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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, abril 21, 2014
domingo, abril 20, 2014
A história do ódio no Brasil
Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”
Por Fred Di Giacomo, do Gluck Project
“Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil. O “mito do homem cordial”, costumeiramente mal interpretado, acabou virando o mito do “cidadão de bem amável e simpático”. Pena que isso seja uma mentira. “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”, explica o sociólogo Antônio Cândido. O brasileiro se obriga a ser simpático com os colegas de trabalho, a receber bem a visita indesejada e a oferecer o pedaço do chocolate para o estranho no ônibus. Depois fala mal de todos pelas costas, muito educadamente.
Olhemos o dicionário: cordial significa referente ou próprio do coração. Ou seja, significa ser mais sentimental e menos racional. Mas o ódio também é um sentimento, assim como o amor. (Aliás os neurocientistas têm descoberto que ambos sentimentos ativam as mesmas partes do cérebro.) Nós odiamos e amamos com a mesma facilidade. Dizemos que “gostaríamos de morar num país civilizado como a Alemanha ou os Estados Unidos, mas que aqui no Brasil não dá para ser sério.” Queremos resolver tudo num passe de mágica. Se o político é corrupto devemos tirar ele do poder à força, mas se vamos para rua e “fazemos balbúrdia” devemos ser espancados e se somos espancados indevidamente, o policial deve ser morto e assim seguimos nossa espiral de ódio e de comportamentos irracionais, pedindo que “cortem a cabeça dele, cortem a cabeça dele”, como a rainha louca de Alice no País das Maravilhas. Ninguém para 5 segundos para pensar no que fala ou no que comenta na internet. Grita-se muito alto e depois volta-se para a sala para comer o jantar. Pede-se para matar o menor infrator e depois gargalha-se com o humorístico da televisão. Não gostamos de refletir, não gostamos de lembrar em quem votamos na última eleição e não gostamos de procurar a saída que vai demorar mais tempo, mas será mais eficiente. Com escreveu Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil“, o criador do termo “homem cordial” : “No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal” Ou seja, desde o começo do Brasil todo mundo tem pensando apenas no próprio umbigo e leva as coisas públicas como coisa familiar. Somos uma grande família, onde todos se amam. Ou não?
Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”.
O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos. Agora que o gigante acordou e o Brasil resolveu deixar de ser “alienado” todo mundo odeia tudo. O colunista da Veja odeia o âncora da Record que odeia o policial que odeia o manifestante que odeia o político que odeia o pastor que odeia o “marxista” que odeia o senhor “de bem” que fica em casa odiando o mundo inteiro em seus comentários nos portais da internet. Para onde um debate rasteiro como esse vai nos levar? Gritamos e gritamos alto, mas gritamos por quê?
Confira mais textos do Glück Project
*revistaforum
Por Fred Di Giacomo, do Gluck Project
“Achamos que somos um bando de gente pacífica cercados por pessoas violentas”. A frase que bem define o brasileiro e o ódio no qual estamos imersos é do historiador Leandro Karnal. A ideia de que nós, nossas famílias ou nossa cidade são um poço de civilidade em meio a um país bárbaro é comum no Brasil. O “mito do homem cordial”, costumeiramente mal interpretado, acabou virando o mito do “cidadão de bem amável e simpático”. Pena que isso seja uma mentira. “O homem cordial não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva”, explica o sociólogo Antônio Cândido. O brasileiro se obriga a ser simpático com os colegas de trabalho, a receber bem a visita indesejada e a oferecer o pedaço do chocolate para o estranho no ônibus. Depois fala mal de todos pelas costas, muito educadamente.
Olhemos o dicionário: cordial significa referente ou próprio do coração. Ou seja, significa ser mais sentimental e menos racional. Mas o ódio também é um sentimento, assim como o amor. (Aliás os neurocientistas têm descoberto que ambos sentimentos ativam as mesmas partes do cérebro.) Nós odiamos e amamos com a mesma facilidade. Dizemos que “gostaríamos de morar num país civilizado como a Alemanha ou os Estados Unidos, mas que aqui no Brasil não dá para ser sério.” Queremos resolver tudo num passe de mágica. Se o político é corrupto devemos tirar ele do poder à força, mas se vamos para rua e “fazemos balbúrdia” devemos ser espancados e se somos espancados indevidamente, o policial deve ser morto e assim seguimos nossa espiral de ódio e de comportamentos irracionais, pedindo que “cortem a cabeça dele, cortem a cabeça dele”, como a rainha louca de Alice no País das Maravilhas. Ninguém para 5 segundos para pensar no que fala ou no que comenta na internet. Grita-se muito alto e depois volta-se para a sala para comer o jantar. Pede-se para matar o menor infrator e depois gargalha-se com o humorístico da televisão. Não gostamos de refletir, não gostamos de lembrar em quem votamos na última eleição e não gostamos de procurar a saída que vai demorar mais tempo, mas será mais eficiente. Com escreveu Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil“, o criador do termo “homem cordial” : “No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal” Ou seja, desde o começo do Brasil todo mundo tem pensando apenas no próprio umbigo e leva as coisas públicas como coisa familiar. Somos uma grande família, onde todos se amam. Ou não?
O já citado Leandro Karnal diz que os livros de história
brasileiros nunca usam o termo guerra civil em suas páginas. Preferimos
dizer que guerras que duraram 10 anos (como a Farroupilha) foram
revoltas. Foram “insurreições”. O termo “guerra civil” nos parece muito
“exagerado”, muito “violento” para um povo tão “pacífico”. A verdade é
que nunca fomos pacíficos. A história do Brasil é marcada sempre por
violência, torturas e conflitos. As decapitações que chocam nos
presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para
servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi. As cabeças dos
bandidos de Lampião ficaram expostas em museu por anos. Por aqui,
achamos que todos os problemas podem ser resolvidos com uma piada ou com
uma pedrada. Se o papo informal não funciona devemos “matar” o outro.
Duvida? Basta lembrar que por aqui a república foi proclamada por um
golpe militar. E que golpes e revoluções “parecem ser a única solução
possível para consertar esse país”. A força é a única opção para fazer o
outro entender que sua ideia é melhor que a dele? O debate saudável e a
democracia parecem ideias muito novas e frágeis para nosso país.
Em 30 anos, tivemos um crescimento de cerca de 502% na taxa de homicídios no Brasil. Só em 2012 os homicídios cresceram 8%.
A maior parte dos comentários raivosos que se lê e se ouve prega que
para resolver esse problema devemos empregar mais violência. Se você não
concorda “deve adotar um bandido”. Não existe a possibilidade de ser
contra o bandido e contra a violência ao mesmo tempo. Na minha opinião,
primeiro devemos entender a violência e depois vomitar quais seriam
suas soluções. Por exemplo, você sabia que ocorrem mais estupros do que homicídios no Brasil? E que existem mais mortes causadas pelo trânsito do Brasil do que por armas de fogo?
Sim, nosso trânsito mata mais que um país em guerra. Isso não costuma
gerar protestos revoltados na internet. Mas tampouco alivia as mortes
por arma de fogo que também tem crescido ano a ano e se equiparam, entre 2004 e 2007, ao número de mortes em TODOS conflitos armados dos últimos anos. E quem está morrendo? 93% dos mortos por armas de fogo no Brasil são homens e 67% são jovens. Aliás, morte por arma de fogo é a principal causa de mortalidade entre os jovens brasileiros. Quanto à questão racial, morrem 133% mais negros do que brancos no
Brasil. E mais: o número de brancos mortos entre 2002 e 2010 diminuiu
25%, ao contrário do número de negros que cresceu 35%. É importante
entender, no entanto, que essas mortes não são causadas apenas por
bandidos em ações cotidianas. Um dado expressivo: no estado de São Paulo
ocorreram 344 mortes por latrocínio (roubo seguido de morte) no ano de
2012. No mesmo ano, foram mortos 546 pessoas em confronto com a
PM. Esses números são altos, mas temos índices ainda mais altos de
mortes por motivos fúteis (brigas de trânsito, conflitos amorosos,
desentendimentos entre vizinhos, violências domésticas, brigas de
rua,etc). Entre 2011 e 2012, 80% dos homicídios do Estado de São Paulo teriam sido causados por esses motivos que
não envolvem ação criminosa. Mortes que poderiam ter sido evitadas com
menos ódio. É importante lembrar que vivemos numa sociedade em que “quem
não reage, rasteja”, mas geralmente a reação deve ser violenta. Se
“mexeram com sua mina” você deve encher o cara de porrada, se xingaram
seu filho na escola “ele deve aprender a se defender”, se falaram alto
com você na briga de trânsito, você deve colocar “o babaca no seu
lugar”. Quem não age violentamente é fraco, frouxo, otário. Legal é ser
ou Zé Pequeno ou Capitão Nascimento. Nossos heróis são viris e “esculacham”Se tivesse nascido no Brasil, Gandhi não seria um homem sábio, mas um “bundão” ou um “otário”.
O discurso de ódio invade todos os lares e todos os segmentos. Agora que o gigante acordou e o Brasil resolveu deixar de ser “alienado” todo mundo odeia tudo. O colunista da Veja odeia o âncora da Record que odeia o policial que odeia o manifestante que odeia o político que odeia o pastor que odeia o “marxista” que odeia o senhor “de bem” que fica em casa odiando o mundo inteiro em seus comentários nos portais da internet. Para onde um debate rasteiro como esse vai nos levar? Gritamos e gritamos alto, mas gritamos por quê?
Política não é torcida de futebol, não adianta você torcer
pela derrota do adversário para ficar feliz no domingo. A cada escândalo
de corrupção, a cada pedreiro torturado, a cada cinegrafista
assassinado, a cada dentista queimada, a cada homossexual espancado;
todos perdemos. Perdemos a chance de conseguir dialogar com o outro e
ganhamos mais um motivo para odiar quem defende o que não concordamos.
Eu também me arrependo muitas vezes de entrar no calor das
discussões de ódio no Brasil; seja no Facebook, seja numa mesa de bar.
Às vezes me pergunto se eu deveria mesmo me pronunciar publicamente
sobre coisas que não conheço profundamente, me pergunto por que parece
tão urgente exprimir minha opinião. Será essa a versão virtual do “quem
não revida não é macho”? Se eu tivesse que escolher apenas um lado para
tentar mudar o mundo, escolheria o lado da não-violência. Precisamos parar para respirar e pensar o que queremos e como queremos. Dialogar. Entender as vontades do outro.
O Brasil vive um momento de efervescência, vamos usar essa energia para
melhorar as coisas ou ficar nos matando com rojões, balas e bombas? Ou
ficar prendendo trombadinhas no poste, torturando pedreiros e chacinando
pessoas na periferia? Ou ficar pedindo bala na cabeça de políticos?
Ficar desejando um novo câncer para o Reinaldo Azevedo ou para o Lula?
Exigir a volta da ditadura? Ameaçar de morte quem faz uma piada que não gostamos?
Se a gente escutasse o que temos gritado, escrito e falado,
perceberíamos como temos descido em direção às trevas interiores dos
brasileiros às quais Nélson Rodrigues avisava que era melhor “não provocá-las. Ninguém sabe o que existe lá dentro.”
Será que não precisamos de mais inteligência e informação e
menos ódio? Quando vamos sair dessa infantilidade de “papai bate nele
porque ele é mau” e vamos começar a agir como adultos?
Quando vamos começar a assumir que, sim, somos um povo violento e que
estamos cansados da violência? Que queremos sofrer menos violência e
provocar menos violência? Somos um povo tão religioso e cristão, mas que
ignora intencionalmente diversos ensinamentos de Jesus Cristo. Não
amamos ao nosso inimigo, não damos a outra face, não deixamos de
apedrejar os pecadores. Esquecemos que a ira é um dos sete pecados
capitais. Gostamos de ficar presos na fantasia de que vivemos numa ilha
de gente de bem cercada de violência e barbárie e que a única solução
para nossos problemas é exterminar todos os outros que nos cercam e nos
amedrontam.
Mas quando tudo for só pó e solidão, quem iremos culpar pelo ódio que ainda carregaremos dentro de nós.Confira mais textos do Glück Project
*revistaforum
UMA RUA (QUE NÃO É MAIS) CHAMADA TORTURADOR
Meu artigo Uma Rua Chamada Torturador, de 27/02/2008 (abaixo reproduzido), agora tem um final feliz: os vereadores de São Carlos (SP) aprovaram, por unanimidade, a mudança do nome da Rua Sérgio Paranhos Fleury para Rua D. Helder Pessoa Câmara.
Personagens
repulsivos, patéticos ou meramente insignificantes dão nome a uma
infinidade de rodovias, ruas, avenidas e praças brasileiras.
Antigamente, ao ver na placa uma homenagem descabida, eu até me
indignava. Com o tempo, passei a encarar o fenômeno de forma mais
condescendente, como parte da geléia geral brasileira, tão bem retratada pelos compositores do tropicalismo.Mário Hato, que foi meu professor de Química no colegial e depois fez carreira política, explicou-me que há um acordo de cavalheiros no Legislativo: vereadores e deputados não vetam as propostas louvaminhas dos seus colegas, salvo em casos extremos – como o ocorrido quando o hoje deputado estadual Carlos Giannazi tentou fazer com que escolas da rede pública reverenciassem a memória dos revolucionários Carlos Marighella e Carlos Lamarca. A bancada de extrema-direita reagiu de forma exacerbada.
Para melhor acomodar vaidades póstumas, chega-se a atribuir vários nomes à mesma rua: para cada trecho, um homenageado. Se fosse descendente de algum desses pseudo-figurões, eu me sentiria ofendido: por que uns são lembrados ao longo de uma estrada inteira e outros têm de se contentar com míseras centenas de metros de uma via secundária?
Meu companheiro de lutas Eremias Delizoicov, que era menor de idade quando tomou a decisão de confrontar uma ditadura bestial e acabou sendo assassinado aos 18 anos, com 35 balaços cravados no corpo, virou nome de uma rua que ninguém conhece, onde ninguém sabe ir e que ninguém jamais viu.
É muito pouco para quem perdeu tanto. Tenho me empenhado em conseguir que, pelo menos, uma escola paulistana receba o nome do Eremias, mantendo viva a lembrança do seu sacrifício – até porque é como estudante que nós, os amigos de infância, nos recordamos dele. Está difícil.
Já a Câmara Municipal de Ribeirão Preto acaba de decidir que uma via pública desse simpático município paulista receberá o nome de Juarez Guimarães de Brito, com a seguinte inscrição na placa indicativa da rua: "patriota brasileiro assassinado pela Ditadura Militar".
Fico pensando em como o bom Juvenal (o nome-de-guerra pelo qual o conhecíamos) receberia a qualificação de "patriota". Era um internacionalista, adepto fervoroso da liberdade e justiça social para todos os povos e nações.
Enfim, vale a intenção e é merecidíssima a homenagem a quem deixou uma cátedra universitária para ser professor de humanidade na guerrilha. Sua obsessão em planejar exaustivamente as ações armadas, de forma a reduzir a um mínimo a possibilidade de derramamento de sangue, chegava a ser comovente.
Preferiu, até o fim, correr riscos do que causá-los a outros. Era quem mais se aproximava do homem novo que tínhamos como meta: o indivíduo livre da ganância e do egoísmo, totalmente voltado para o bem comum, que construiria a si próprio à medida que fosse construindo a sociedade nova.
LESA-HUMANIDADE – No outro extremo, a cidade paulista de São Carlos houve por mal ter uma rua com o nome de Sérgio Paranhos Fleury, o que levou os grupos Tortura Nunca Mais de SP e RJ a protestarem energicamente:
– Este delegado de Polícia, integrante do Esquadrão da Morte, em São Paulo nos anos de 1960, tornou-se um dos principais agentes do terrorismo de Estado que se instaurou em nosso país oficialmente após o AI-5. (...) Entendemos que tal "homenagem" produz uma memória que enaltece os crimes de lesa-humanidade cometidos por estes agentes.
Trocando em miúdos: atuando no radiopatrulhamento de São Paulo, Fleury organizou um grupo de extermínio semiclandestino chamado Esquadrão da Morte, que, aparentemente, queria livrar a sociedade de suas ervas daninhas.
Requisitado pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social, alcançou repercussão nacional ao comandar a operação que resultou na morte do guerrilheiro Carlos Marighella. Graças à censura, a opinião pública não foi informada das torturas brutais mediante as quais chegou ao seu alvo, nem que organizou a emboscada de forma tão canhestra que o fogo cruzado acabou matando também uma policial e o motorista de um veículo que trafegava na região.
Responsável por um festival de horrores, incluindo a execução de prisioneiros como Devanir José de Carvalho, Fleury ainda cedia seu sítio como aparelho clandestino para os serviços sujos da repressão. Por lá passou Eduardo Leite, o Bacuri, no longo calvário que antecedeu seu assassinato.
Apesar das evidências gritantes da responsabilidade de Fleury nos crimes do Esquadrão da Morte, a ditadura militar não deixava que o bravo promotor Hélio Bicudo o colocasse na cadeia. Chegou até a criar uma lei com o único objetivo de impedir que, pronunciado, Fleury tivesse de aguardar preso o julgamento.
O guarda-chuva protetor só foi retirado quando Bicudo conseguiu provar que Fleury não eliminava marginais em benefício da sociedade, mas sim para fazer jus às recompensas de um grande traficante, empenhado em livrar-se da concorrência. Moralistas, os generais admitiam acobertar um justiceiro, mas não um capanga da contravenção.
Para piorar, com o fim da luta armada haviam terminado também as recompensas que os empresários direitistas ofereciam pela prisão ou morte dos revolucionários; e os rapinantes da repressão já não podiam mais apropriar-se dos bens de suas vítimas, outra das fontes de renda que lhes permitira viver muito acima de suas posses.
Fleury, dono de uma lancha, teria morrido ao cair na água. Falou-se muito em queima de arquivo: sem conseguir mais sustentar o vício que teria (cocaína), ele estaria exigindo dinheiro de seus antigos financiadores para não trombetear o que sabia. Como entre eles havia até sádicos que atuaram como torturadores voluntários de presos políticos, dá para imaginar o efeito devastador de uma chantagem dessas... e as prováveis conseqüências.
Nem mesmo os neo-integralistas gostam de mirar-se num exemplo desses, preferindo esquecer que Fleury existiu. Os vereadores de São Carlos provavelmente não sabiam de quem se tratava.
Independentemente do desfecho deste episódio, será sempre uma gota d’água no oceano. Uma busca no Google revela a existência, p. ex., de várias ruas com o nome de Filinto Muller, o torturador-símbolo da ditadura getulista, que chegava a ser comparado aos carrascos da Gestapo.
Para não falar das avenidas Presidente Médici que há no País inteiro, homenageando quem nunca foi presidente eleito pelo povo, mas sim ditador empossado pelas baionetas, sendo responsável pelo período mais tenebroso da História brasileira.
*sarauparatodos
Nazistas ucranianos degolam policial na frente da esposa CENAS FORTES
a PARTIR DO 6:51 cenas muito fortes
BOOOMBA! - ANISTIA INTERNACIONAL É ACIONADA CONTRA ARBITRARIEDADES DO VERDUGO IMAGÉTICO JOAQUIM BARBOSA
Do Megacidadania
Companheiros, acaba de ser enviada por Ana Paula Perciano Ribeiro a denúncia para a Anistia Internacional com a adesão de mais de cem assinaturas.
Quem não teve tempo de assinar a denúncia à Anistia Internacional Brasil e que gostaria de participar, favor enviar o texto dizendo que corrobora o que Ana Paula Perciano Ribeiro e mais 107 pessoas subscreveram.
EMAIL DA ANISTIA INTERNACIONAL BRASIL contato@anistia.org.br
Segue o inteiro teor do email
DENUNCIA DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS DE IDOSO NO PRESÍDIO DA PAPUDA Para: contato@anistia.org.br – 15/04/2014 19:10
À Anistia Internacional
Nós, cidadãos brasileiros que lutamos pelo respeito aos direitos humanos dentro e fora dos presídios, vimos por meio desta denunciar graves violações cometidas contra os réus da Ação Penal 470, em especial contra o cidadão José Dirceu de Oliveira e Silva. Condenado a 7 anos e 7 meses de prisão a serem cumpridos em regime semiaberto, por ter 68 anos, José Dirceu é amparado pelo Estatuto do Idoso, que lhe garante prioridade na análise da solicitação de trabalhar fora do presídio e recolher-se ao mesmo apenas fora do horário de trabalho. O respeito a esse direito não lhe foi até agora assegurado e, de fato, ele já se encontra há 5 meses confinado na Papuda-DF em regime fechado e total isolamento.
Desde o começo, o processo que culminou na prisão de Dirceu e demais dirigentes do Partido dos Trabalhadores foi detalhadamente tramado de modo a produzir efeitos político-eleitorais. O episódio da prisão dos mesmos constituiu uma espalhafatosa encenação midiático-jurídica. O atual presidente do STF, Joaquim Barbosa, antes mesmo de comunicar à Polícia Federal a expedição da ordem de prisão, tratou de reunir a imprensa escrita e televisiva para o espetáculo. Quando, no mesmo dia em que foi divulgada a notícia, ele e José Genoino se apresentaram espontaneamente à Polícia Federal em São Paulo, os delegados não tinham nem mesmo instruções sobre o que fazer com os dois cidadãos. Era o feriado da Proclamação da República e o dito ministro não tinha emitido guia de recolhimento e carta de sentença, como seria sua obrigação, uma vez que são formalidades imprescindíveis para que o Estado efetue a prisão de qualquer cidadão; esse é um direito garantido pela própria Constituição brasileira e explícito na Lei de Execuções Penais. Mas a emissão dessa documentação não pode ser feita por não haver ainda, nesse momento, trânsito em julgado! Todavia, o Ministro não quis perder a ocasião de ordenar a execução, como comemoração da República, feriado onde o cidadão comum estaria de TV ligada.
No Brasil, qualquer apenado tem direito de cumprir a sentença no lugar onde mora. O Ministro Joaquim Barbosa, no entanto, arbitrou em contrário e mandou um avião militar sair recolhendo os réus da AP 470 em diferentes capitais e levá-los para Brasília, mais um campeão de audiência armado com os parceiros da imprensa televisiva, às custas, obviamente, do erário público. Nem o fato da cardiopatia de José Genoino, atestada por laudo do IML, deu qualquer limite à sanha persecutória que foi deflagrada: em vez de considerar o que lá vinha declarado, a saber, que a vida de Genoino corria risco em caso de prisão fechada, em vez de atender à recomendação do Juiz de Execuções Penais, que sensatamente mostrou-se favorável à prisão domiciliar de Genoino, Barbosa nomeou outra junta médica e afastou o juiz, trocando-o pelo Sr. Bruno Ribeiro, indivíduo ligado familiarmente a figadais adversários políticos do partido no qual os dois réus exerceram longa e expressiva liderança. Dai por diante, o preposto do Ministro passou a executar a escandalosa perseguição que perdura até o presente momento.
São inúmeras as arbitrariedades cometidas pelo Ministro Barbosa e seus prepostos.
Em flagrante desrespeito às leis brasileiras, aos Pactos Internacionais dos quais o Brasil é signatário e à Declaração Universal de Direitos Humanos, o Ministro Joaquim Barbosa, participou da investigação (caberia à polícia investigar) e da denúncia (cabia ao Ministério Público que também participou da investigação), que assim já nasceu contaminada. Em seguida, Joaquim Barbosa usando as facilidades de que dispunha como relator da Ação Penal 470, conseguiu incluir no processo pessoas que não tinham o dito “foro privilegiado”, como é o caso de José Dirceu, que, dessa forma, em vez de privilégio, teve a privação do direito a recorrer da sentença a tribunal superior aqui no Brasil.
O julgamento do processo foi outro espetáculo, onde de tudo houve fora a Justiça. Transmitido ao vivo não somente pelo canal estatal TV Justiça, mas também pela Globo News, canal privado da rede paga fechada, pertencente à Rede Globo de Televisão, as sessões se transformaram em um linchamento moral de figuras públicas, em especial de José Dirceu e José Genoino. O julgamento foi presidido pelo não menos comprometido Ministro Ayres Britto, que logo depois veio a se aposentar e a presidir o Instituto Innovare, do qual é fundador, juntamente com um dos donos da Rede Globo. Os vínculos de Barbosa com as instituições Globo são escandalosos. A empresa conta com a presteza do Ministro em fornecer-lhe informações privilegiadas, entrevistas e, recebe, em contrapartida, homenagens, facilidades, cortesias e prêmios de diversos tipos. Com os aplausos dos poderosos de diferentes setores, em especial desse mesmo grupo midiático, o Ministro Barbosa investiu-se da função de executor das penas desses réus, valendo-se de poderes que lhe estão sendo facultados por ocupar a posição de Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.
Tudo isso faz com que os réus se encontrem numa posição de não terem a quem recorrer das arbitrariedades contra eles cometidas. Como o próprio ministro Barbosa arrogantemente declarou em entrevista: não há no Brasil instância superior à que ele preside. Isso significa, que ele tem podido exibir a todos, que a sua vontade é que faz as vezes da lei.
No presente momento, José Dirceu encontra-se isolado na Papuda, com direito a ser visitado apenas pelos filhos uma vez por semana, às quartas feiras. Na visita desta esta última semana, eles puderam constatar que o pai encontra-se profundamente deprimido e que foi acometido de violenta virose; como é sabido, viroses em pessoas idosas podem causar grandes danos e levar até mesmo à morte. Diante dessa constatação, dirigiram-se à Comissão dos Direitos Humanos e das Minorias, da Câmara dos Deputados, solicitando-lhes que procedam a uma vistoria e constatem que não há qualquer privilégio que favoreça o apenado, muito pelo contrário e que, portanto, é totalmente infundada a alegação que os perseguidores estão usando como pretexto para negar-lhe o direito ao trabalho externo. A inexistência de tais privilégios, aliás, foi a conclusão da investigação já levada a termo no presídio, conclusão que os ditos algozes insistem em ignorar.
Em face a tantas, tão graves e repetidas violações aos direitos de um homem idoso e sem possibilidades de recorrer a outras instâncias de defesa, dirigi-mo-nos às organizações de Direitos humanos, pedindo que seja deflagrada uma campanha, dentro e fora do país, pelo fim dos abusos cometidos contra José Dirceu de Oliveira e Silva. O que hoje está sendo feito contra ele, que é uma figura pública conhecida e apreciada por muitos, abre precedentes para que violações semelhantes sejam cometidas amanhã contra pessoas mais simples, que não contam com o apoio de advogados nem de companheiros que possam saber como se dirigir a organismos de defesa de direitos.
Por tudo o que descrevemos acima, esperamos contar com o apoio decisivo dessa vossa entidade, que há muito batalha pelos direitos humanos em todo o planeta.
Brasil, 15 de abril de 2014
*militanciaviva
FIQUE SABENDO: Suspeitos de integrar guerrilha foram mortos durante o governo FHC
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
Nadine Borges, da Comissão da Verdade, revela que ação das Forças Armadas contra suspeitos de integrar aGuerrilha do Araguaia durou até o governo FHC |
Nadine Borges, da Comissão da Verdade, revela que ação das Forças
Armadas contra suspeitos de integrar a Guerrilha do Araguaia durou até o
governo FHC
Homens das Forças Armadas brasileiras teriam realizado, já durante o
governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), uma nova etapa
da Operação Limpeza no Araguaia, entre os Estados do Tocantins, Mato
Grosso e Maranhão, que consistia na busca e extermínio de supostos
adeptos da guerrilha que enfrentou os governos ditatoriais impostos ao
longo de duas décadas ao país. A informação foi revelada na noite desta
quarta-feira, pela advogada Nadine Borges, uma das coordenadoras da
Comissão da Verdade, que investiga os abusos cometidos pelas forças de
repressão mantidas durante a ditadura civil-militar instalada após o
golpe de Estado de 1964.
Nadine Borges falou, na noite passada, a uma plateia na qual estavam
presentes, entre outros, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) e o
presidente regional da legenda, João Batista Lemos, o ex-presidente da
União Nacional dos Estudantes Daniel Iliescu, representantes do
Judiciário e intelectuais. Na mesa do debate que antecedeu o lançamento
do livro Alma em fogo, do ex-deputado Aldo Arantes, coordenada pelo
representante no Rio da Fundação Maurício Grabois, Carlos Henrique
Tibiriça, estavam o ex-deputado Haroldo Lima, fundador da Ação Popular
(AP), o cineasta Cacá Diegues e o advogado e ex-parlamentar Modesto da
Silveira. Todos ouviram o relato de Nadine Borges.
*ajusticeira de esquerda
sábado, abril 19, 2014
Por que revisar a Lei da Anistia
Motivos não faltam, desde a imprescritibilidade dos
crimes contra a humanidade à condenação na Corte Interamericana de
Direitos Humanos
Por Maurício Santoro*, Fórum Semanal
Para marcar o aniversário do golpe de Estado de 1964, a Anistia Internacional Brasil lançou a campanha “50 dias contra a impunidade”, cujo pilar é uma petição para que o país investigue e puna as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes de Estado durante a ditadura. A persistência desta impunidade tornou o país um ponto fora da curva na América Latina – região dinâmica no acerto de contas com o período autoritário. A chave para fazer o Brasil avançar nesse campo é revisar a Lei da Anistia.
Seu texto concede benefícios “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”, definindo esses últimos como “de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.” A interpretação habitual é a de que foram anistiados não só presos políticos, cassados e exilados, mas também os agentes do Estado que os perseguiram. Hoje, há três projetos de lei no Congresso Nacional que mudam essa leitura da lei, estipulando de forma explícita que ela não se aplica a funcionários públicos que cometeram violações de direitos humanos.
O argumento de que a Lei da Anistia foi resultado de pacto político que possibilitou a transição para a democracia no Brasil é insustentável. Impossível falar em acordo quando a oposição mais vitimada pela ditadura estava presa ou exilada, sem condições de negociar. O Congresso estava mutilado pelo Pacote de Abril de 1977, que mudou as regras eleitorais para favorecer o governo e criou os senadores biônicos, indicados pelo Executivo. O presidente Ernesto Geisel também cassou o mandato de diversos políticos, da oposição (MDB) e da situação (Arena). Era um ambiente de coerção e medo, não de diálogo.
O Brasil não viveu uma guerra civil entre 1964 e 1985. Não houve dois lados. O país sofreu uma ditadura que violou de maneira sistemática os direitos humanos da população. Em nações como a Síria, faz sentido pensar em processos judiciais que investiguem agentes do Estado e da oposição armada. No Brasil, a comparação é descabida. Rubens Paiva desapareceu com o cadáver de seus adversários? Vladimir Herzog torturou algum funcionário do DOI-Codi? Como equiparar algozes e vítimas como beneficiários da mesma anistia?
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o governo brasileiro no caso Gomes Lund a investigar as graves violações cometidas pelos agentes do Estado na guerrilha do Araguaia e em outros momentos da ditadura. Foi a confirmação da jurisprudência de julgamentos semelhantes sobre países como El Salvador e Peru. As decisões da Corte estão acima até mesmo das do Supremo Tribunal Federal, mas a sentença não foi cumprida e sua própria existência costuma ser ignorada – numa amnésia bastante conveniente – pelos que defendem a manutenção da impunidade.
O Ministério Público Federal tem investigado os crimes da ditadura, em especial o desaparecimento forçado – alegando que se trata de um crime continuado, pois os cadáveres nunca foram descobertos. Estes crimes, portanto, não estariam cobertos pela Lei da Anistia. Esse esforço esbarra no conservadorismo do Poder Judiciário, que se recusa a aceitar as denúncias. No mesmo ano da sentença do caso Gomes Lund, o STF considerou a Lei da anistia constitucional, ao ser inquirido a respeito pela Ordem dos Advogados do Brasil na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153. A composição do Supremo mudou desde então, com a inclusão de ministros com formação mais progressista. É provável que um novo debate resultasse em um posicionamento diferente.
Além de revisar a lei, a petição da Anistia Internacional propõe que a legislação brasileira incorpore o conceito de crimes contra a humanidade, presente em tratados diplomáticos ratificados pelo país. Eles são: escravidão, genocídio, apartheid e tortura (em quaisquer circunstâncias) e, quando praticados no âmbito de repressão política sistemática, estupro, homicídio e desaparecimento forçado. Estes crimes são considerados tão graves porque atingem não só a vítima direta, mas o próprio sentido de decência e dignidade da humanidade. Não prescrevem, não são anistiáveis e a punição a eles pode ser aplicada de forma retroativa, ao contrário do que ocorre no direito convencional. O novo Código Penal em debate no Congresso tem um capítulo sobre eles.
Vale lembrar que alguns crimes emblemáticos da ditadura – a tentativa de atentado no Riocentro e a bomba na OAB que matou Lyda Monteiro da Silva, secretária da instituição – ocorreram na década de 1980 e não estão cobertos pela Lei da Anistia. Qual a justificativa legal para esta impunidade? O debate jurídico por vezes parece cortina de fumaça para não enfrentar a política que sustenta a não punição dos agentes do Estado brasileiro, no passado e nos dias atuais.
* Mauricio Santoro é assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.
Ilustração de capa: Carlos Latuff
*revistaforum
Por Maurício Santoro*, Fórum Semanal
Para marcar o aniversário do golpe de Estado de 1964, a Anistia Internacional Brasil lançou a campanha “50 dias contra a impunidade”, cujo pilar é uma petição para que o país investigue e puna as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes de Estado durante a ditadura. A persistência desta impunidade tornou o país um ponto fora da curva na América Latina – região dinâmica no acerto de contas com o período autoritário. A chave para fazer o Brasil avançar nesse campo é revisar a Lei da Anistia.
Seu texto concede benefícios “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”, definindo esses últimos como “de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.” A interpretação habitual é a de que foram anistiados não só presos políticos, cassados e exilados, mas também os agentes do Estado que os perseguiram. Hoje, há três projetos de lei no Congresso Nacional que mudam essa leitura da lei, estipulando de forma explícita que ela não se aplica a funcionários públicos que cometeram violações de direitos humanos.
O argumento de que a Lei da Anistia foi resultado de pacto político que possibilitou a transição para a democracia no Brasil é insustentável. Impossível falar em acordo quando a oposição mais vitimada pela ditadura estava presa ou exilada, sem condições de negociar. O Congresso estava mutilado pelo Pacote de Abril de 1977, que mudou as regras eleitorais para favorecer o governo e criou os senadores biônicos, indicados pelo Executivo. O presidente Ernesto Geisel também cassou o mandato de diversos políticos, da oposição (MDB) e da situação (Arena). Era um ambiente de coerção e medo, não de diálogo.
O Brasil não viveu uma guerra civil entre 1964 e 1985. Não houve dois lados. O país sofreu uma ditadura que violou de maneira sistemática os direitos humanos da população. Em nações como a Síria, faz sentido pensar em processos judiciais que investiguem agentes do Estado e da oposição armada. No Brasil, a comparação é descabida. Rubens Paiva desapareceu com o cadáver de seus adversários? Vladimir Herzog torturou algum funcionário do DOI-Codi? Como equiparar algozes e vítimas como beneficiários da mesma anistia?
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o governo brasileiro no caso Gomes Lund a investigar as graves violações cometidas pelos agentes do Estado na guerrilha do Araguaia e em outros momentos da ditadura. Foi a confirmação da jurisprudência de julgamentos semelhantes sobre países como El Salvador e Peru. As decisões da Corte estão acima até mesmo das do Supremo Tribunal Federal, mas a sentença não foi cumprida e sua própria existência costuma ser ignorada – numa amnésia bastante conveniente – pelos que defendem a manutenção da impunidade.
O Ministério Público Federal tem investigado os crimes da ditadura, em especial o desaparecimento forçado – alegando que se trata de um crime continuado, pois os cadáveres nunca foram descobertos. Estes crimes, portanto, não estariam cobertos pela Lei da Anistia. Esse esforço esbarra no conservadorismo do Poder Judiciário, que se recusa a aceitar as denúncias. No mesmo ano da sentença do caso Gomes Lund, o STF considerou a Lei da anistia constitucional, ao ser inquirido a respeito pela Ordem dos Advogados do Brasil na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153. A composição do Supremo mudou desde então, com a inclusão de ministros com formação mais progressista. É provável que um novo debate resultasse em um posicionamento diferente.
Além de revisar a lei, a petição da Anistia Internacional propõe que a legislação brasileira incorpore o conceito de crimes contra a humanidade, presente em tratados diplomáticos ratificados pelo país. Eles são: escravidão, genocídio, apartheid e tortura (em quaisquer circunstâncias) e, quando praticados no âmbito de repressão política sistemática, estupro, homicídio e desaparecimento forçado. Estes crimes são considerados tão graves porque atingem não só a vítima direta, mas o próprio sentido de decência e dignidade da humanidade. Não prescrevem, não são anistiáveis e a punição a eles pode ser aplicada de forma retroativa, ao contrário do que ocorre no direito convencional. O novo Código Penal em debate no Congresso tem um capítulo sobre eles.
Vale lembrar que alguns crimes emblemáticos da ditadura – a tentativa de atentado no Riocentro e a bomba na OAB que matou Lyda Monteiro da Silva, secretária da instituição – ocorreram na década de 1980 e não estão cobertos pela Lei da Anistia. Qual a justificativa legal para esta impunidade? O debate jurídico por vezes parece cortina de fumaça para não enfrentar a política que sustenta a não punição dos agentes do Estado brasileiro, no passado e nos dias atuais.
* Mauricio Santoro é assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil.
Ilustração de capa: Carlos Latuff
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