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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
terça-feira, dezembro 31, 2013
O funesto império mundial das corporações
Via Leonardo Boff
O
individualismo, marca registrada da sociedade de mercado e do
capitalismo como modo de produção e sua expressão política o
(neo)liberalismo, revelam toda sua força mediante as corporações
nacionais e multinacionais. Nelas vigora cruel competição dentro da
lógica do ganha-perde.
Pensava-se que a crise
sistêmica de 2008 que afetou pesadamente o coração dos centros
econômico-financeiros nos USA e na Europa, lá onde a sociedadade de
mercado é dominante e elabora as estratégias para o mundo inteiro,
levasse a uma revisão de rota. Ainda mais que não se trata apenas do
futuro da sociedade de mercado mundializada mas de nossa civilização e
até de nossa espécie e do sistema-vida.
Muitos
como J. Stiglitz e P. Krugman esperavam que o legado da crise de 2008
seria um grande debate sobre que tipo de sociedade queremos construir.
Enganaram-se rotundamente. A discussão não se deu. Ao contrário, a
lógica que provocou a crise foi retomada com mais furor.
Richard Wilkinson, epidemiologista inglês e um dos maiores especialistas sobre o tema desigualdade foi mais atento e dissse, ainda em 2013 numa entrevista ao jornal Die Zeit
da Alemanha:”a questão fundamental é esta: queremos ou não
verdeiramente viver segundo o princípio que o mais forte se apropria de
quase tudo e o mais fraco é deixado para trás?”.
Os
super-ricos e super-poderosos decidiram que querem viver segundo o
princípio darwinista do mais forte e que se danem os mais fracos. Mas
comenta Wilkinson: “creio que todos temos necessidade de uma maior
cooperação e reciprocidade, pois as pessoas desejam uma maior igualdade
social”. Esse desejo é intencionalmene negado por esses epulões.
Via
de regra, a lógica capitalista é feroz: uma empresa engole a outra
(eufemisticamente se diz que se fizeram fusões). Quando se chega a um
ponto em que só restam apenas algumas grandes, elas mudam a lógica: ao
invés de se guerrearem, fazem entre si uma aliança de lobos e
comportam-se mutuamente como cordeiros. Assim articuladas detém mais
poder, acumulam com mais certeza para si e para seus acionistas,
desconsiderando totalmente o bem da sociedade.
A
influência política e econômica que exercem sobre os governos, a
maioria muito mais fracos que elas, é extremamente constrangedor,
interferindo no preço das commodities, na redução dos
investimentos sociais, na saúde, educação, transporte e segurança. Os
milhares que ocupam as ruas no mundo e no Brasil intuíram essa dominação
de um novo tipo de império, feito sob o lema:”a ganância é boa” (greed
is good) e “devoremos o que pudermos devorar”.
Há
excelentes estudos sobre a dominação do mundo por parte das grandes
corporações multilaterais. Conhecido é o do economista norte-americano
David Korten ”Quando as corporações regem o mundo”(When the Corporations rule the World, Berret-Koehler Publisher 1995/2001)).
Mas fazia falta um estudo de síntese. Este foi feito pelo Instituto
Suiço de Pesquisa Tecnológica (ETH)” em Zurique em 2011 que se conta
entre os mais respeitados centros de pesquisa, competindo com MIT. O
documento envolve grandes nomes, é curto, não mais de 10 páginas e 26
sobre a metodologia para mostrar a total transparência dos resultados.
Foi resumido pelo Professor de economia da PUC-SP Ladislau Dowbor em seu
site. Baseamo-nos nele.
Dentre as 30 milhões de
corporações existentes, o Instituto selecionou 43 mil para estudar
melhor a lógica de seu funcionamento. O esquema simplificado se articula
assim: há um pequeno núcleo financeiro central que possui dois lados:
de um, são as corporações que compõe o núcleo e do outro, aquelas que
são controladas por ele. Tal articulação cria uma rede de controle
corporativo global. Essse pequeno núcleo (core) constitui uma super-entidade(super entity).
Dele emanam os controles em rede, o que facilita a redução dos custos, a
proteção dos riscos, o aumento da confiança e, o que é principal, a
definição das linhas da economia global que devem ser fortalecidas e
onde.
Esse pequeno núcleo, fundamentalmente de
grandes bancos, detém a maior parte das participações nas outras
corporações. O topo controla 80% de toda rede de corporações. São apenas
737 atores, presentes em 147 grandes empresas. Ai estão o Deutsche
Bank, o J.P. Morgan Chase, o UBS, o Santander, o Goldes Sachs, o BNP
Paribas entre outros tantos. No final menos de 1% das empresas controla
40% de toda rede.
Este fato nos permite entender agora a indignação dos Occupies
e de outros que acusam que 1% das empresas faz o que quer com os
recursos suados de 99% da população. Eles não trabalham e nada produzem.
Apenas fazem mais dinheiro com dinheiro lançado no mercado da
especulação.
Foi esta absurda voraciade de
acumular ilimitadamente que gestou a crise sistêmica de 2008. Esta
lógica aprofunda cada vez mais a desigualdade e torna mais difícil a
saída da crise. Quanto de desumanidade aquenta o estômago dos povos?
Pois tudo tem seu limite nem a economia é tudo. Mas agora nos é dado ver
as entranhas do monstro. Como diz Dowbor: ”A verdade é que temos
ignorado o elefante que está no centro da sala”. Ele está
quebrando tudo, critais, louças e pisoteando pessoas. Mas até quando? O
senso ético mundial nos assegura que uma sociedade não pode subsistir
por muito tempo assentada sobre a super exploração, a mentira e a
anti-vida.
A grande alternativa é
oferecida por David Korten que tem trabalhado com Joanna Macy, uma das
mais comprometidas educadoras com o novo paradigma e com um futuro
diferente e otimista do mundo. A grande virada (The Great Turning) se
dará com a passagem do paradigma “Império” para o da “Comunidade da
Terra”. O primeiro dominou nos últimos cinco mil anos. Agora chegou seu
ponto mais baixo de degradação. Uma virada salvadora é a renúncia ao
poder como dominação imperial sobre e contra os outros na direção
de uma convivência de todos com todos na única “Comunidade da Terra”,
na qual seres humanos e demais seres da grande comunidade de vida
convivem, colaboram e juntos mantém uma Casa Comum hospitaleira e
acolhedora para todos. Só nesta direção poderemos garantir um futuro
comum, digno de ser vivido.
*GilsonSampaio
segunda-feira, dezembro 30, 2013
“Quando encontrei uma arcada dentária de criança fiquei
assustada. Pensei em uma chacina, que alguém havia matado a própria
família”
Por Flávia Villela, na Agência Brasil
Empresária do ramo da dedetização, Ana Maria de la Merced Guimarães, nunca imaginou que a compra do imóvel na rua Pedro Ernesto, nº 36, no bairro da Gamboa, zona portuária do Rio, mudaria radicalmente sua vida, a de seu marido, Petruccio, e das três filhas. Em 1996, durante uma reforma, a família descobriu ossadas debaixo da casa. A princípio, desconfiou que fossem de cachorros, até encontrarem várias arcadas dentárias humanas.
“Quando encontrei uma arcada dentária de criança fiquei assustada. Pensei em uma chacina, que alguém havia matado a própria família. Pensei o pior. Liguei para minha advogada, que ligou para um delegado. Depois, com a cabeça fria, lembramos que a Gamboa é uma região histórica”, contou.
A casa de Merced e dezenas de outras casas do bairro haviam sido construídas por cima de um cemitério de escravos do século 17. Após pesquisas e estudos dos artefatos, descobriu-se que a maioria dos mortos enterrados eram crianças e pré-adolescentes. Por esse motivo, o cemitério ficou conhecido como Pretos Novos (criado em 1769 e extinto em 1830). Lá foram enterrados, em covas coletivas, escravos que não resistiam à longa viagem nos navios negreiros vindos da África.
“Este cemitério era conhecido por poucos, esquecido por todos. Um passado funesto, mas importantíssimo para a nossa cidade. Isto representa o Holocausto negro. Aqui embaixo estão enterradas milhares de pessoas. A maioria pré-adolescente. Isto aqui representa um crime contra a humanidade e não pode ser esquecido”, declarou Merced. Além das ossadas, também foram encontradas cerâmicas e conchas.
A notícia sobre a existência de um cemitério de escravos acabou atraindo visitantes do Brasil e de outros países interessados em saber mais sobre a história envolvendo as mortes e o local. “Passamos a abrir a casa para pesquisadores, estudantes, jornalistas, uma média de dez a 15 pessoas por mês”. Novos amigos surgiram, assim como a admiração pelos artefatos e pela história.
Em 2005, ela e o marido compraram mais dois terrenos na mesma rua, um deles se tornou a sede do Instituto de Pesquisa e Memória dos Pretos Novos, fundado naquele ano por Merced, amigos e estudiosos do tema. Dezessete anos depois, Merced e o marido são responsáveis pela manutenção e promoção do instituto, que é também uma galeria de arte e um museu memorial.
Em 2011, mais uma surpresa: na busca por mapear o cemitério, arqueólogos descobriram um sambaqui, sítio pré-histórico formado pelo acúmulo de conchas, moluscos, ossos humanos e animais de mais de 3 mil anos e vestígios do primeiro encontro entre indígenas Tupinambás e portugueses que aqui chegaram pela primeira vez.
A dedicação à causa custou à família sacrifícios que emocionam Merced até hoje. “Fomos proibidos de fazer a obra e, em 1998, tivemos que sair correndo da casa, que ameaçava desabar por causa das escavações e das chuvas. Minhas filhas, na época adolescentes, tiveram que morar em um abrigo na nossa empresa até 2001”, contou entre lágrimas. “Isso ficou nas nossas mãos sem ninguém assumir esta responsabilidade”.
Hoje, o local também conta com um núcleo de pesquisa e oficinas de história sobre os pretos novos. Em 2012, mais de mil pessoas participaram das atividades promovidas pelo núcleo. A Companhia de Desenvolvimento Urbano e Portuário da prefeitura contribui com um pequeno aporte para cobrir os gastos com conta de luz, água e limpeza. A maior parte das receitas vem de doações e do bolso da família. A manutenção das janelas arqueológicas e produção de folhetos explicativos também são de responsabilidade da prefeitura, mas quem cuida e mantém aberto o lugar é Merced e o marido.
*RevistaForum
Por Flávia Villela, na Agência Brasil
Empresária do ramo da dedetização, Ana Maria de la Merced Guimarães, nunca imaginou que a compra do imóvel na rua Pedro Ernesto, nº 36, no bairro da Gamboa, zona portuária do Rio, mudaria radicalmente sua vida, a de seu marido, Petruccio, e das três filhas. Em 1996, durante uma reforma, a família descobriu ossadas debaixo da casa. A princípio, desconfiou que fossem de cachorros, até encontrarem várias arcadas dentárias humanas.
“Quando encontrei uma arcada dentária de criança fiquei assustada. Pensei em uma chacina, que alguém havia matado a própria família. Pensei o pior. Liguei para minha advogada, que ligou para um delegado. Depois, com a cabeça fria, lembramos que a Gamboa é uma região histórica”, contou.
A casa de Merced e dezenas de outras casas do bairro haviam sido construídas por cima de um cemitério de escravos do século 17. Após pesquisas e estudos dos artefatos, descobriu-se que a maioria dos mortos enterrados eram crianças e pré-adolescentes. Por esse motivo, o cemitério ficou conhecido como Pretos Novos (criado em 1769 e extinto em 1830). Lá foram enterrados, em covas coletivas, escravos que não resistiam à longa viagem nos navios negreiros vindos da África.
“Este cemitério era conhecido por poucos, esquecido por todos. Um passado funesto, mas importantíssimo para a nossa cidade. Isto representa o Holocausto negro. Aqui embaixo estão enterradas milhares de pessoas. A maioria pré-adolescente. Isto aqui representa um crime contra a humanidade e não pode ser esquecido”, declarou Merced. Além das ossadas, também foram encontradas cerâmicas e conchas.
A notícia sobre a existência de um cemitério de escravos acabou atraindo visitantes do Brasil e de outros países interessados em saber mais sobre a história envolvendo as mortes e o local. “Passamos a abrir a casa para pesquisadores, estudantes, jornalistas, uma média de dez a 15 pessoas por mês”. Novos amigos surgiram, assim como a admiração pelos artefatos e pela história.
Em 2005, ela e o marido compraram mais dois terrenos na mesma rua, um deles se tornou a sede do Instituto de Pesquisa e Memória dos Pretos Novos, fundado naquele ano por Merced, amigos e estudiosos do tema. Dezessete anos depois, Merced e o marido são responsáveis pela manutenção e promoção do instituto, que é também uma galeria de arte e um museu memorial.
Em 2011, mais uma surpresa: na busca por mapear o cemitério, arqueólogos descobriram um sambaqui, sítio pré-histórico formado pelo acúmulo de conchas, moluscos, ossos humanos e animais de mais de 3 mil anos e vestígios do primeiro encontro entre indígenas Tupinambás e portugueses que aqui chegaram pela primeira vez.
A dedicação à causa custou à família sacrifícios que emocionam Merced até hoje. “Fomos proibidos de fazer a obra e, em 1998, tivemos que sair correndo da casa, que ameaçava desabar por causa das escavações e das chuvas. Minhas filhas, na época adolescentes, tiveram que morar em um abrigo na nossa empresa até 2001”, contou entre lágrimas. “Isso ficou nas nossas mãos sem ninguém assumir esta responsabilidade”.
Hoje, o local também conta com um núcleo de pesquisa e oficinas de história sobre os pretos novos. Em 2012, mais de mil pessoas participaram das atividades promovidas pelo núcleo. A Companhia de Desenvolvimento Urbano e Portuário da prefeitura contribui com um pequeno aporte para cobrir os gastos com conta de luz, água e limpeza. A maior parte das receitas vem de doações e do bolso da família. A manutenção das janelas arqueológicas e produção de folhetos explicativos também são de responsabilidade da prefeitura, mas quem cuida e mantém aberto o lugar é Merced e o marido.
*RevistaForum
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