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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
domingo, setembro 05, 2021
sábado, setembro 04, 2021
sábado, agosto 28, 2021
quinta-feira, agosto 19, 2021
segunda-feira, agosto 16, 2021
Ancine manda arquivar projeto de lançamento de “Marighella”
Cena de Marighella, o filme
Filme Marighella Credito: Globo Filmes
No último dia 2 de julho, em uma diligência interna, uma gestora do setor de análise técnica e seleção de projetos da Ancine encaminhou o projeto de lançamento comercial do filme “Marighella”, de Wagner Moura, para arquivamento, com a seguinte justificativa: “Procedemos ao cancelamento do projeto acima referenciado e encerramento do respectivo processo devido à DESISTÊNCIA DA PROPONENTE em prosseguir com o projeto na Chamada Pública”.
A reportagem entrou em contato com a 02 Cinema, produtora do filme, perguntando se a empresa teria mesmo desistido da Chamada Pública (e, automaticamente, da quantia de R$ 1 milhão), e a produtora enviou a seguinte nota: “A O2 não confirma essa informação”.
Se não houve desistência da produtora de “Marighella”, a Ancine cometeu um crime, no mínimo, de falsificação ideológica. Porque, como o projeto foi aprovado pela Diretoria Colegiada, somente uma solicitação formal da empresa é que confirmaria o cancelamento. E não há, no processo, nenhum documento do tipo anexado.
Uma presumível censura prévia do Estado brasileiro ao filme de Wagner Moura já foi denunciada em diversos momentos e negada pelo governo em todos eles. Esse último episódio parece demonstrar que há uma predisposição muito bem enfronhada na agência de cinema nacional em relação a isso, assim como uma estratégia.
Pronto desde 2019, o filme não consegue estrear comercialmente no Brasil, embora tenha sido selecionado em Chamada Pública da Ancine. O diretor Wagner Moura sempre atribuiu essa dificuldade à ação censória do governo de Jair Bolsonaro, que tem diferenças com o personagem central do filme, o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969). Bolsonaro até tentou, em 2018, incluir-se entre os “heróis” que fizeram a perseguição ao guerrilheiro (o problema é que ele só tinha 14 anos na época, mas não é exatamente de respeito factual que vive este personagem).
A Ancine, por seu lado, argumentou que havia um problema burocrático com a produtora do filme, a O2 Cinema Ltda, e que essa pendência – relativa a um outro filme da produtora, o documentário “O Sentido da Vida” – é que impediria a empresa de prosseguir com os trâmites dentro da estrutura do Estado.
A Ancine exigiu a devolução dos recursos investidos no filme “O Sentido da Vida”, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, porque resolveu indeferir uma simples prorrogação de prazo intempestiva. A obra não foi concluída no prazo inicialmente fixado, em junho de 2019, mas a Ancine nunca tinha analisado o pedido de prorrogação (um procedimento corriqueiro na agência) alegando que “em razão da atual composição da diretoria, estão sendo tratadas apenas matérias de caráter urgente”. A vacância de diretores na agência, situação causada pelo próprio governo, foi um cenário que perdurou durante todo o ano de 2019 e o início de 2020.
A inflexibilidade seletiva da Ancine não passou despercebida. O próprio agente financeiro que opera o audiovisual brasileiro, o BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento Econômico), em e-mail enviado à agência, questionou a decisão de não estender o prazo, dizendo que os pedidos de prorrogação eram usualmente aceitos. A equipe jurídica do BRDE tomou o cuidado de enviar, nesse e-mail, uma lista com alguns casos em que os pedidos de prorrogação intempestivos tinham sido concedidos: os filmes “Antártica por um ano”, “Organismo”, “Minha fama de mau”, “O imaginário de Juraci-Doréa no Sertão-Veredas”, “Tabuh” e “Breves Miragens de Sal”. A negativa ao pedido da O2, além de ser uma penalidade desproporcional, configurou uma quebra do princípio de isonomia.
A verdade é que a censura subliminar sempre teve um alvo bem definido e não confessado: o incômodo (para os revisionistas da História) filme “Marighella”. Para vetar o filme, a Ancine lançou mão de uma justificativa “técnica”: como a O2 estava em inadimplência por causa de “O Sentido da Vida”, não poderia prosseguir com o programa de lançamento que tinha previsto para o novo filme.
Mas é agora que vem a parte mais assombrosa dessa situação. No início de abril de 2021, a situação do filme “O Sentido da Vida” foi resolvida com a concessão da prorrogação do prazo de finalização. Isso, em tese, encerraria as pendências da O2 e liberaria o lançamento de “Marighella”, cujo projeto de comercialização tinha sido aprovado em Chamada Pública após reunião da Diretoria Colegiada da Ancine, mediante solicitação da empresa. É então que entra a diligência interna relatada acima, que fala em “desistência” da produtora – fato que é negado pela empresa.
Com Seu Jorge no papel principal, “Marighella” segue sendo exibido com êxito em festivais de cinema no mundo, além de já ter sido aplaudido no Festival de Berlim. No Brasil, entretanto, não consegue estrear: já teve outras duas datas adiadas somente este ano. O filme se baseia na biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães e publicada em 2012, “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo”.
https://farofafa.com.br/2021/08/13/ancine-manda-arquivar-projeto-de-lancamento-de-marighela/?fbclid=IwAR1DBmPO6mlxJikyMgwQxVDSID0GZVbncpkAEqDWk8VyOIEMzjVu_w8WWh8
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