalidade.
…
Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um desfile aéreo,
custeado com dinheiro público e com forte apelo midiático, para levar
todos os réus a Brasília. Não faz sentido transferir para o regime
fechado, no presídio da Papuda, réus que deveriam iniciar o cumprimento
das penas já no semiaberto em seus estados de origem. Só o desejo pelo
espetáculo justifica.
Tal medida, tomada monocraticamente pelo ministro relator Joaquim
Barbosa, nos causa profunda preocupação e constitui mais um lamentável
capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de
garantias constitucionais.
…
Não escrevemos em nome dos réus, mas de uma significativa parcela da
sociedade que está perplexa com a exploração midiática das prisões e
teme não só pelo destino dos réus, mas também pelo futuro do Estado
Democrático de Direito no Brasil.
Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos mais eminentes juristas brasileiros, assinou o manifesto. Em entrevista ao IG, ele sentenciou: “Joaquim Barbosa é um homem mau, com pouco sentimento humano”.
Referia-se, especificamente, à forma como Joaquim Barbosa conduziu a
prisão de José Genoino, 67 anos, ex-deputado federal ex-presidente
nacional do PT, que tem problemas graves de saúde.
Pois, além de “homem mau, com pouco sentimento humano”, Joaquim Barbosa é cruel; aparentemente tem prazer em causar dor alheia.
Genoino, devido à fragilidade de sua saúde, pediu ao STF para cumprir em
casa os 6 anos e 11 meses de prisão em regime semiaberto a que foi
sentenciado.
Em parecer a Joaquim Barbosa, Janot afirma:
29. “Diante das provas contidas nos autos, conclui-se que o requerente
apresenta graves problemas (delicada condição de saúde) e que corre
risco se continuar a cumprir a pena no presídio, onde as condições para
atendimento de problemas cardiológicos são extremamente limitadas ou até
inexistentes, no caso de ocorrências em período noturno ou nos finais
de semana. Sua permanência em cárcere, por pouco mais de dez dias,
caracterizou-se por diversos episódios de pressão alta,
alteração na coagulação e outros sintomas que demandaram não só
consultas médicas e exames, mas também internação hospitalar [grifo em
negrito é do próprio procurador-geral da República].
O presidente do Supremo levou 25 dias para se posicionar.
Na sexta-feira passada, 27 de dezembro, ele acatou os 90 dias de prisão domiciliar sugerido por Janot.
“O preso não pode escolher, ao seu livre alvedrio e conveniência, onde vai cumprir a pena que lhe foi definitivamente imposta.
Por fim, considerada a provisoriedade da prisão domiciliar na qual o
condenado vem atualmente cumprindo sua pena, e a forte probabilidade do
seu retorno ao regime semi-aberto ao fim do prazo solicitado pela
Procuradoria-Geral da República, considero que a transferência ora
requerida fere o interesse público”.
DOIS PESOS E MEDIDAS ATÉ NA DOENÇA: GENOINO ESTÁ PRESO HÁ 45 DIAS; JEFFERSON, LIVRE
O laudo da perícia médica em Genoino, feita por doutores da Universidade
de Brasília (UnB), foi vazado para a imprensa sem que ele fosse
consultado previamente se autorizava ou não a publicização. Todos os
indícios apontam que vazamento ocorreu vazou no próprio STF e não antes.
Já sobre a perícia médica realizada por especialistas do Instituto
Nacional do Câncer (Inca)em Roberto Jefferson, delator do “mensalão”, só
foi divulgada a conclusão. Condenado a 7 anos e 14 dias de reclusão em
regime semiaberto, ele também pediu ao STF para cumprir a pena em casa
devido à situação da saúde.
Não é única diferença de tratamento dispensado aos réus do “mensalão”.
Genoino está preso há 45 dias. Inicialmente na Papuda, em Brasília, e
desde 24 de novembro em prisão domiciliar provisória. Nessa condição,
passou Natal e passará o Ano Novo.
Até agora, com exceção de Genoino, todos os réus do mensalão que pediram
para cumprir a pena perto de suas casas, tiveram o pedido aceito por
Barbosa. Por exemplo, José Roberto Salgado e Vinicius Samarane,
respectivamente ex-vice-presidente e ex-dirigente do Banco Rural, e os
ex-deputados Pedro Henry, Pedro Correa e Romeu Queiroz.
“É direito do preso cumprir a pena próximo da sua família”, afirma o
advogado Patrick Mariano em entrevista ao Viomundo. “A não autorização
da transferência de Genoino para São Paulo é uma decisão ilegal,
arbitrária e que não se sustenta por qualquer ângulo analisado. Fere
tanto a jurisprudência do STF quanto a Lei e Constituição da República.”
Patrick Mariano é mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB e
integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.
Segue a íntegra da entrevista que concedeu a esta repórter.
Viomundo — O que diz a lei brasileira sobre o local de cumprir pena?
Patrick Mariano — O artigo 1º da Lei de Execução Penal é bem claro ao
anunciar a finalidade da execução da pena: proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado.
Por sua vez, o artigo. 86 da mesma Lei diz: as penas privativas de
liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser
executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União.
Portanto, o cumprimento de pena deve observar o melhor para a chamada
ressocialização do condenado. Isso implica, no caso concreto, não só na
possibilidade legal de se cumprir a pena próximo aos seus, mas em
verdadeiro comando da Lei para que isso ocorra.
As antigas penas de degredo, em que o condenado era levado para além
mar, pertencem, ou deveriam pertencer, à triste lembrança de livros
história. A Lei de Execuções, que é de 1984 e inspirada em recomendações
e textos da ONU, deve ser a direção para toda e qualquer decisão
judicial neste tema.
Viomundo – No caso de Genoino e demais apenados da AP 470, dois pesos e duas medidas dentro da mesma ação?
Patrick Mariano — Eu diria que uma decisão fora dos parâmetros legais
que acabei de mencionar fere a dignidade da pessoa humana. Não é só
isso. Contraria a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal
que, em julgamentos parecidos, decidiu favoravelmente aos réus. Leia-se o
habeas corpus de nº 105.175, de relatoria do ministro Gilmar Mendes e o
HC 71.179, relatoria do ministro Marco Aurélio. Esse último vale a pena
citar um trecho:
“Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias
ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam
os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o
direito do preso de ser transferido para local em que possua raízes,
visando a indispensável assistência pelos familiares. Os óbices ao
acolhimento do pleito devem ser inafastáveis e exsurgir aoprimeiro
exame, consideradas as precárias condições do sistema carcerário pátrio.
Eficacia do disposto nos artigos 1. e 86 da Lei de Execução Penal – Lei
n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – (…)”.
Viomundo – Essa decisão de Joaquim Barbosa caracterizaria o quê?
Patrick Mariano – Segundo o presidente do Supremo, a sua decisão em
relação a Genoino foi baseada em dois motivos. O primeiro é o de que “o
preso não pode escolher, ao seu livre alvedrio e conveniência, onde vai
cumprir a pena que lhe foi imposta”. E segundo, porque a transferência
pleiteada feriria o “interesse público”.
Viomundo – O senhor concorda?
Patrick Mariano – A primeira argumentação, com o devido respeito, não
se sustenta porque o preso escolheu estar perto da sua família, como
preceitua a Lei de Execução do seu País. Não se trata de livre vontade
ou conveniência, se trata de direito! É direito do preso cumprir a pena
próximo da sua família. Como disse, pena de banimento e degredo foram
utilizadas em regimes monárquicos. Não cabem na Democracia.
O segundo argumento, “interesse público”, fere o inciso IX do artigo 93
da Constituição da República de 1988. Este artigo exige fundamentação
válida de todas as decisões judiciais.
Ou seja, obriga o magistrado a demonstrar, com amparo legal, a lógica da
sua decisão com postulados válidos, lógicos e racionais. O uso de
termos abertos, que tudo e nada dizem, acaba por servir para encobrir as
reais motivações do ato decisório. São as chamadas idiossincracias do
magistrado que devem ser evitadas.
Qual interesse público foi ferido? De quem? Perceba que há um vácuo que
encobre as reais motivações? Seria quase o mesmo que dizer, “porque eu
quis”. Raduan Nassar tem uma passagem linda que diz: “foi o senhor mesmo
que disse há pouco que palavra é uma semente: traz vida, energia, pode
trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos
quando falamos”.
Desta forma, tanto pela jurisprudência do STF, quanto pela Lei e
Constituição da República, não resta dúvidas de que a decisão em relação
a Genoino é decisão ilegal, arbitrária e que não se sustenta por
qualquer ângulo analisado.
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Esses esclarecimentos do advogado Patrick Mariano tornam ainda mais
difícil compreender o tratamento ostensivamente diferente dispensado
pelo presidente do Supremo aos dois réus.
Por que Barbosa martiriza Genoino e alivia para Jefferson, já que ambos
têm de problemas graves de saúde, que exigem cuidados especiais e
deveriam ter direito à prisão domiciliar?
O aceno “forte” de Genoino de voltar para a cadeia em fevereiro seria o
troco de Barbosa por Jefferson não ter conseguido a prisão domiciliar?
Ou uma forma de pressão a favor do seu protegido?
Ou será que deixará a batata quente para ser resolvida nas suas férias
pelo seu desafeto, o ministro Ricardo Lewandowski, que em 10 de janeiro,
assume a presidência do STF?