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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 11, 2015

"Igualzinho tsunami", diz morador autor do vídeo.

Castro J Joao compartilhou o vídeo de Brasil de Fato.

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Brasil de Fato carregou um novo vídeo: Vídeo mostra destruição em Mariana (MG) após rompimento de bar...
Vídeo que circula nas redes sociais mostra destruição em Mariana (MG) causada após rompimento de barragens. "Igualzinho tsunami", diz morador autor do vídeo.

O mar de lama que foi a privatização da Vale do Rio Doce (maior crime de lesa-pátria de que se tem notícia) promovida pela dupla FHC-Serra

MAR DE LAMA DA PRIVATIZAÇÃO DA VALE POR FHC-SERRA ROMPE BARRAGEM EM MINAS 18 ANOS DEPOIS



O mar de lama que foi a privatização da Vale do Rio Doce (maior crime de lesa-pátria de que se tem notícia) promovida pela dupla FHC-Serra acabou explodindo agora em Mariana, MG, descendo como um tsunami de lama, arrasando cidades e provocando dano ambiental e cultural que muitos ecologistas e estudiosos consideram irreparável.

Uma tragédia puxa outra

Há 18 anos, em maio de 1997, a Companhia Vale do Rio Doce (CRVD), uma das joias da coroa do patrimônio público brasileiro, foi privatizada sob o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Um confronto entre 600 policiais militares e cerca de cinco mil manifestantes transformou as proximidades da praça XV, onde fica a sede da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) e local da privatização, num autêntico campo de guerra. O confronto terminou com 33 pessoas feridas e a privatização da Vale.

A Vale era a segunda mais importante mineradora do Mundo e a maior da América do Sul.Por ela, o Brasil recebeu R$ 3 bilhões, boa parte em moeda podre. Já seu valor é incalculável, não só pelas imensas riquezas minerais como ferro, bauxita, nióbio, alumínio, cobre, carvão, manganês, ouro, urânio e outros, bem como pela estrutura logística que opera em 14 estados do país, englobando 9 mil quilômetros de malha ferroviária, portos, usinas e terminais marítimos.[Fonte]

A dupla FHC-Serra foi responsável pela privatização da Vale.



Agora, o mar de lama rompe as Barragens em Mariana e, novamente, o aparato do Estado tenta conter a população, como mostra reportagem de Laura Capriglione:

Arrancados de suas casas pelo tsunami gerado pelo rompimento das barragens Fundão e Santarém, repletas de lama tóxica, os moradores de Bento Rodrigues, arraial rural a 35 km do centro de Mariana, sofrem com outro tsunami: o de dúvidas, de mentiras e de dissimulação.

As barragens sinistradas pertencem à mineradora Samarco, fundada em 1977, controlada pela toda-poderosa Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Décima maior exportadora do país, a empresa faturou R$ 7,6 bilhões em 2014 e apresentou um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. Apesar dessa contabilidade vistosa e de dizer em seu site na internet que preza pela vida “acima de quaisquer resultados e bens materiais”, os moradores de Bento Rodrigues reclamam que não havia nem mesmo uma simples sirene instalada e funcionando para alertar o lugarejo da ruptura das barragens. Poderia ter salvo vidas.

Agora, no rescaldo da tragédia, os habitantes de Bento Rodrigues suspeitam que a empresa esteja priorizando o salvamento de sua imagem institucional em detrimento das vidas humanas e dos animais, atropelados pelo avanço medonho da lama.

“Por que é que estão nos impedindo de entrar em Bento Rodrigues? A gente poderia ajudar na localização e no resgate dos desaparecidos e dos animais, porque conhecemos como ninguém a região, sabemos lidar com o mato. O que é que eles estão querendo esconder?”, perguntava um grupo de moradores indignados com o fato de serem mantidos à força longe de seu bairro.

“Por que não permitem que pelo menos alguns de nós entrem, para ver o que está acontecendo?” [íntegra aqui]
Mesmo com um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões, a Samarco não foi capaz de colocar simples sirenes que avisassem a população da queda da barreira...
*http://blogdomello.blogspot.com.br/2015/11/mar-de-lama-da-privatizacao-da-vale-por-fhc-serra.html

Rogério Godinho
15 hEditado

acos, os três rompimentos de Cataguases (2003, 2007 2009) até Itabirito no ano passado. Por qualquer critério disponível, seja extensão ou volume de rejeitos. Repito: o que está acontecendo é pior do que a soma de todos eles. São 62 bilhões de litros de uma lama impregnada de metais que vai chegar até o litoral do Espírito Santo. Sem contar que o rejeito – pela presença do ferro – está cimentando (mesmo!) diversas partes do rio. E estamos falando da mais importante bacia hidrográfica dentro da Região Sudeste. Sentiu o problema?
No que se refere a mortes, ainda não sabemos, até porque a Samarco (a Vale!) fechou a região das barragens e não dá informação nenhuma. Isso também é inédito: a empresa responsável e que precisa ser investigada é a única a ter acesso ao local do crime. Mas sabemos que são centenas de pessoas desaparecidas. Só em Bento Rodrigues, metade dos moradores não conseguiu sair a tempo. Sem contar os milhares de animais mortos. Imagine uma longa estrada de destruição. Visualize. Peixes, vacas, cavalos, cachorros, tudo que estava na frente. Até ninhos de tartarugas lá na foz do rio estão removendo para tentar salvar antes que a lama chegue.
Mais inédito do que tudo isso é o absoluto desinteresse da mídia. No primeiro dia, os jornais deram uma pequena e ridícula chamada na primeira página. No segundo dia, o assunto sumiu.
Este é o nosso vazamento de óleo do Golfo México, nosso vazamento da Exxon no Alasca, nosso Fukushima.
Mas quem se importa?

terça-feira, novembro 10, 2015

Caiu o governo de Portugal. Ainda bem. Após ter vendido o País todo, feito disparar o desemprego, cortado reformas e ordenados,

Portugal: caiu o governo

Caiu o governo de Portugal.
Ainda bem.

Após ter vendido o País todo, feito disparar o desemprego, cortado reformas e ordenados, aprofundado as divergências entre os cidadãos, dizimado a já escassa classe empreendedora, tudo em nome duma austeridade exigida por Bruxelas (lê-se "Alemanha"), Pedro Passos Coelho caiu logo à primeira, com uma moção de censura.

Algumas notas.
O que se passou em Portugal é a Democracia que funciona. No Parlamento há uma maioria absoluta, indigitada pelos eleitores, formada pelos partidos da oposição; e esta maioria votou contra a minoria que constituía o governo. Tudo segundo os ditames da Constituição. Qualquer outra interpretação é fruto de alucinações. Não há aqui nenhum golpe, nenhuma batota, como grita a Direita. Democraticamente, os votos decidiram o destino do actual governo.

Infelizmente, a Direita sentia-se na posse dum mandato divino, segundo o qual tinha que governar porque sim. Nesta óptica, a oposição deveria ter evitado fazer oposição e abster-se (ou até apoiar o governo, no caso do Partido Socialista) para deixar que a Direita pudesse funcionar.
É uma visão muito estranha esta, na qual é possível encontrar velhos tiques salazaristas.
Não surpreende.

O que interessa agora é observar o novo executivo em função. É interessante porque nele encontramos dois partidos de Esquerda que agora têm o possibilidade de dizer algo: o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Frequentemente acusados de ser bons só para fazer oposição e de carecer de programas realistas, agora entrarão ou apoiarão o governo do partido Socialista, que nas últimas semanas virou decididamente para Esquerda.

Trata-se, em primeiro lugar, duma data histórica para Portugal: um governo formado (ou directamente apoiado) por uma Esquerda que abandona temporariamente as suas divergências em prol da governação. Algo que muitos cidadãos sentiam como necessário. É óbvio que para isso todos os partidos envolvidos tiveram que fazer concessões: o Partido Comunista e o Bloco, por exemplo, tiveram que abandonar o discurso da saída do Euro. Foi necessário.

Mas trata-se também dum teste interessante: conseguirá um executivo que inclui um grupo da Esquerda radical (o Bloco) e um comunista (o PCP) enfrentar os mercados e as exigências da lobby europeísta? E como?
Pessoalmente acho que não haverá grandes problemas.
Porque a Zona Euro não quer repetir uma tragédia estilo Grécia; porque Bloco e PCP abdicaram da saída do Euro e da NATO para favorecer a governação; porque um alívio da austeridade segue a linha desejada pelo Fundo Monetário Internacional (coisa que Passos não nunca quis ter em conta para não irritar os donos de Berlim); porque esta é uma ocasião única que tanto o PCP quanto o Bloco têm para demonstrar de ser forças de governo (e ganhar votos).

O Centro político português fica vazio: o governo caído hoje tinha casado em pleno a causa hiper-liberal, o PS hoje move-se para Esquerda. Talvez haja espaço para um novo partido, alguém que possa ser verdadeiramente social-democrata não apenas no nome. Mas este é o futuro.

Para já saudamos com prazer o fim do pesadelo hiper-liberal e neoconservador e vamos ver qual a decisão do Presidente da República: o infame Cavaco Silva, que nem quer ouvir falar de Bloco ou de PCP, no último discurso dele (um autêntico descalabro democrático) tinha declarado os dois partidos como estando fora do arco da governação. Não vai ser fácil agora engolir uma maioria com estes mesmos dois partidos no poder, sabendo que não dá para dissolver a Assembleia e convocar novas eleições (não pode pois o seu mandato está no fim).

Não está excluído um golpe de cauda do infame Presidente, como um governo de gestão (um de iniciativa presidencial seria inútil pois deveria sempre ser aprovado pela Assembleia). Seria um passo no limite da constitucionalidade (talvez já fora dela, considerado que há uma maioria no Parlamento) com consequências que agora não é possível prever e que acho melhor não experimentar (manifestações, desordem social, etc.). Mas acho o infame Cavaco demasiado fraco para tamanha presa de posição.

Se tudo proceder como previsto, será possível observar em acção um governo socialista apoiado por duas forças de Esquerda, declaradamente anti-Europa e anti-NATO. Algo inédito no País e por isso ainda mais interessante.


Ipse dixit.

*http://informacaoincorrecta.blogspot.com.br/2015/11/portugal-caiu-o-governo.html

Prefeito Haddad regulamenta Bilhete Único Especial para desempregados, que terão transporte grátis na capital paulista



O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, regulamentou hoje (10) o Bilhete Único Especial para desempregados na capital paulista. Decreto com a decisão foi publicado nesta terça-feira. Agora, após o fim do pagamento do seguro-desemprego, por um período de três a cinco meses, os trabalhadores que não conseguirem recolocação no mercado de trabalho terão 90 dias de acesso garantido ao transporte coletivo.

Em nota, a prefeitura informou que o Bilhete Único Especial do Trabalhador Desempregado não será renovável. “É pessoal e intransferível e será imediatamente cancelado se o beneficiário for admitido em novo emprego ou se houver uso indevido por terceiros.”

A medida, publicada no Diário Oficial da capital, vale para o sistema municipal de ônibus. A Secretaria Municipal de Transportes e a São Paulo Transporte S.A. definirão as normas de operação do bilhete, como o número de embarques diários permitidos, por exemplo, e fiscalizar sua utilização. [Fonte: Agência Brasil]

*http://blogdomello.blogspot.com.br/2015/11/prefeito-haddad-regulamenta-bilhete.html 

Adesão forçada à greve dos caminhoneiros sem causa...

al José Carlos e Ze Carlos Guarani Kaiowá da Silvacompartilharam o vídeo de Elvis Rocha.
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Elvis Rocha
1 h
Adesão forçada à greve dos caminhoneiros sem causa...

segunda-feira, novembro 09, 2015

A crise é gerada por uma elite que quer quebrar o sistema, diz economista

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Segundo o economista Ladislau Dowbor, da PUC de São Paulo, em entrevista publicada originalmente em Engenharia em Revista,  a origem da crise no Brasil não está em uma crise econômica que gera recessão, e sim é uma crise política criada por uma elite que quer quebrar o sistema, e que em grande parte está conseguindo isso. “Não há base para falar numa crise de enormes proporções, ou que o país está quebrado, ou ainda que vai quebrar. Isso não faz o mínimo sentido. Podem até ocorrer ajustes que levem a uma racionalização de gastos do governo, mas isto não anula simplesmente a realidade de que o país está num ciclo de avanços absolutamente impressionante.. ”, afirma.
Dowbor: ausência de reformas bloqueou lulismo
Para economista, país viveu doze anos de avanços, mas processo atingiu seu limite – e hesitação do governo frustrou mudanças estruturais indispensáveis
O Brasil andou muito nas últimas duas décadas. Obteve um avanço social histórico desde o governo Lula, mas entrou no ciclo travado, a partir do qual sobram apenas duas alternativas: ou a coragem para fazer reformas estruturais, eternamente adiadas, ou o recuo. Jamais ficar no mesmo lugar.
O raciocínio é do incansável economista Ladislau Dowbor, da PUC de São Paulo. Do alto de um invejável currículo acadêmico – graduação em Lausanne, doutorado em Varsóvia, professor em Coimbra – e profissional, Dowbor carrega consigo uma vocação de eterno militante. Era um dos 40 presos políticos que, nos primeiros dias de 1971, foram trocados pelo embaixador suiço Giovanni Bucher, numa operação comandada por Carlos Lamarca.
Hoje brinca que a ditadura incentivou muito o “intercâmbio” daqueles jovens brasileiros que vagaram pelo mundo – os banidos do Brasil que ficaram preferencialmente pela Europa, depois de terem sido trocados por embaixadores sequestrados em ações da guerrilha urbana.
É com alma de militante que Dowbor tem participado de todas as intermináveis reuniões que acontecem em São Paulo desde o início do ano entre intelectuais, e professa uma “oposição” que se traduza numa unidade de forças progressistas capazes de empurrar o governo para a esquerda, garantir os avanços conquistados de direitos civis, políticos e sociais desde a Constituinte de 1988 e romper com o que ele chama de “ciclo travado”, ou seja, as limitações impostas por uma elite financeira ao desenvolvimento pleno do país.
No centro de seu pensamento está a constatação de que o rentismo impôs uma ciranda de juros elevados para rolagem da dívida pública e alto custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas. E essa realidade se traduziu, na prática, em um severo limite ao ciclo de crescimento baseado no mercado interno, iniciado no governo Lula.
A partir de agora, ou o país banca reformas estruturais, inclusive uma reforma financeira, ou retrocederá de um período de quase três décadas de avanços contínuos – sociais, econômicos e políticos. Ladislau Dowbor concedeu esta entrevista, em São Paulo, logo depois de uma rodada de debates sobre o futuro do Brasil entre os integrantes do chamado “Fórum Brasil 21”, que tem por objetivo definir uma agenda política comum para as forças progressistas do país. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à jornalista Maria Inês Nassif.
Um acumulado de impasses
O Brasil hoje vive vários impasses. Um deles tem dimensão internacional e sofre o impacto de movimentos especulativos, sobretudo no mercado de commodities. Nos últimos 12 meses, o minério de ferro, por exemplo, que tem um grande peso na pauta de exportações brasileiras, perdeu 40% do seu valor; a soja, a laranja e outras commodities encolheram entre 20% e 30%. São cifras bastante significativas. No plano interno, o país vive um limite estrutural. O Brasil conquistou um conjunto de avanços, em particular nos governos de Lula e no primeiro governo de Dilma, mas os processos de expansão das políticas sociais chegaram a um limite, a partir do qual são necessárias mudanças estruturais.
As eternamente adiadas reformas de base não são mais adiáveis.
A resistência das elites e a crise política
Nesta tensão, a resistência das elites mostra-se extremamente forte. É por isso que a crise que se gera é essencialmente política. Não há base para falar numa crise de enormes proporções, ou que o país está quebrado, ou ainda que vai quebrar. Isso não faz o mínimo sentido. Podem até ocorrer ajustes que levem a uma racionalização de gastos do governo, mas isto não anula simplesmente a realidade de que o país está num ciclo de avanços absolutamente impressionante.
Socialmente, o Brasil mudou a sua cara. Entre 1991 e 2010, o brasileiro, que vivia até 65 anos, passou a viver 74 anos; em 2012, já vive 75 anos; ou seja, estamos falando de um país onde os brasileiros vivem 10 anos a mais. A mortalidade baixou de 30 por mil para 15 por mil. Isso resulta de uma convergência de mudanças: essas pessoas passaram a ter uma casa mais decente, a comer, são benefi ciários da expansão do serviço básico de saúde, o SUS, etc. São fatores que convergem para uma expansão do tempo de vida e para a redução da mortalidade infantil – e, convenhamos, dividir pela metade a mortalidade infantil é um gigantesco avanço. Além disso, temos um conjunto de outros números já conhecidos: a criação de 20 milhões de empregos formais e 40 milhões de pessoas que saíram da miséria.
Segundo dados do Atlas das Regiões Metropolitanas elaborado conjuntamente pelo PNUD, Ipea e Fundação João Pinheiro, houve uma redução drástica da pobreza em todas essas regiões e um aumento dos Indicadores de Desenvolvimento Básico (IDB). Mais recentemente foram divulgados os Indicadores de Progresso Social, o IPS, que acompanha 54 indicadores que são o PIB, e coloca o Brasil no 42º lugar entre 130 países, puxado para baixo essencialmente pelo problema da segurança, que é o ponto crítico e está diretamente ligado ao problema da desigualdade.
O sistema financeiro emperra a locomotiva
Escrevi um documento chamado “Bancos: o peso morto da economia brasileira”, em que eu descrevo como os juros internos da economia esterilizam as ações de política econômica social. O Rubens Ricupero e o Bresser Pereira, que foram ministros da Fazenda e entendem disso, aprovaram as minhas anotações. O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao momento seguinte desses avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao futuro. Está em curso um processo de globalização financeira mundial que torna difícil ao país adotar políticas macroeconômicas independentes e as reformas financeiras que são necessárias. Quando se cobra nos crediários mais de 100% de juros, a intermediação financeira está se apropriando da metade da capacidade produtiva da população. O imenso esforço que o Brasil fez de redistribuição e de inclusão no mercado de dezenas de milhões de pessoas, os bancos, os comerciantes com crediários, as administradoras de cartões de crédito capturaram. As instituições de crédito sugaram a capacidade de compra da população, e dessa forma esterilizaram a dinamização da economia pelo lado da demanda. Os juros para pessoas jurídicas são absolutamente escorchantes, o que trava também a economia pelo lado do investimento. Os empresários já tendem a investir pouco quando a economia está travada. Quando, ainda por cima, adquirir equipamentos e financiar empresas custa de 40% a 50% de juros, então esqueça de novos investimentos.
Veja o poder político que esses grupos têm para obrigar o governo americano, o Banco Central Europeu, Bruxelas, a encontrar trilhões de dólares em poucos meses, quando os recursos são escassos para resolver o problema da destruição ou da pobreza.
“A financeirização não é abstrata. Grupos financeiros controlam os conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as políticas das corporações”.
A urgente reforma financeira
Sem dúvida, são urgentes as reformas política e tributária, mas é igualmente central uma reforma financeira em profundidade.
O componente rentista da crise é parte de minha análise. Na minha avaliação, o fator central dessas limitações ao futuro é que não temos mecanismos de canalização adequada dos recursos do país. O Brasil tem uma renda per capita de US$ 11 mil – e isso é um nível de renda de um país rico. O nosso país também domina tecnologias e tem instituições. Não existem razões plausíveis para a economia não funcionar. Contudo, a generalização da inclusão social e a redução dos desequilíbrios internos esbarram em razões estruturais.
O Brasil andou para frente nas últimas duas décadas
No Atlas Brasil 2013 de Indicadores de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), se compararmos os índices de 1991 e 2010, observamos avanços espantosos. Em 1991 nós tínhamos 85% dos municípios do Brasil que tinham um IDH muito baixo, inferior a 0,50. Em 2010 apenas 32 municípios estavam nessa situação, ou seja, 0,6%. Essa é uma mudança extremamente profunda e estrutural. O Brasil começou a se transformar, na fase anterior ao governo Lula, com a aprovação da Constituição de 1988, que criou regras do jogo democrático que permitiram o início dos avanços.
Foi um avanço também a ruptura com a inflação. Afinal, numa hiperinflação não se consegue fazer administração do setor público.
Tudo isso viabiliza uma série de avanços significativos na década de 1990. A partir do governo Lula isso se sistematiza, e os avanços se tornam extremamente poderosos.
Mundo em explosão
Nós estamos num ano crítico em termos mundiais. Chegamos a limites críticos de destruição do planeta. Em 40 anos, destruímos 52% da vida vertebrada do planeta. O relatório da WWF é dramático: nós estamos esterilizando solo e liquidando a cobertura florestal.
Além desses problemas na área ambiental, persistem também um conjunto deles na área da desigualdade. O relatório da Oxfam sobre a desigualdade é devastador. Nós temos 85 famílias que têm mais patrimônio acumulado do que a metade mais pobre da população, ou seja, 13,5 milhões de pessoas. Se você junta o ambiental e o social, conclui-se que o mundo está explodindo.
Coffee Party
O Tea Party paralisa os Estados Unidos. Estes mesmos grupos estão querendo um Coffee Party no Brasil. Partem do mesmo fundamentalismo, do mesmo discurso radical conservador sem propostas. O que eles querem, afinal? Aumentar a desigualdade?
“O capitalismo financeiro impõe severas limitações ao momento seguinte dos avanços sociais, ao avanço do Brasil em direção ao futuro”.
O caminho é olhar para dentro…
Se entendermos as transformações que ocorrem interna e externamente – estamos numa crise planetária e numa volatilidade extrema, inclusive dos preços das commodities –, o caminho que temos de trilhar torna-se claríssimo. O Brasil é um país muito grande, de mais de 200 milhões de habitantes, e tem tranquilamente 100 milhões de pessoas que precisam melhorar a situação de vida. Nós temos, portanto, como crescer na fronteira interna. E quando a área externa é extremamente insegura, nada como reforçar a base interna de desenvolvimento. Isso implica manter e aprofundar as políticas de inclusão e de distribuição de renda, mas garantindo que isso ocorra simultaneamente às transformações significativas no sistema financeiro.
Um futuro em suspenso
O caminho para frente é o aprofundamento da luta contra a desigualdade por meio da inclusão produtiva, da expansão dos programas sociais e coisas do gênero. A oposição que devemos fazer nesse momento não é contra a presidente Dilma (Rousseff), mas para que ela avance muito mais e retome os processos que tinham sido anunciados.
Uma crise para travar o ciclo
A imbricação entre a situação internacional e a situação econômica interna com o seu respectivo embasamento político trava as reformas estruturais que são indispensáveis à continuidade do processo.
É um ciclo travado, mas não acho que a direita tem qualquer coisa coerente a propor. Não está conseguindo propor nada de coerente nem nos Estados Unidos, nem na França, nem na Grã-Bretanha, nem em lugar nenhum. Por todo lado está surgindo um Podemos, ou um Syriza (partido grego de esquerda). Os Estados Unidos estão paralisados em termos de capacidade de governo.
Capital financeiro contaminou a produção
O capital financeiro tornou-se hegemônico de uma maneira que desconhecíamos até 2011. Naquele ano, foi divulgado o relatório do primeiro estudo mundial sobre o sistema corporativo internacional, produzido pelo Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH), que corresponde ao MIT da Europa e tem 31 prêmios Nobel de Tecnologia, a começar por Albert Einstein. Uma fonte absolutamente inatacável.
Segundo o estudo, 737 grupos do planeta controlam 80% do valor das empresas transnacionais. Destes, 147 grupos, dos quais 45 são bancos, controlam 40% do sistema mundial. A financeirização, portanto, não é abstrata, um mecanismo diluído ou misterioso. Esses grupos financeiros controlam os conselhos de administração das mais diversas empresas e ditam as políticas das corporações. Como são grupos financeiros que têm participações acionárias poderosas em empresas produtivas,
eles dizem a essas empresas o que fazer: “Nós queremos uma rentabilidade de tanto, senão tiramos o nosso capital e quebramos a empresa”. Se uma empresa decide adotar uma política ambiental mais sustentável, ou qualquer outra coisa que pode afetar a rentabilidade da empresa, esquece.
Centenas de exemplos de fraudes das mais variadas corporações internacionais, como as cometidas por empresas farmacêuticas, de agrotóxicos ou os próprios bancos, têm o objetivo central de gerar lucros. Essa estrutura mundial de poder foi suficientemente forte para, na crise de 2008, levar trilhões de dólares de governos para socorrer os bancos que haviam se excedido nos processos especulativos e estavam desequilibrados. Um socorro para os grupos financeiros que criaram a crise.
A contaminação da Justiça
O poder das corporações está estampado na votação, pelo Supremo, da ação de inconstitucionalidade do financiamento empre-sarial de campanha. As corporações não votam nem devem ter interesses políticos próprios. É legítimo a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ser um instrumento de participação política das corporações. Mas uma corporação comprar um mandato para um deputado ou senador, financiando-o, certamente isso não é certo. Seis juízes do Supremo, e portanto a maioria, já votaram pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial e um único, Gilmar Mendes, ligado a interesses evidentes, pede vistas antes das eleições. Esta única pessoa transformou radicalmente o perfil do Congresso que foi eleito em seguida, pois se tivesse sido proibido o financiamento empresarial antes das eleições, os candidatos não poderiam ter mantido o vínculo com as corporações empresariais. Isso também é uma medida do grau de aprisionamento da política pelo Judiciário, pelas corporações e pela mídia, e coloca como objetivo central das forças progressistas resgatar o processo democrático da órbita do poder econômico.
Crédito a Fernando Henrique, mas em termos
É creditado ao governo Fernando Henrique Cardoso a ruptura com o processo inflacionário, o que é correto. Mas, segundo o The Economist, em 1992 o mundo tinha 44 países com hiperinflação, e todos eles liquidaram esse problema pela razão simples de que não se abriria a eles a possibilidade de participar do sistema financeiro que se internacionalizava se não resolvessem seus processos inflacionários. A globalização financeira, a formação do sistema especulativo, a chamada financeirização era incompatível com economias que tinham moedas não conversíveis, que mudavam de valor no decorrer do dia.
A articulação do rentismo com a mídia
O maior jornal econômico do país, por exemplo, em fevereiro publicou uma matéria que contém um quadro com as projeções de inflação, com o título: “O que os economistas esperam”. E são listadas 21 “apostas” em índices inflacionários feitas por economistas de instituições. Entre eles, não tem nenhum Amir Khair, um Luiz Gonzaga Belluzzo, uma Tânia Bacelar, um Rubens Ricúpero, um Bresser Pereira ou um Márcio Pochmann; sequer um IBGE ou um DIEESE. Apenas de bancos ou consultorias ligadas ao mercado financeiro – e ambos ganham com a inflação. Esses economistas geram expectativas inflacionárias que se autocumprem, pois os agentes econômicos acompanham as expectativas e elevam preventivamente os preços.
Existe um trabalho de chantagem e contaminação pelo aceno do “risco inflacionário” – e todos sabem que a inflação é um golpe mortal em termos políticos. Esse tipo de chantagem segura o governo pelo pescoço. A inflação virou arma ideológica.
Uma crise civilizatória
Não há mais pobres como antigamente. As pessoas hoje sabem que podem ter uma saúde decente para os seus filhos, acesso à educação decente e a outros direitos. Nesse sentido vivemos uma crise civilizatória. Não é simplesmente uma crise global que o mundo enfrenta. O volume de recursos apropriados pelos intermediários financeiros seria suficiente para enfrentar tanto a reconversão tecnológica que o meio ambiente exige, com os investimentos de inclusão produtiva que a dinâmica social determina.
Isso seria conferir uma outra articulação do sistema financeiro, pois ele não é só moeda, mas o direito de alocar os recursos onde eles são necessários. A função da moeda não é a especulação financeira. Essa é a reconversão que temos pela frente, que une a oposição propositiva que queremos criar no Brasil. Daqui saíram US$ 20 bilhões para paraísos fiscais, ou 25% do PIB, dinheiro que daria para financiar Deus e o mundo.
Rentismo, um obstáculo
O rentismo é um conceito que se vincula ao mercado internacional, que gerou uma espécie de elite que vive dos juros, não da produção. E isso tem uma enorme profundidade no país. O San-
tander, por exemplo, que é um grande grupo mundial, tem cerca de 30% de seus lucros originários do Brasil. Isto é, o mercado financeiro impõe drenos e também estruturas políticas de poder que tornam muito difícil a qualquer governo gerar transformações necessárias para romper essa lógica. De, 2013 a 2014, Dilma tentou reduzir a taxa Selic e os juros de acesso de pessoas físicas e jurídicas ao crédito, e a reação foi de pressões políticas muito fortes. E é curioso como as reações se manifestam. Quando se baixa os juros, nas televisões, nas rádios, nos jornais, imediatamente se consulta os chamados economistas que dizem, “é inevitável, a inflação vai subir”. Em regra, esses economistas são todos eles de empresas financeiras.
Crise internacional não é impedimento, mas oportunidade
É esse contexto internacional que torna fundamental a adoção de medidas inclusivas, a expansão do horizonte interno econômico. É vital nos basearmos nos objetivos internos da nossa economia. Nas condições de hoje, apoiar o país no sistema internacional é suicídio. Nessa perspectiva, superdimensionar o problema fiscal pode ser um erro, pois há ralos muito maiores no sistema financeiro. O país tem que resgatar o que vaza por sistemas especulativos e para paraísos fiscais e financiar a inclusão produtiva da maioria da população.
O Brasil não está quebrado, mas sob ataque
O (Luiz Gonzaga) Belluzzo diz que as forças conservadoras estão criando, politicamente, uma crise e eu concordo. O Brasil não está quebrado. A origem desta crise não está em uma crise econômica que gera recessão. É uma crise política criada por uma elite que quer quebrar o sistema, e em grande parte está conseguindo isso.
A rigor, essa é a ação que envolve grandes interesses, em particular interesses internacionais no Pré-Sal e o interesse dos grandes bancos internacionais que querem manter a mamata da Selic elevada, pois é um grande negócio aplicar aqui e ganhar 12% de juros, enquanto os Bancos Centrais da Europa e dos Estados Unidos estão trabalhando com taxas de juros de 0,5%, quando muito 1%.
A tentativa da Dilma de reduzir a Selic a 7% e de abrir os bancos oficiais para obrigar a concorrência foi, para esses interesses, um grito de guerra. Tanto que ela teve que voltar atrás. Mas nós não podemos continuar a trabalhar para encher o bolso de dinheiro dos especuladores financeiros. Acho que esse não é apenas o objetivo da classe trabalhadora, mas dos empresários efetivamente produtivos. Não é possível desenvolver o país quando todo mundo se vê obrigado a pagar uma espécie de royalties sobre o dinheiro, aliás um dinheiro que nem é dos próprios bancos, mas dos nossos depósitos, ou então dinheiro fictício criado por meio de alavancagem.
Ou avança, ou recua. Não dá mais para ficar onde está
O Brasil vive um impasse – e, a partir desse impasse o país avança, e consolida os ganhos das últimas décadas, ou retrocede, e perde o que ganhou. Por isso considero importante unificar o debate. E estou convencido de que há muita gente que quer avançar. Muitas famílias, pela primeira vez, têm os filhos na universidade, muitas delas apenas agora conseguem alimentar os seus filhos – e todas elas são mobilizáveis. As mudanças não acabaram porque 200 mil tomaram a Avenida Paulista. Este país tem base.
Eu acho que o fato de uma parcela desses manifestantes do atraso pedirem a volta da ditadura mostra o tipo de ausência de uma visão propositiva da direita. O que eles querem? Sangrar mais os pobres, aumentar mais a desigualdade, privatizar mais?
A contaminação da política pelo poder econômico
Hoje o país tem um Congresso com uma bancada ruralista, uma bancada dos bancos, uma bancada das grandes empreiteiras, uma bancada das grandes montadoras, e você conta nos dedos quem é da bancada cidadã. A lei aprovada em 1997 que autorizou as corporações a financiarem campanhas foi um golpe terrível para o processo democrático. Não se pode qualificar de democracia o que vivemos no Brasil só porque a gente vota, porque o voto é rigorosamente determinado por uma gigantesca máquina de financiamento que vai se traduzir no tipo de Congresso que temos. Isso coloca a questão da reforma política e, em particular, o financiamento das campanhas, na linha de frente.
Nada para o planeta, tudo para os bancos
A Rio+20 teve uma grande reunião internacional que firmou como um dos objetivo levantar US$ 30 bilhões para salvar o planeta. Não conseguiu. Em 2008, em meses, os governos levantaram trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, se endividaram e passaram a pagar juros para o próprio sistema financeiro que foi socorrido com esse dinheiro. Esse movimento dos governos praticamente destruiu o que restava do legado da social democracia nesses países, do chamado Welfare State, ao reduzirem os direitos sociais.
(Entrevista publicada originalmente em “Engenharia em Revista”)
Fonte: MST

“Deus está sendo usado para encobrir lavagem de dinheiro público”: artigo de Leonardo Boff


"Não me fala que o Calypso acabou, pelamordedeus"
“Não me fala que o Calypso acabou, pelamordedeus”
Publicado no Unisinos:

Tudo o que é sadio pode ficar doente. Também as religiões e as igrejas. Hoje particularmente assistimos a doença do fundamentalismo contaminando setores importantes de quase todas as religiões e igrejas, inclusive da Igreja Católica. Há, às vezes, verdadeira guerra religiosa. Basta acompanhar alguns programas religiosos de televisão especialmente, de cunho neopentecostal, mas não só também de alguns setores conservadores da Igreja Católica para ouvir a condenação de pessoas ou de grupos, de certas correntes teológicas ou a satanização das religiões afro-brasileiras.
A expressão maior do fundamentalismo de cunho guerreiro e exterminador é aquele representado pelo Estado Islâmico que faz da violência e do assassinado dos diferentes, expressão de sua identidade.
Mas há um outro vício religioso, muito presente nos meios de comunicação de massa especialmente na televisão e no rádico: o uso da religião para arrebanhar muita gente, pregar o evangelho da prosperidade material, arrancar dinheiro dos frequeses e enriquecer seus pastores e auto-proclamados bispos. Temos a ver com religiões de mercado que obedecem à lógica do mercado que é a concorrência e o arrebanhamento do número maior possível de pessoas com a mais eficaz acumulação de dinheiro líquido possível.
Se bem repararmos, para a maioria destas igrejas mediáticas, o Novo Testamento raramente é referido. O que vigora mesmo é o Antigo Testamento. Entende-se o porquê. O Antigo Testamento, exceto os profetas e de outros textos, enfatiza especialmente o bem estar material como expressão do agrado divino. A riqueza ganha centralidade. O Novo Testamento exalta os pobres, prega a misericórdia, o perdão, o amor ao inimigo e a irrestrita solidariedade para com os pobres e caídos na estrada. Onde que se ouve, até nos programas católicos, as palavras do Mestre: “Felizes vocês, pobres, porque de vocês é o Reino de Deus”?
Fala-se demais de Jesus e de Deus, como se fossem realidade disponíveis no mercado. Tais realidades sagradas, por sua natureza, exigem reverência e devoção, o silêncio respeitoso e a unção devota. O pecado que mais ocorre é contra o segundo mandamento:”não usar o santo nome de Deus em vão”. Esse nome está colado nos vidros dos carros e na própria carteira de dinheiro, como se Deus não estivesse em todos os lugares. É Jesus para cá e Jesus para lá numa banalização desacralizadora irritante.
O que mais dói e verdadeiramente escandaliza é usar o nome de Deus e de Jesus para fins estritamente comerciais. Pior, para encobrir falcatruas, roubo de dinheiro público e de lavagem de dinheiro. Há quem possui um empresa cujo título é “Jesus”. Em nome de “Jesus” se amealharam milhões em propinas, escondidas em bancos estrangeiros e outras corrupções envolvendo bens públicos. E isso é feito no maior descaramento.
Se Jesus estivesse ainda em nosso meio, seguramente, faria o que fez com os mercadores do templo: tomou o chicote e os pôs a correr além de derrubar suas bancas de dinheiro.
Por estes desvios de uma realidade sagrada, perdemos a herança humanizadora das Escrituras judeo-cristãs e especialmente o caráter libertador e humano da mensagem e da prática de Jesus. A religião pode fazer o bem melhor mas também pode fazer o mal pior.
Sabemos que a intenção originária de Jesus não era criar uma nova religião. Havia muitas no tempo. Nem pensava reformar o judaismo vigente. Ele quis nos ensinar a viver, orientados pelos valores presentes em seu sonho maior, o do Reino de Deus, feito de amor incondicional, misericórdia, perdão e entrega confiante a um Deus, chamado de “Paizinho” (Abba em hebraico) com características de mãe de infinita bondade. Ele colocou em marcha a gestação do homem novo e da mulher nova, eterna busca da humanidade.
Como o livro dos Atos dos Apóstolos o mostra, o Cristianismo inicialmente era mais movimento que instituição. Chamava-se o “caminho de Jesus”, realidade aberta aos valores fundamentais que pregou e viveu. Mas na medida em que o movimento foi crescendo, fatalmente, se transformou numa instituição, com regras, ritos e doutrinas. E aí o poder sagrado (sacra potestas) se constituíu em eixo organizador de toda a instituição, agora chamada Igreja. O caráter de movimento foi absorvido por ela. Da história aprendemos que lá onde prevalece o poder, desaparece o amor e se esvai a misericórdia. Foi o que infelizmente aconteceu. Hobbes nos alertou que o poder só se assegura buscando mais e mais poder. E assim surgiram igrejas poderosas em instituições, monumentos, riquezas materiais e até bancos. E com o poder a possibilidade da corrupção.
Estamos assistindo a uma novidade que cabe saudar: o Papa Francisco nos está resgatando o Cristianismo mais como movimento do que como instituição, mais como encontro entre as pessoas e com o Cristo vivo e a misericórdia ilimitada que a férrea disciplina e doutrina ortodoxa. Ele colocou como Jesus, a pessoa no centro, não o poder, nem o dogma, nem o enquadramento moral. Com isso permitiu que todos, mesmo não se incorporando à instituição, podem se sentir no caminho de Jesus na medida em que optam pelo amor e pela justiça.
*DCM

Enquanto prender Cunha não for tão simples quanto prender Dirceu, a Justiça ficará sob suspeita (Por Paulo Nogueira)

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 Com a quase primeira damaEduardo Cunha virou o símbolo da corrupção.
Tanta campanha da mídia para ardilosamente associar o PT à corrupção, e eis que irrompe espetacularmente Cunha no cenário e estraga tudo.
Para a plutocracia, é uma má notícia. O ideal era deixar Cunha com as mãos livres para favorecê-la.
No Congresso, ele liderou, a seu estilo, ações em prol dos plutocratas. Comandou ataques a direitos trabalhistas, cerceou o debate em torno da regulação da mídia e fez o diabo para a manutenção do financiamento privado das campanhas.
É nisso, neste financiamento, que ele e os donos do dinheiro se conectam. Ele recebe dinheiro para servi-los, e é recompensado com uma espécie de licença para roubar.
O azar, para ambas as partes, é que a polícia da Suíça entrou em cena.
E então, depois de quase uma década de tentativas da plutocracia de carimbar no PT a pecha de grande fator de corrupção no país, repetindo uma estratégia feita antes contra GV e Jango, explode o caso Eduardo Cunha.
E toda a armação desmorona.
A corrupção tem um ícone: Eduardo Cunha.
Se ele não for exemplarmente punido em praça pública, o país levará uma bofetada moral de proporções épicas.
E essa punição tem que vir rápido.
Me pergunto o que Janot está esperando para enquadrar devidamente Eduardo Cunha: que a polícia e a Justiça suíça façam mais este serviço?
Ah, Eduardo Cunha tem foro privilegiado, aliás um absurdo que apenas reforça o caráter antiigualitário do Brasil.
Diante desse obstáculo, evoco Guy Fawkes, o célebre rebelde britânico que tentou derrubar o Rei Jaime no começo do século 17 com bombas destinadas a explodir o Parlamento.
Descoberta a trama, o rei interrogou Fawkes. E lhe perguntou o motivo de tanta agressividade.
“Situações extraordinárias requerem medidas extraordinárias”, respondeu o rebelde, logo executado depois de torturas excruciantes durante as quais famosamente não falou nada que comprometesse seus companheiros de trama.
Com Eduardo Cunha, estamos diante de uma situação extraordinária.
Ele não pode ficar desembaraçado para fazer o que bem entende porque ele, já sabemos todos, representa o mal, a corrupção, a trapaça.
Todo um país à mercê de alguém como ele?
De novo: situações extraordinárias demandam ações extraordinárias.
Prender Eduardo Cunha vai ser o mais duro golpe na corrupção jamais dado no país.
E que fique claro.
Enquanto não for tão simples prender figuras como Cunha como foi simples prender Dirceu e Genoíno, não haverá razões para respeitar a Justiça brasileira