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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
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segunda-feira, novembro 21, 2011

Mauro Santayana: O BRASIL, OS BRICS, E A NOVA ARMA HIPERSÔNICA DOS ESTADOS UNIDOS.

Sanguessugado do Mauro Santayana

O fato de os Estados Unidos, mesmo em crise econômica e política - com milhares de pessoas ocupando as ruas para protestar contra o sistema - terem anunciado o sucesso, há três dias, do vôo de teste, entre o Havaí e as Ilhas Marshall, de uma nova bomba voadora, de velocidade supersônica, capaz de atingir qualquer ponto do globo em menos de uma hora, tem que servir de alerta para o Brasil e para os BRICS.
Enquanto investimos bilhões na compra de equipamento e tecnologia militar obsoleta, como os submarinos Scorpéne e, eventualmente, o Rafale, desenvolvidos há mais de 30 anos, os Estados Unidos não cessam de pesquisar novas armas de destruição em massa, e sistemas de armamento naval como o canhão magnético de munição cinética, anunciado no ano passado, que não depende de combustível para atingir alvos a uma distância de 300 quilômetros.
Isso, apesar de Washington ter um déficit de 7 trilhões de dólares, boa parte dele derivado dos 35 bilhões de dólares que gasta, por semana, para manter seus soldados no Iraque e no Afeganistão, países dos quais já prepara a retirada de suas tropas convencionais - com o rabo entre as pernas - a partir do ano que vem.
A insistência de os Estados Unidos em continuarem se armando, mesmo em uma situação de crise econômica e institucional crescente, aponta para a cristalização de uma perigosa equação, que, do ponto de vista do resto do mundo – excetuando-se a Europa, cada vez mais submissa aos interesses norte-americanos - equivale a um mendigo louco com uma arma na mão na praça de alimentação de um Shopping, ou, à velha metáfora, mais usada antigamente, de um macaco solto em uma loja de louças.
Como a história mostrou nos anos do equilíbrio do terror da Guerra Fria, quando os EUA não ousariam invadir países como o Iraque e o Afeganistão, sem a aquiescência tácita da URSS, de nada adianta construir uma nova ordem multipolar, se o poder no mundo continuar obedecendo a uma situação unipolar do ponto de vista militar.
O BRICS tem se erguido, nos últimos anos, na economia e na diplomacia, justamente para fazer frente à Europa e aos Estados Unidos, porque o mundo não pode continuar refém, como tem acontecido, das decisões que são tomadas em uma Europa e em uma América do Norte cada vez mais frágeis, no âmbito político-institucional, e cada vez mais decadentes, do ponto de vista econômico.
Nada disso funcionará, no entanto, se a projeção do crescente poder do BRICS não se fizer, também, na área militar. Não dá para se pensar em uma estratégia de defesa viável, no futuro, se não juntarmos nossos recursos financeiros e tecnológicos, nosso conhecimento e nossos pesquisadores militares aos da Rússia, da China, da Índia e da África do Sul para o desenvolvimento de uma nova geração de armamentos que vá, como está ocorrendo com os Estados Unidos, um pouco além do armamento convencional hoje existente.
Não se pode confiar nem cooperar com os países ocidentais nessa área. Eles só nos vêem como “parceiros” da hora dos coquetéis de seus adidos militares, ou no quando tem interesse de nos vender material obsoleto para utilizar o lucro no desenvolvimento de novas gerações de armamentos. Quando chega o momento de a onça beber água, eles se aliam entre si, e nos vêem como sempre nos viram, como um bando de subdesenvolvidos. Que o diga a Argentina, que até hoje não esqueceu as lições que aprendeu quando precisou de armamento para reposição na Guerra das Malvinas.

quarta-feira, agosto 05, 2015

Com a extrema-direita não se brinca, não se alivia, não se tergiversa, não se compactua.

 
Enviado por nilo
 
Do blog de Mauro Santayana
 
 
Mauro Santayana
 
Esperam-se, para o próximo dia 16 de agosto — mês do suicídio de Vargas e de tantas desgraças que já se abateram sobre o Brasil — novas manifestações pelo impeachment da Presidente da República, por parte de pessoas que acusam o governo de ser corrupto e comunista e de estar quebrando o país.
 
Se esses brasileiros, antes de ficar repetindo sempre os mesmos comentários dos portais e redes sociais, procurassem fontes internacionais em que o mercado financeiro normalmente confia para tomar suas decisões, como o FMI - Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, veriam que a história é bem diferente, e que se o PIB e a renda per capita caíram, e a dívida pública líquida praticamente dobrou, foi no governo Fernando Henrique Cardoso.
 
Segundo o Banco Mundial, o PIB do Brasil, que era de 534 bilhões de dólares, em 1994, caiu para 504 bilhões de dólares, quando Fernando Henrique Cardoso deixou o governo, oito anos depois.
 
Para subir, extraordinariamente, destes 504 bilhões de dólares, em 2002, para 2 trilhões, 346 bilhões de dólares, em 2014, último dado oficial levantado pelo Banco Mundial, crescendo mais de 400% em dólares, em apenas 11 anos, depois que o PT chegou ao poder.
 
E isso, apesar de o senhor Fernando Henrique Cardoso ter vendido mais de 100 bilhões de dólares em empresas brasileiras, muitas delas estratégicas, como a Telebras, a Vale do Rio Doce e parte da Petrobras, com financiamento do BNDES e uso de “moedas podres”, com o pretexto de sanear as finanças e aumentar o crescimento do país.
 
Com a renda per capita ocorreu a mesma coisa. No lugar de crescer em oito anos, a renda per capita da população brasileira, também segundo o Banco Mundial — caiu de 3.426 dólares, em 1994, no início do governo, para 2.810 dólares, no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002. E aumentou, também, em mais de 400%, de 2.810 dólares, para 11.208 dólares, também segundo o World Bank, depois que o PT chegou ao poder.
 
O salário mínimo, que em 1994, no final do governo Itamar Franco, valia 108 dólares, caiu 23%, para 81 dólares, no final do governo FHC e aumentou em três vezes, para mais de 250 dólares, agora.
 
As reservas monetárias internacionais — o dinheiro que o país possui em moeda forte — que eram de 31,746 bilhões de dólares, no final do governo Itamar Franco, cresceram em apenas algumas centenas de milhões de dólares por ano, para37.832 bilhões de dólares — nos oito anos do governo FHC.
 
Nessa época, elas eram de fato, negativas, já que o Brasil, para chegar a esse montante, teve que fazer uma dívida de 40 bilhões de dólares com o FMI.
 
Depois, elas se multiplicaram para 358,816 bilhões de dólares em 2013, e para 370,803 bilhões de dólares, em dados de ontem (Bacen), transformando o Brasil de devedor em credor do FMI, depois do pagamento total da dívida com essa instituição em 2005, e de emprestarmos dinheiro para o Fundo Monetário Internacional, quando do pacote de ajuda à Grécia em 2008.
 
E, também, no terceiro maior credor individual externo dos EUA, segundo consta, para quem quiser conferir, do próprio site oficial do tesouro norte-americano — (usa treasury).
 
O IED - Investimento Estrangeiro Direto, que foi de 16,590 bilhões de dólares, em 2002, no último ano do Governo Fernando Henrique Cardoso, também subiu mais de quase 400%, para 80,842 bilhões de dólares, em 2013, depois que o PT chegou ao poder, ainda segundo dados do Banco Mundial: passando de aproximadamente 175 bilhões de dólares nos anos FHC (mais ou menos 100 bilhões em venda de empresas nacionais) para 440 bilhões de dólares entre 2002 e 2014.
 
A dívida pública líquida (o que o país deve, fora o que tem guardado no banco), que, apesar das privatizações, dobrou no Governo Fernando Henrique, para quase 60%, caiu para 35%, agora, 11 anos depois do PT chegar ao poder.
 
Quanto à questão fiscal, não custa nada lembrar que a média de déficit público, sem desvalorização cambial, dos anos FHC, foi de 5,53%, e com desvalorização cambial, de 6,59%, bem maior que os 3,13% da média dos anos que se seguiram à sua saída do poder; e que o superavit primário entre 1995 e 2002 foi de 1,5%, muito menor que os 2,98% da média de 2003 e 2013 — segundo Ipeadata e o Banco Central.
 
E, ao contrário do que muita gente pensa, o Brasil ocupa, hoje, apenas o quinquagésimo lugar do mundo, em dívida pública, em situação muito melhor do que os EUA, o Japão, a Zona do Euro, ou países como a Alemanha, a França, a Grã Bretanha — cujos jornais adoram ficar nos ditando regras e “conselhos” — ou o Canadá (economichelp).
 
Também ao contrário do que muita gente pensa, a carga tributária no Brasil caiu ligeiramente, segundo Banco Mundial, de 2002, no final do governo FHC, para o último dado disponível, de dez anos depois, e não está entre a primeiras do mundo, assim como a dívida externa, que caiu mais de 10 pontos percentuais nos últimos dez anos, e é a segunda mais baixa, depois da China, entre os países do G20 (quandl).
 
Não dá, para, em perfeito juízo, acreditar que os advogados, economistas, empresários, jornalistas, empreendedores, funcionários públicos, majoritariamente formados na universidade, que bateram panelas contra Dilma em suas varandas, no início do ano, acreditem mais nos boatos das redes sociais, do que no FMI e no Banco Mundial, organizações que podem ser taxadas de tudo, menos de terem sido “aparelhadas” pelo governo brasileiro e seus seguidores.
 
Considerando-se estas informações, que estão, há muito tempo, publicamente disponíveis na internet, o grande mistério da economia brasileira, nos últimos 12 anos, é saber em que dados tantos jornalistas, economistas, e “analistas”, ouvidos a todo momento, por jornais, emissoras de rádio e televisão, se basearam, antes e agora, para tirar, como se extrai um coelho da cartola — ou da "cachola" — o absurdo paradigma, que vêm defendendo há anos, de que o Governo Fernando Henrique foi um tremendo sucesso econômico, e de que deixou “de presente” para a administração seguinte, um país econômica e financeiramente bem sucedido.
 
Nefasto paradigma, este, que abriu caminho, pela repetição, para outra teoria tão frágil quanto mentirosa, na qual acreditam piamente muitos dos cidadãos que vão sair às ruas no próximo dia seis: a de que o PT estaria, agora, jogando pela janela, essa — supostamente maravilhosa - “herança” de Fernando Henrique Cardoso.
 
O pior cego é o que não quer ver, o pior surdo, o que não quer ouvir.
 
Está certo que não podemos ficar apenas olhando para o passado, que temos de enfrentar os desafios do presente, fruto de uma crise que é internacional, e que é constantemente alimentada e realimentada por medidas de caráter jurídico que afetam a credibilidade e a estabilidade de empresas e por uma intensa campanha antinacional, que fazem com que estejamos crescendo pouco, neste ano, embora haja diversos países ditos “desenvolvidos” que estejam muito mais endividados e crescendo menos ainda do que nós.
 
Assim como também é verdade que esse governo não é perfeito, e que se cometeram vários erros na economia, que poderiam ter sido evitados, principalmente nos últimos anos, como desonerações desnecessárias e um tremendo incentivo ao consumo que prejudicou — entre outras razões, também pelo aumento da importação de supérfluos e de viagens ao exterior — a balança comercial.
 
Mas, pelo amor de Deus, não venham nos impingir nenhuma dessas duas fantasias, que estão empurrando muita gente a sair às ruas para se manifestar: nem Fernando Henrique salvou o Brasil, nem o PT está quebrando um país que em 2002, era a décima-quarta maior economia do mundo, e que hoje já ocupa o sétimo lugar.
 
Muitos brasileiros também vão sair às ruas, mais esta vez, por acreditar — assim como fazem com relação à afirmação de que o PT quebrou o país — que o governo Dilma é comunista e que ele quer implantar uma ditadura esquerdista no Brasil.
 
Quais são os pressupostos e características de um país democrático, ao menos do ponto de vista de quem "acredita" e defende o capitalismo?
 
a) a liberdade de expressão — o que não é verdade para a maioria dos países ocidentais - dominados por grandes grupos de mídia pertencentes a meia dúzia de famílias, mas que, do ponto de vista formal, existe plenamente por aqui;
 
b) a liberdade de empreender, ou de livre iniciativa, por meio da qual um indivíduo qualquer pode abrir ou encerrar uma empresa de qualquer tipo, quando quiser;
 
c) a liberdade de investimento, inclusive para capitais estrangeiros;
 
d) um sistema financeiro particular independente e forte;
 
e) apoio do governo à atividade comercial e produtiva;
 
f) a independência dos poderes;
 
g) um sistema que permita a participação da população no processo político, na expressão da vontade da maioria, por meio de eleições livres e periódicas, para a escolha, a intervalos regulares e definidos, de representantes para o Executivo e o Legislativo, nos municípios, Estados e União.
 
Todas essas premissas e direitos estão presentes e vigentes no Brasil.
 
Não é o fato de ter como símbolo uma estrela solitária ou vestir uma roupa vermelha — hábito que deveria ter sido abandonado pelo PT há muito tempo, justamente para não justificar o discurso adversário de que o PT não é um partido "brasileiro" ou "patriótico" — que transformam alguém em comunista — e aí estão botafoguenses e colorados que não me deixam mentir, assim como o Papai Noel, que se saísse inadvertidamente às ruas, no dia 6, provavelmente seria espancado brutalmente, depois de ter o conteúdo de seu saco de brinquedos revistado e provavelmente “apreendido” à procura de dinheiro de corrupção.
 
Da mesma forma que usar uma bandeira do Brasil não transforma, automaticamente, ninguém em patriota, como mostrou a foto do Rocco Ritchie, o filho da Madonna, no Instagram, e os pavilhões nacionais pendurados na entrada do prédio da Bolsa de Nova Iorque, quando da venda de ações de empresas estratégicas brasileiras, na época da privataria.
 
Qualquer pessoa de bom senso prefere um brasileiro vestido de vermelho — mesmo que seja flamenguista ou sãopaulino, que não são, por acaso, times do meu coração — do que um que vai para a rua, vestido de verde e amarelo, para defender a privatização e a entrega, para os EUA, de empresas como a Petrobras.
 
O PT é um partido tão comunista, que o lucro dos bancos, que foi de aproximadamente 40 bilhões de dólares no governo Fernando Henrique Cardoso, aumentou para 280 bilhões de dólares nos oito anos do governo Lula.
 
É claro que isso ocorreu também por causa do crescimento da economia, que foi de mais de 400% nos últimos 12 anos, mas só o fato de não aumentar a taxação sobre os ganhos dos mais ricos e dos bancos — que, aliás, teria pouquíssima chance de passar no Congresso Nacional — já mostra como é exagerado o medo que alguns sentem do “marxismo” do Partido dos Trabalhadores.
 
O PT é um partido tão comunista, que grandes bancos privados deram mais dinheiro para a campanha de Dilma e do PT do que para os seus adversários nas eleições de 2014.
 
Será que os maiores bancos do país teriam feito isso, se dessem ouvidos aos radicais que povoam a internet, que juram, de pés juntos, que Dilma era assaltante de banco na década de 1970, ou se desconfiassem que ela é uma perigosa terrorista, que está em vias de dar um golpe comunista no Brasil?
 
O PT é um partido tão comunista que nenhum governo apoiou, como ele, o capitalismo e a livre iniciativa em nosso país.
 
Foi o governo do PT que criou o Construcard, que já emprestou mais de 20 bilhões de reais em financiamento, para compra de material de construção, beneficiando milhares de famílias e trabalhadores como pedreiros, pintores, construtores; que criou o Cartão BNDES, que atende, com juros subsidiados, milhares de pequenas e médias empresas e quase um milhão de empreendedores; que aumentou, por mais de quatro, a disponibilidade de financiamento para crédito imobiliário — no governo FHC foram financiados 1,5 milhão de unidades, nos do PT mais de 7 milhões — e o crédito para o agronegócio (no último Plano Safra de Fernando Henrique, em 2002, foram aplicados 21 bilhões de reais, em 2014/2015, 180 bilhões de reais, 700% a mais) e a agricultura familiar (só o governo Dilma financiou mais de 50 bilhões de reais contra 12 bilhões dos oito anos de FHC).
 
Aumentando a relação crédito-PIB, que era de 23%, em dezembro de 2002, para 55%, em dezembro de 2014, gerando renda e empregos e fazendo o dinheiro circular.
 
As pessoas reclamam, na internet, porque o governo federal financiou, por meio do BNDES, empresas brasileiras como a Braskem, a Vale e a JBS.
 
Mas, estranhamente, não fazem a mesma coisa para protestar pelo fato do governo do PT, altamente “comunista”, ter emprestado — equivocadamente a nosso ver — bilhões de reais para multinacionais estrangeiras, como a Fiat e a Telefónica (Vivo), ao mesmo tempo em que centenas de milhões de euros, seguem para a Europa, como andorinhas, todos os anos, em remessa de lucro, para nunca mais voltar.
 
A questão militar
 
Outro mito sobre o suposto comunismo do PT, é que Dilma e Lula, por revanchismo, sejam contra as Forças Armadas, quando suas administrações, à frente do país, começaram e estão tocando o maior programa militar e de defesa da história brasileira.
 
Lula nunca pegou em armas contra a ditadura. No início de sua carreira como líder de sindicato, tinha medo “desse negócio de comunismo” — como já declarou uma vez — surgiu e subiu como uma liderança focada na defesa de empregos, aumentos salariais e melhoria das condições de classe de seus companheiros de trabalho, operários da indústria automobilística de São Paulo, e há quem diga que teria sido indiretamente fortalecido pelo próprio regime militar para impedir o crescimento político dos comunistas em São Paulo.
 
Dilma, sim, foi militante de esquerda na juventude, embora nunca tenha pego em armas, a ponto de não ter sido acusada disso sequer pela Justiça Militar.
 
Mas se, por esta razão, ela é comunista, seria possível acusar desse mesmo “crime” também José Serra, Aloísio Nunes Ferreira, e muitos outros que antes eram contra a ditadura e estão, hoje, contra o PT.
 
Se o PT tivesse alguma coisa contra a Marinha, ele teria financiado, por meio do PROSUB, a construção do estaleiro e da Base de Submarinos de Itaguaí, e investido 7 bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a França, de vários submersíveis convencionais e do primeiro submarino nuclear brasileiro, cujo projeto se encontra hoje ameaçado, porque suas duas figuras-chave, o Presidente do Grupo Odebrecht, e o Vice-Almirante Othon Pinheiro da Silva, figuras públicas, com endereço conhecido, estão desnecessária e arbitrariamente detidos, no âmbito da "Operação Lava-Jato"?
 
Teria, da mesma forma, o governo do PT, comprado novas fragatas na Inglaterra, voltado a fabricar navios patrulha em nossos estaleiros, até para exportação para países africanos, investido na remotorização totalmente nacional de mísseis tipo Exocet, na modernização do navio aeródromo (porta-aviões) São Paulo, na compra de um novo navio científico oceanográfico na China, na participação e no comando por marinheiros brasileiros das Forças de Paz da ONU no Líbano ?
 
Se fosse comunista, o governo do PT estaria, para a Aeronáutica, investido bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a Suécia, de mais de 30 novos caças-bombardeio Gripen NG-BR, que serão fabricados dentro do país, com a participação de empresas brasileiras e da SAAB, com licença de exportação para outras nações, depois de uma novela de mais de duas décadas sem avanço nem solução, que começou no governo FHC ?
 
Se fosse comunista — e contra as forças armadas — teria o governo do PT encomendado à Aeronáutica e à Embraer, com investimento de um bilhão de reais, do governo federal, o projeto do novo avião cargueiro militar multipropósito KC-390, desenvolvido com a cooperação da Argentina, do Chile, de Portugal e da República Tcheca, capaz de carregar até blindados, que já começou a voar neste ano — a maior aeronave já fabricada no Brasil?
 
Teria comprado, para os Grupos de Artilharia Aérea de Auto-defesa da FAB, novas baterias de mísseis IGLA-S; ou feito um acordo com a África do Sul, para o desenvolvimento conjunto — em um projeto que também participa a Odebrecht — com a DENEL Sul-africana, do novo míssil ar-ar A-Darter, que ocupará os nossos novos caças Gripen NG BR?
 
Se fosse um governo comunista, o governo do PT teria financiado o desenvolvimento, para o Exército, do novo Sistema Astros 2020, e recuperado financeiramente a AVIBRAS ?
 
Se fosse um governo comunista, que odiasse o Exército, o governo do PT teria financiado e encomendado a engenheiros dessa força, o desenvolvimento e a fabricação, com uma empresa privada, de 2.050 blindados da nova família de tanques Guarani, que estão sendo construídos na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais?
 
Ou o desenvolvimento e a fabricação da nova família de radares SABER, e, pelo IME e a IMBEL, para as três armas, da nova família de Fuzis de Assalto IA-2, com capacidade para disparar 600 tiros por minuto, a primeira totalmente projetada no Brasil?
 
Ou encomendado e investido na compra de helicópteros russos e na nacionalização de novos helicópteros de guerra da Helibras e mantido nossas tropas — em benefício da experiência e do prestígio de nossas forças armadas — no Haiti e no Líbano?
 
Em 2012, o novo Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, então Comandante Militar da Amazônia, respondeu da seguinte forma a uma pergunta, em entrevista à Folha de São Paulo:
 
Lucas Reis:
 
“Em 2005, o então Comandante do Exército, general Albuquerque, disse “o homem tem direito a tomar café, almoçar e jantar, mas isso não está acontecendo (no Exército). A realidade atual mudou?
 
General Eduardo Villas Bôas:
 
“Mudou muito. O problema é que o passivo do Exército era muito grande, foram décadas de carência. Desde 2005, estamos recebendo muito material, e agora é que estamos chegando a um nível de normalidade e começamos a ter visibilidade. Não discutimos mais se vai faltar comida, combustível, não temos mais essas preocupações.”
 
Deve ter sido, também, por isso, que o General Villas Bôas, já desmentiu, como Comandante do Exército, neste ano, qualquer possibilidade de "intervenção militar" no país, como se pode ver aqui (O recado das armas).
 
A questão externa
 
A outra razão que contribui para que o governo do PT seja tachado de comunista, e muita gente saía às ruas, no domingo, é a política externa, e a lenda do “bolivarianismo” que teria adotado em suas relações com o continente sul-americano.
 
Não é possível, em pleno século XXI, que os brasileiros não percebam que, em matéria de política externa e economia, ou o Brasil se alia estrategicamente com os BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), potências ascendentes como ele; e estende sua influência sobre suas áreas naturais de projeção, a África e a América Latina — incluídos países como Cuba e Venezuela, porque não temos como ficar escolhendo por simpatia ou tipo de regime — ou só nos restará nos inserir, de forma subalterna, no projeto de dominação europeu e anglo-americano?
 
Ou nos transformarmos, como o México, em uma nação de escravos, como se pode ver aqui (O México e a América do Sul) que monta peças alheias, para mercados alheios, pelo módico preço de 12 reais por dia o salário mínimo?
 
Jogando, assim, no lixo, nossa condição de quinto maior país do mundo em território e população e sétima maior economia, e nos transformando, definitivamente, em mais uma colônia-capacho dos norte-americanos?
 
Ou alguém acha que os Estados Unidos e a União Europeia vão abrir, graciosamente, seus territórios e áreas sob seu controle, à nossa influência, política e econômica, quando eles já competem, descaradamente, conosco, nos países que estão em nossas fronteiras?
 
Do ponto de vista dessa direita maluca, que acusa o governo Dilma de financiar, para uma empresa brasileira, a compra de máquinas, insumos e serviços no Brasil, para fazer um porto em Cuba — a mesma empresa brasileira está fazendo o novo aeroporto de Miami, mas ninguém toca no assunto, como se pode ver aqui (A Odebrecht e o BNDES) — muito mais grave, então, deve ter sido a decisão tomada pelo Regime Militar no Governo do General Ernesto Geisel.
 
Naquele momento, em 1975, no bojo da política de aproximação com a África inaugurada, no Governo Médici, pelo embaixador Mario Gibson Barbosa, o Brasil dos generais foi a primeira nação do mundo a reconhecer a independência de Angola.
 
Isso, quando estava no poder a guerrilha esquerdista do MPLA - Movimento Popular para a Libertação de Angola, comandado por Agostinho Neto, e já havia no país observadores militares cubanos, que, com uma tropa de 25.000 homens, lutariam e expulsariam, mais tarde, no final da década de 1980, o exército racista sul-africano, militarmente apoiado por mercenários norte-americanos, do território angolano depois da vitoriosa batalha de Cuito-Cuanavale.
 
Ao negar-se a meter-se em assuntos de outros países, como Cuba e Venezuela, em áreas como a dos “direitos humanos”, Dilma não faz mais do fez o Regime Militar brasileiro, com uma política externa pautada primeiro, pelo “interesse nacional”, ou do “Brasil Potência”, que estava voltada, como a do governo do PT, prioritariamente para a América do Sul, a África e a aproximação com os países árabes, que foi fundamental para que vencêssemos a crise do petróleo.
 
Também naquela época, o Brasil recusou-se a assinar qualquer tipo de Tratado de Não Proliferação Nuclear, preservando nosso direito a desenvolver armamento atômico, possibilidade essa que nos foi retirada definitivamente, com a assinatura de um acordo desse tipo no governo de Fernando Henrique Cardoso.
 
Se houvesse, hoje, um Golpe Militar no Brasil, a primeira consequência seria um boicote econômico por parte do BRICS e de toda a América Latina, reunida na UNASUL e na CELAC, com a perda da China, nosso maior parceiro comercial, da Rússia, que é um importantíssimo mercado para o agronegócio brasileiro, da Índia, que nos compra até mesmo aviões radares da Embraer, e da Àfrica do Sul, com quem estamos também intimamente ligados na área de defesa.
 
O mesmo ocorreria com relação à Europa e aos EUA, de quem receberíamos apenas apoio extra-oficial, e isso se houvesse um radical do partido republicano na Casa Branca.
 
Os neo-anticomunistas brasileiros reclamam todos os dias de Cuba, um país com quem os EUA acabam de reatar relações diplomáticas, visitado por três milhões de turistas ocidentais todos os anos, em que qualquer visitante entra livremente e no qual opositores como Yoani Sanchez atacam, também, livremente, o governo, ganhando dinheiro com isso, sem ser incomodados.
 
Mas não deixam de comprar, hipocritamente, celulares e gadgets fabricados em Shenzen ou em Xangai, por empresas que contam, entre seus acionistas, com o próprio Partido Comunista.
 
Serão os "comunistas" chineses — para a neo-extrema-direita nacional — melhores que os "comunistas" cubanos ?
 
A questão política
 
A atividade política, no Brasil, sempre funcionou na base do “jeitinho” e da “negociação”.
 
Mesmo quando interrompido o processo democrático, com a instalação de ditaduras — o que ocorreu algumas vezes em nossa história — a política sempre foi feita por meio da troca de favores entre membros dos Três Poderes, e, principalmente, de membros do Executivo e do Legislativo, já que, sem aprovação — mesmo que aparente — do Congresso, ninguém consegue administrar este país nem mudar a lei a seu favor, como foi feito com a aprovação da reeleição para prefeitos, governadores e Presidentes da República, obtida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
 
Toda estrutura coletiva, seja ela uma jaula de zoológico, ou o Parlamento da Grã Bretanha, funciona na base da negociação.
 
Fora disso, só existe o recurso à violência, ou à bala, que coloca qualquer machão, por mais alto, feio e forte seja, na mesma posição de vulnerabilidade de qualquer outro ser humano.
 
O “toma-lá-dá-cá” nos acompanha há milhares de anos e qualquer um pode perceber isto, se parar para observar um grupo de primatas.
 
Ai daquele, entre os macacos, que se recusa a catar carrapatos nas costas alheias, a dividir o alimento, ou a participar das tarefas de caça, coleta ou vigilância.
 
Em seu longo e sábio aprendizado com a natureza, já entenderam eles, uma lição que, parece, há muito, esquecemos: a de que a sobrevivência do grupo depende da colaboração e do comportamento de cada um.
 
O problema ocorre quando nesse jogo, a cooperação e a solidariedade, são substituídas pelo egoísmo e o interesse de um indivíduo ou de um determinado grupo, e a negociação, dentro das regras usuais, é trocada por pura pilantragem ou o mero uso da ameaça e da pressão.
 
O corrupto, entre os primatas, é aquele que quer receber mais cafuné do que faz nos outros, o que rouba e esconde comida, quem, ao ver alguma coisa no solo da floresta ou da savana, olha para um lado e para o outro, e ao ter certeza de que não está sendo observado, engole, quase engasgando, o que foi encontrado.
 
O fascista é aquele que faz a mesma coisa, mas que se apropria do que pertence aos outros, pela imposição extremada do medo e da violência mais injusta.
 
Se não há futuro para os egoístas nos grupos de primatas, também não o há para os fascistas.
 
Uns e outros terminam sendo derrotados e expulsos, de bandos de chimpanzés, babuínos e gorilas, ou da sociedade humana, a dos "macacos nus", quando contra eles se une a maioria.
 
Já que a negociação é inerente à natureza humana, e que ela é sempre melhor do que a força, o que é preciso fazer para diminuir a corrupção, que não acabará nem com golpe nem por decreto?
 
Mudar o que for possível, para que, no processo de negociação, haja maior transparência, menos espaço para corruptos e corruptores, e um pouco mais de interesse pelo bem comum do que pelo de grupos e corporações, como ocorre hoje no Congresso.
 
O caminho para isso não é o impeachment, nem golpe, mas uma Reforma Política, que mude as coisas de fato e o faça permanentemente, e não apenas até as próximas eleições, quando, certamente, partidos e candidatos procurarão empresas para financiar suas campanhas, se elas estiverem dispostas ainda a financiá-los, como se pode ver aqui (A memória, os elefantes e o financiamento empresarial de campanha) — e espertalhões da índole de um Paulo Roberto Costa, de um Pedro Barusco, de um Alberto Youssef, voltarão a meter a mão em fortunas, não para fazer “política” mas em benefício próprio, e as mandarão para bancos como o HSBC e paraísos fiscais como os citados no livro "A Privataria Tucana".
 
O que é preciso saber, é se essa Reforma Política será efetivamente feita, já que é fundamental e inadiável, ou se a Nação continuará suspensa, com toda a sua atenção atrelada a um processo criminal, que tem beneficiado principalmente bandidos identificados até agora, que, em sua maioria, devido a distorcidas "delações", que não se sustentam, na maioria dos casos, em mais provas que a sua palavra, sairão dessa impunes, para gastar o dinheiro, que, quase certamente, colocaram fora do alcance da lei, da compra de bens e de contas bancárias.
 
Pessoas falam e agem, e sairão no dia seis de agosto às ruas também por causa disso, como se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e o caso de corrupção da Petrobras, não fosse mais um de uma longa série de escândalos, a maioria deles sequer investigados antes de 2002.
 
Se a intenção é passar o país a limpo e punir de forma exemplar toda essa bandalheira, era preciso obedecer à fila e à ordem de chegada, e ao menos reabrir, mesmo que fosse simultaneamente, mas com a mesma atenção e "empenho", casos como o do Banestado — que envolveu cerca de 60 bilhões — do Mensalão Mineiro, o do Trensalão de São Paulo, para que estes, que nunca mereceram o mesmo tratamento da nossa justiça nem da sociedade, fossem investigados e punidos, em nome da verdade e da isonomia, na grande faxina "moral" que se pretende estar fazendo agora.
 
Ora, em um país livre e democrático — no qual, estranhamente, o governo está sendo acusado de promover uma ditadura — qualquer um tem o direito de ir às ruas para protestar contra o que quiser, mesmo que o esteja fazendo por falta de informação, por estar sendo descaradamente enganado e manipulado, ou por pensar e agir mais com o ódio e com o fígado do que com a cabeça e a razão.
 
Esse tipo de circunstância facilita, infelizmente, a possibilidade de ocorrência dos mais variados — e perigosos — incidentes, e o seu aproveitamento por quem gostaria, dentro e fora do país, de ver o circo pegar fogo.
 
Para os que estão indo às ruas por achar que vivem sob uma ditadura comunista, é sempre bom lembrar que em nome do anticomunismo, se instalaram — de Hitler a Pinochet — alguns dos mais terríveis e brutais regimes da História.
 
E que nos discursos e livros do líder nazista podem ser encontradas, sobre o comunismo as mesmas teses, e as mesmas acusações falsas e esfarrapadas que se encontram hoje disseminadas na internet brasileira, e que seus seguidores também pregavam matar a pau judeus, socialistas e comunistas, como fazem muitos fascistas hoje na internet, com relação aos petistas.
 
A questão não é a de defender ou não o comunismo — que, aliás, como "bicho-papão" institucional, só sobrevive, hoje, em estado "puro", na Coréia do Norte — mas evitar que, em nome da crescente e absurda paranoia anticomunista, se destrua, em nosso país, a democracia.
 
Esperemos que os protestos do dia 16 de agosto transcorram pacificamente — considerando-se a forma como estão sendo convocados e os apelos ao uso da violência que já estão sendo feitos por alguns grupos nas redes sociais — e que não sejam utilizados por inimigos internos e externos, por meio de algum "incidente", para antagonizar e dividir ainda mais os brasileiros, e nem tragam como consequência, no limite, a morte de ninguém, além da Verdade — que já se transformou, há muito tempo, na primeira e mais emblemática vítima desse tipo de manifestação.
 
Há muitos anos, deixamos de nos filiar a organizações políticas, até por termos consciência de que não há melhor partido que o da Pátria, o da Democracia e o da Liberdade.
 
O rápido fortalecimento da radicalização direitista no Brasil — apesar dos alertas que tem sido feitos, nos últimos três ou quatro anos, por muitos observadores — só beneficia a um grupo: à própria extrema direita, cada vez mais descontrolada, odienta e divorciada da realidade.
 
Na longa travessia, pelo tempo e pelo mundo, que nos coube fazer nas últimas décadas, entre tudo o que aprendemos nas mais variadas circunstâncias políticas e históricas, aqui e fora do país, está uma lição que reverbera, de Weimar a Auschwitz, profunda como um corte:
 
Com a extrema-direita não se brinca, não se alivia, não se tergiversa, não se compactua.
 
Quem não perceber isso — e esse erro — por omissão ou interesse — tem sido cometido tanto por gente do governo quanto da oposição — ou está sendo ingênuo está sendo fraco, ou irresponsável, ou mal intencionado.

quinta-feira, junho 30, 2011

Santayana chuta o balde

Os vassalos de Washington




por Mauro Santayana


A informação, ontem divulgada, de que um diretor da Vale do Rio Doce “se queixou”, junto à Embaixada dos Estados Unidos, contra as “pressões” do Presidente Lula, é muito grave. Segundo se noticia, o então diretor de Finanças Corporativas da empresa, e hoje Diretor-Financeiro e de Relações com os Investidores, Guilherme Cavalcanti, esteve com a encarregada de negócios da Embaixada em Brasília, e reclamou da ingerência do nosso Chefe de Estado, que queria obrigar a Vale a investir na exploração de cloreto de potássio, e em siderurgia – para agregar valor ao minério de ferro e criar empregos de qualidade no país.

Se o presidente da República fez essa pressão, agiu dentro de sua responsabilidade, e em defesa dos interesses nacionais. É inconcebível que continuemos, como há quase um século, sendo dos principais fornecedores de minérios ao mundo, quando podemos exportar aço. Recorde-se que desde Júlio Bueno Brandão e Artur Bernardes, que governaram Minas há quase um século, uma das exigências dos mineiros era a de que devíamos reduzir o minério em fornos próprios. A Vale do Rio Doce surgiu ao mesmo tempo em que criávamos a Usina Siderúrgica Nacional. Quanto ao cloreto de potássio, trata-se de mineral necessário à produção de fertilizantes, indispensáveis à agricultura brasileira. O Brasil importa 90% de seu consumo, embora disponha de grandes reservas de exploração a céu aberto em seu território.

Lula, além de exercer o direito de aconselhar esses investimentos, cumpriu seu dever. A Vale só foi privatizada com a salvaguarda de uma golden share, de que o Estado é portador, e lhe dá o direito de veto em decisões que possam comprometer o interesse soberano do Brasil. Assim, não houve ingerência, mas, sim o exercício de uma responsabilidade do presidente da República.

Além do episódio em si, há uma questão muito mais constrangedora para nós, brasileiros. Não é a primeira vez que – de acordo com o WikeLeaks e outras fontes, algumas delas norte-americanas – sabemos que brasileiros se prestam a levar informações sigilosas aos norte-americanos. Há casos em que ministros de Estado não se pejam de discordar dos rumos do próprio governo. O Ministro Edison Lobão, segundo os documentos revelados por Assenge, disse aos diplomatas americanos que é partidário da privatização das empresas de energia elétrica. Ele deveria ser questionado pela Presidente da República: se é essa a sua posição, não pode continuar fazendo parte do governo.

Podemos tolerar tudo, menos traição. A democracia se faz na luta entre direita e esquerda, entre o capital e o trabalho, entre os neoliberais e os defensores do desenvolvimento autônomo do país. Mas progressistas ou conservadores, heterossexuais ou homossexuais, brancos ou negros, católicos ou protestantes, umbandistas ou budistas, todos os brasileiros temos o dever de fidelidade à Nação. Não podemos prestar vassalagem às potências estrangeiras, sob nenhum pretexto. O exemplo a seguir é o de Floriano Peixoto, que, no alvorecer da República, ameaçou responder à bala a “ajuda” dos ingleses, na repressão à Revolta da Armada.

É natural que os diplomatas conversem com autoridades dos países em que atuam. Mas é necessário que, com toda a amabilidade, essas autoridades sejam discretas, e não façam revelações que comprometam a soberania nacional, nem o governo a que servem – a menos que o façam com o conhecimento prévio de seus superiores, e com propósito bem definido. É uma regra universal, e não devemos dela nos desviar.

Os acionistas da Vale do Rio Doce terão que chamar seu executivo às falas. É intolerável que admitam atos dessa natureza. São necessárias providências que os impeçam.

Registre-se, no final, que a remuneração dos oito diretores da empresa, incluído seu presidente, prevista para este ano é de mais de 80 milhões de reais. O minério que exportam pertence ao povo brasileiro.

E há quem se queixe dos proventos dos juízes de nossos tribunais superiores. 
 

Mais sobre a traição do Brasil pelo Serra e do traíra Guilherme Cavalcanti da Vale do Rio Doce

Prudente

por Chico Barauna

Na República Velha (1ª República), depois do exemplo do presidente Ploriano Peixoto, que era alagoano, militar, marechal e foi o 2º Presidente do Brasil. Aconteceu também um outro caso com o presidente Prudente de Morais, que era paulista, civil e foi o 3º presidente do Brasil.

O presidente Prudente adoeceu e depois de quase seis meses, recuperou-se, voltou e reassumiu o poder. Despachava no Palácio do Catete, quando recebeu um pedido de audiência feito pelo famoso Rotschild (o filho) que veio para renegociar a polêmica dívida externa brasileira. A audiência foi concedida ao Rotschild, que logo colocou as exigências e condições para renegociar a dívida, tudo assim feito na maior tranquilidade.

O presidente Prudente escutou tudo até que Rotschild parou de falar. Neste momento, com muita calma ele perguntou, terminou? Rotschild respondeu, sim. Em seguida, o Prudente de Morais tocou a campainha, apareceu o ajudante de ordens, que era um oficial da Marinha. Então ele disse: "Leve o senhor Rotschild até a porta, ele está de saída". Rotschild saiu espantado, surpreso, pois nunca tinha sido expulso daquela maneira, na maior tranquilidade.

Verdade seja dita, muitas críticas para Floriano e outras para Prudente, mas nenhuma delas pode ser por subserviência, traição, vassalagem ou entreguismo. Neste sentido, pode-se dizer que, se um foi de "ferro", o outro foi prudente.
*Brasilmostraatuacara

domingo, dezembro 23, 2012

Santayana: Barbosa
evitou a crise

Foi FHC quem revirou a Constituição pelo avesso.

O Conversa Afiada republica artigo de Mauro Santayana, do Hoje em Dia, de Belo Horizonte:

O bom-senso do Ministro



É sempre bom repetir a constatação de Israel Pinheiro: em política, só são possíveis as soluções naturais. Embora vivamos um tempo em que a atividade política é vista como  delito, sem que houvesse política estaríamos ainda no paleolítico, em pequenos bandos assustados, disputando, a cada minuto, com os outros bichos, a sobrevivência do minuto seguinte.

O ministro Joaquim Barbosa pode afirmar que sua decisão foi fundamentada na jurisprudência do STF, e na situação peculiar da Ação Penal 470, como fez, mas – como ocorre em todos os atos humanos – a sua escolha foi política.

Ninguém sabe, é certo, o que se passa na cabeça do outro, mas é provável que o Ministro tenha meditado as conseqüências do deferimento – no caso, de sua responsabilidade pessoal – do pedido do Procurador Geral da República. Decretada que fosse a prisão, todos os réus – entre eles parlamentares em pleno exercício do mandato – seriam recolhidos ao cárcere. Estaria tudo aparentemente bem, mas sob a aparência a crise explodiria, mais cedo ou mais tarde, tumultuando o processo sucessório que se inicia em fevereiro.

O conflito entre o STF e o Parlamento, que vem sendo armado há algum tempo, é conseqüência da erosão de nosso sistema republicano. O Parlamento, de um modo geral, tem sido claudicante frente ao poder executivo, que se tornou, a partir do governo militar, o único legis dator, mediante o AI-5 e, em seguida, na restauração civil, por intermédio das medidas provisórias e das emendas constitucionais impostas pelo relho e pela cenoura. Deixaram, os congressistas, de regulamentar, a tempo, dispositivos cruciais da Carta Política, entre eles o artigo 170, que tratava da Ordem Econômica. O vazio foi ocupado pelo STF, que passou a legislar, provocado pelas exigências da realidade.

Toda a estrutura do estado está combalida, porque nos faltou serenidade a fim de elaborar uma Constituição que firmasse o seu objetivo na realidade histórica. Ao enumerar os dispositivos de defesa – necessária – dos cidadãos, faltou-lhe cuidar de sua própria defesa. Assim, não foi difícil, com as emendas posteriores, inseminá-la do instituto da reeleição; anular-lhe os cuidados na defesa da soberania nacional; revogar os direitos sociais e trabalhistas. Fernando Henrique conseguiu revirá-la ao avesso.

Agiu com serenidade e bom senso o Presidente do STF, mesmo porque seguiu a orientação anterior do plenário, na aprovação de voto do ex-ministro Eros Grau, contra a qual ele então se manifestara.

Desarma-se, assim, a crise. Dá-se ao tempo político a incumbência de administrá-la com serenidade e sem o prejuízo da justiça.        

*PHA

domingo, dezembro 30, 2012

“A lucidez passou a ser uma espécie de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia”.

Mauro Santayana

 

O Direito, a Liberdade e a missão do advogado

Via  Jornal do Brasil
“A lucidez passou a ser uma espécie de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia”.

Mauro Santayana

Foi a descoberta grega da ideia da liberdade que abriu o tempo para a construção do Ocidente. Com essa fulgurante epifania mental, os pensadores partiram para a especulação sobre a realidade física, a natureza peculiar do homem e a vida social. É assim, como decorrência natural  de que a vida deve ser livre, para ser digna, que nasceram, sob o rótulo comum de filosofia prática, as idéias da lógica, da ética, da economia e (como  instrumento de busca e realização da liberdade) a política.
O artigo que publicou o advogado Márcio Thomaz Bastos - nestes dias que, sendo de festas, devem ser de meditação - sobre os deveres dos advogados, é documento grave e sério. Ele deve ser entendido em sua seriedade e gravidade. Estamos perdendo, como se os neurônios se dissolvessem sob o calor dos ódios e preconceitos, a capacidade de pensar. A lucidez passou a ser uma espécie de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia. Mais do que isso: como aponta o ex-presidente da OAB, que se destacou na luta contra o regime militar, a sociedade está imbuída da sanha persecutória, conduzida pelo lema de vigiar e punir.
Mais terrível do que a tirania do Estado, quando ele se encontra ocupado pelos insanos, é a tirania das sociedades, conduzidas por demagogos enfurecidos e suas contrafeitas idéias. Idéia, como sabemos, é a forma que construímos em nossa mente, para identificar as coisas e os fenômenos. Se perdemos essa capacidade de relacionar, com lógica, os acontecimentos naturais  e o sentimento humano –  laço que nos une aos de nossa mesma espécie – não há mais civilização, deserta-nos a razão, evapora-se a inteligência. E se a sociedade perde o equilíbrio, o Estado pode perecer, com o fim de todas as liberdades.
O dever absoluto da justiça é a proteção da liberdade, como condição inerente e irrecusável do ato de viver.
Quando a justiça pune - qualquer tenha sido o crime – pune quem violou a liberdade de outro, seja no exemplo radical do homicídio, seja em delitos menores. Em razão disso, qualquer pessoa que seja levada diante de um juiz necessita de advogado, que seja capaz de orientá-lo e defendê-lo, a partir das leis e do direito consuetudinário. Desde que os homens criaram os tribunais, sempre houve advogados e, não precisa ser dito, por mais tenebroso possa parecer um crime, o direito de defesa é sagrado.
Como expôs com clareza, em sua aula de filosofia do Direito, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, por mais evidente possa parecer a culpa de um suspeito, até que se conclua plenamente o seu julgamento, a presunção é de inocência. Por uma proposição lógica, cabe a quem o acusa fornecer as provas insofismáveis da culpa.
Não se pode inverter o enunciado dessa razão, e exigir do acusado que desfaça uma prova que ele mesmo desconhece. Os juízes não devem decidir sobre provas secretas. Tivemos, na ditadura, o absurdo ridículo de sermos obrigados a obedecer a decretos sigilosos, mas o juiz está livre desses ucasses.
É corajosa a advertência do conhecido advogado. Ele é apontado como um profissional que aceita causas já tidas como perdidas, em razão do clamor popular contra os acusados, da mesma forma que é elogiado por ter defendido os perseguidos pelo regime autoritário, quando as idéias da liberdade se encontravam sufocadas pelos juristas e juízes da Ditadura. Mas, qualquer a opinião que dele se tenha,  cumpre o seu dever de defender os que o procuram - contra os clamores da ira, espontânea ou conduzida , de parcelas da sociedade – até que todos os ritos processuais se cumpram, na absolvição ou condenação do réu.
Por tudo isso, o seu texto deve ser analisado cuidadosamente por todos os cidadãos, especialmente pelos que, no exercício do mandato político, têm a responsabilidade de governar o Estado em nome da sociedade.

 

 

segunda-feira, maio 24, 2010

"EUA foram surpreendidos"






Entrevista - Amorim destaca diplomacia: "EUA foram surpreendidos"

Foto: DivulgaçãoAmorim e Santayana Foto: Divulgação

Mauro Santayana - Colunista do Jornal do Brasil

BRASÍLIA - A sensação é inevitável, mesmo para quem, como o repórter, conhece o palácio há quase 50 anos: Niemeyer concebeu o novo Itamaraty para o chão e a paisagem de nosso surpreendente milênio, para o chão e a paisagem de outra e surpreendente nação, a dos brasileiros de hoje. O amplo salão de acesso é o vestíbulo de novo milênio e de nova consciência do mundo e de nós mesmos, nesse inquieto planeta, a cada dia menor em sua ubiquidade, a cada dia maior em sua dúvida quanto à própria sobrevivência.

Do novo Itamaraty são ausentes as vetustas colunas e a retilínia arquitetura do velho Itamaraty, no qual passeava a nobreza do barão do Rio Branco. As curvas de Niemeyer e a clareza dos salões, com a invasão da luz de Brasília, correspondem ao que somos, enquanto os cisnes idosos, sob a sombra das palmeiras do antigo palácio carioca, recordam o que fomos. As águas, mais leves, do Planalto, são outras, outras, mais próximas do chão, as plantas que adornam seus jardins. Outro, é claro, o chanceler, aliviado da obesidade de seu poderoso antecessor, posto que submetido a regime de viagens exaustivas, com o sono conturbado pelos fusos horários.

>> O chanceler menos solene

Celso Amorim é, em todos os seus gestos e palavras, o menos solene de todos os chanceleres conhecidos. Nenhum outro poderia ser o chefe da diplomacia com Lula na Presidência, nem com Itamar – mesmo incluídos os paisanos, isto é, os ministros políticos que, em alguns casos, se esforçam para adquirir caricatural physique du rôle. Amorim, o discutido presidente da Embrafilme que patrocinou a produção de Pra frente, Brasil, provavelmente não conseguiria o mesmo desempenho com um presidente vindo das velhas famílias do Império, ou das novas famílias de imigrantes enriquecidos em São Paulo.

>> Irã: era preciso tentar tudo

A atualidade determina a pauta de nossa conversa: que perspectivas há, no caso do Irã? Amorim se move entre a cautela profissional e o natural orgulho da ação positiva brasileira no mundo atual. Confessa, de início, que não tinha muita convicção de que houvesse grande possibilidade de acordo entre os Estados Unidos e o Irã, mas, da mesma forma, entendia que era preciso tentar tudo, para obter alguma coisa.

– Sempre fomos muito bem tratados, tanto da parte do presidente (dos EUA) Obama, quanto da parte da secretária (de Estado) Hilary Clinton. Posso dizer que não havia divergências quanto ao resultado pretendido, que era o de obter garantias de que o Irã só iria usar a tecnologia nuclear para fins pacíficos, mas os meios não pareciam os mesmos. Nós acreditávamos, e continuamos acreditando, na persuasão, no convencimento, na conversa amistosa, na sinceridade de nossos propósitos. Eles, no entanto, se mostravam muito céticos, quanto à possibilidade de que o Irã viesse a aceitar as condições que haviam proposto em outubro passado. Creio que eles se mostraram surpreendidos com o resultado. É provável que não esperassem a aquiescência do Irã aos esforços da Turquia e do Brasil, que agiram como países soberanos, interessados na paz. Eles gostariam de ter iniciado o processo de punição antes de nossos entendimentos – e responderam com a decisão da secretária de Estado de propor as sanções às chamadas grandes potências.

Atrevo-me a observar que há uma diferença doutrinária, digamos, entre o presidente e sua competidora nas eleições primárias dentro do Partido Democrata, e que, provavelmente, Obama não pense exatamente como a secretária de Estado, que busca afirmar-se na ala direita de seu partido no Congresso. Amorim sorri com suave malícia. Ele sabe que eu não espero a contribuição de seu juízo, posto que, qualquer que ele fosse, seria diplomaticamente inoportuno.

>> China e Rússia

E, agora, o que ocorrerá? – levo-o a retomar o seu pensamento. Amorim está otimista. Acha que os demais membros do Conselho de Segurança – sobretudo a China e a Rússia – podem concordar com a ideia, mas provavelmente não aceitem o conteúdo da resolução proposta por Washington.

“Tempo e paciência caminham juntos”

Nesse momento, Amorim se desculpa, diante de um sinal de uma assessora que chega à porta. Deve atender a um chamado de seu colega turco, com quem estivera conversando antes de nossa entrevista. Não bem retornou ao Brasil, e está em contato permanente com Teerã e Ancara. De Teerã teve a promessa de que a carta, endereçada à ONU, reiterando os termos do acordo, que o governo de Ahmadinejad ficou de enviar até segunda feira, está sendo cuidadosamente redigida – e será enviada a tempo.

– Essas coisas levam tempo, recomendam a ponderação, reclamam consultas. Na diplomacia, tempo e paciência caminham juntos.

Acrescenta que, pouco a pouco, os norte-americanos e europeus compreenderão a necessidade de cautela. Isso, repete, fortalece seu otimismo, o mesmo otimismo de Lula. Lembra que, com o passar das poucas horas, já se percebem os sinais da prudência, por parte dos membros permanentes do Conselho, e com direito a veto.

>> Deu no 'New York Times'

Comento com o chanceler matéria divulgada pelo New York Times – que, como seu editorial, interpretava os fatos em favor da senhora Clinton – e a reação surpreendente nos comentários dos leitores. Até onde eu havia lido (mais ou menos dois terços de quase 300 intervenções). Não havia um só leitor que aprovasse a posição do Departamento de Estado. Todos apoiavam – e muitos com linguagem dura – os esforços do Brasil e da Turquia para desamarrar, e não cortar, como parecem pretender os alexandres do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos, o nó górdio iraniano. Amorim não os havia lido, pediu à assessoria que acessasse a matéria; sorriu, feliz, para ilustrar o superlativo: interessantíssimo.

Observo que podemos ver, no episódio, a situação dos Estados Unidos no mundo de agora. O ministro comenta que há vários artigos, firmados por observadores respeitáveis, sobre a resistência de Washington – e seus aliados – à entrada de novas potências, novos países, no jogo internacional.

– Até há pouco eles nos convidavam para conversar sobre o clima. Na OMC foram constrangidos a nos ouvir. Mas consideravam que assuntos de paz e segurança entre as nações eram coisas deles. Assim, quando o Brasil e a Turquia entram no jogo, é natural que reajam. A tentativa, mesmo que seja simbólica, de a Turquia e o Brasil agirem de forma diferente, sugere que a arquitetura da segurança internacional, sustentada por algumas autodesignadas forças e países, não pode manter-se por muito tempo.

>> Oscilação norte-americana

Intervenho, para lembrar que os Estados Unidos têm oscilado, em sua História, entre os postulados de Hamilton e os de Jefferson. E quando a orgulhosa aristocracia da Nova Inglaterra se defronta com a eleição de um mestiço, com o sobrenome Hussein, há sinais claros de que alguma coisa mudou realmente naquele país. O chanceler resume em uma frase curta: foi uma mudança para melhor, mas seguramente não terá sido para o entendimento de parcela de suas elites.

– Há setores da sociedade norte-americana que, diante de um presidente com essas marcas biográficas, dele cobram uma posição mais dura, uma demonstração de força. Eu o vejo como homem propenso ao diálogo. Mas, sem dúvida, ele enfrenta dificuldades.

>> Conselho de Segurança

Provoco-o, lembrando algumas críticas que se fazem à diplomacia brasileira: não estaríamos desprezando a prioridade da aliança continental sul-americana, em favor de uma intervenção no Oriente Médio?

– Não, de forma alguma. O Brasil não pode desinteressar-se dos assuntos que afetam a paz mundial. Quando os nossos países, a Turquia e o Brasil, foram eleitos para o Conselho de Segurança, é claro que essa escolha acarretou-lhes a responsabilidade de cuidar da paz, em nome da comunidade internacional, e não somente em nome do próprio país ou de determinada região. Não há tema que mais afete a segurança internacional do que o do Oriente Médio. Em algum momento, e com razão, eu via na Palestina o perigo maior da região, mas, nesta hora, a questão nuclear do Irã é mais premente. Tendo a possibilidade de atuar, de maneira positiva, com um país da região, que é a Turquia – o que foi uma boa combinação – o Brasil procurou agir em busca de uma solução pacífica, como é de seu dever. Isso não foge à nossa vocação. Afinal, quando participamos da Segunda Guerra Mundial, o fizemos na defesa da democracia. No caso atual, não se trata da guerra mas da paz. Melhor ainda.

>> Embaixadores de pijama

Diante das críticas, algumas acerbas, que alguns dos condutores da diplomacia brasileira, durante o governo passado, endereçam ao Itamaraty de hoje, permito-me observar que eles atuam como os famosos generais de pijama. Haveria uma categoria de “embaixadores de pijama”?

Amorim se embaraça um pouco com a pergunta e, antes de responder com a elegância que tem faltado a alguns de seus adversários, permite-se uma boutade: os pijamas dos embaixadores devem ser da grife Versace.

“Terá que haver uma governança multipolar”

Indago-lhe se esse grupo de diplomatas age em decorrência de haver perdido sua posição eminente no Itamaraty de Fernando Henrique, ou se há alguma coisa ideológica mais profunda.

– Em primeiro lugar, eu prezo muito a liberdade de expressão, e acho perfeitamente válido que cada um dê a sua opinião. Também acho que não é por simples coincidência que determinados meios de comunicação busquem sempre os mesmos embaixadores com essa posição. Já li muitas outras manifestações diferentes, de outros diplomatas e de setores da sociedade que não encontram a mesma acolhida desses órgãos tão solícitos à crítica à nossa política externa. Prefiro não ver, nisso, a manifestação de quem deixou o poder. Na verdade, todos nós temos como missão defender o Brasil e defender algumas ideias importantes nas relações internacionais. Acho, no entanto, que algumas pessoas têm dificuldade em adaptar-se aos novos tempos. O Brasil ascendeu muito rapidamente no cenário internacional, principalmente em razão do desempenho do presidente Lula, na conciliação entre a boa economia e a justiça social – e, é claro, também por sua atuação internacional. Como a mudança foi súbita, a cabeça de muitos com ela não se acostumou. Por isso, mesmo aceitando que criticam com boa-fé, atuam sempre com a preocupação de que “não podemos brigar com tal grande potência”. Quando atuamos em Cancun, no caso da OMC, e na divergência sobre a Alca, muitos disseram: “Mas, gente, vocês vão brigar com os Estados Unidos?”

>> Nos tempos de Bush

O ministro cita a era Bush:

– Ora, mesmo na época de Bush, as relações entre Lula e o presidente texano foram boas. Trabalhamos juntos, com êxito, em vários programas. É claro que, nesses assuntos delicados de paz e segurança, as coisas são mais difíceis, levam mais tempo, mas os Estados Unidos irão compreender que a participação ativa do Brasil não se faz contra os interesses deles, porque já passou a época em que um só país pode dominar o mundo. Terá que haver uma governança realmente multipolar. Da mesma forma que, para muitos países é difícil entender essa mudança, é provável que pessoas que militaram durante muitos anos em situação diferente tenham dificuldade em entender que o Brasil hoje não só pode agir com independência, e defender seus interesses, ao mesmo tempo em que contribui para a ordem global. O fato é que a emersão dos Bric assustou um pouco. Conforme a gíria americana, há “new kids on the block”.

>> Discurso de posse

Relembro o discurso de posse de Celso Amorim como chanceler do presidente Lula. Ele recomendou aos jovens diplomatas que não tivessem medo, nem arrogância. A postura do Itamaraty, hoje, pode ser considerada de Realpolitik? Amorim aceita a expressão bismarquiana, na medida em que o Itamaraty atua de acordo com a dimensão da realidade mundial. Pondera, no entanto, que, mesmo não agindo no vazio, a postura brasileira é fundada em positivo idealismo humanista.

– Acho que não nos podemos mover em uma política determinada pelo interesse cru. Essa posição não me entusiasma, nem ao presidente. A política que reúne o nosso interesse como nação e os nossos ideais humanistas é a da solidariedade, e ela nos está trazendo maior reconhecimento nos foros internacionais. Atuamos no sentido da universalidade, o que nos leva tanto às grandes nações europeias, como nos permite trazer a Brasília ministros de 50 nações africanas, a fim de discutir os problemas da agricultura. Vamos a Israel, vamos à Jordânia, vamos à Palestina e ao Irã, porque nós não temos posição preconceituosa.

>> Ruy Barbosa, o patrono

Arrisco-me a dizer que essa política brasileira, de respeito à igualdade entre as nações, foi enunciada por Ruy Barbosa em Haia. Amorim não só concorda, como considera Ruy o patrono da diplomacia multilateral brasileira, da mesma forma que Rio Branco foi o patrono da diplomacia bilateral.

De muitas outras coisas – e algumas importantes – falou o chanceler, mas todas dentro da mesma linha de raciocínio. O Brasil cresceu muito, o mundo mudou muito, e é preciso enfrentar os problemas sem medo, mas sem as bravatas da adolescência. Entre as mudanças do mundo se encontra a instantaneidade da informação, que estimula a transformação dos indivíduos passivos em cidadãos atuantes, como se vê no mundo inteiro. Nossa autonomia de ação é um caminho do qual não poderemos retornar, a menos que estejamos dispostos a agachar-nos, depois que nos decidimos a andar de cabeça alta. O caso do Irã é emblemático, porque a sua solução contribuirá para a consolidação de nova ordem mundial, com o fortalecimento das Nações Unidas e o fim dos ditados imperiais das grandes potências. De qualquer forma, a vigilância na defesa do entendimento entre as nações – é o que podemos resumir de suas ideias – terá que se manter, e a cada dia mais, porque a paz é sempre uma conquista esquiva da razão política.

do Tijolaço