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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
sábado, março 01, 2014
A câmara alta do Parlamento da Rússia aprovou neste sábado (1º) o envio de tropas russas à Ucrânia.
O pedido havia sido feito poucas horas antes pelo presidente Vladimir
Putin. Ele alegou, em nota oficial, que seu pedido foi feito "em relação
à situação extraordinária na Ucrânia e à ameaça às vidas de cidadãos
russos".
Putin disse que as forças armadas russas devem ser usadas "até a normalização da situação política naquele país".
IMPASSE COM A RÚSSIA MOTIVOU REVOLTA NA UCR NIA
As manifestações começaram em novembro, depois que o então presidente
Viktor Yanukovich anunciou sua decisão de não assinar um acordo de
cooperação com a União Europeia, que poderia, no futuro, ter a Ucrânia
como um de seus membros.
A questão, no entanto, é mais complexa e tem raízes na história recente do país, nascido após a desintegração da ex-União Soviética.
O país está no meio de uma disputa de forças entre grupos que querem mais proximidade com a União Europeia e outros que têm mais afinidade com a Rússia. Yanukovich foi deposto em fevereiro, e novas eleições foram convocadas.
As atenções agora se viraram para a Crimeia, região autônoma da Ucrânia cuja maioria é alinhada à Rússia, que convocou um referendo sobre sua soberania.
A questão, no entanto, é mais complexa e tem raízes na história recente do país, nascido após a desintegração da ex-União Soviética.
O país está no meio de uma disputa de forças entre grupos que querem mais proximidade com a União Europeia e outros que têm mais afinidade com a Rússia. Yanukovich foi deposto em fevereiro, e novas eleições foram convocadas.
As atenções agora se viraram para a Crimeia, região autônoma da Ucrânia cuja maioria é alinhada à Rússia, que convocou um referendo sobre sua soberania.
A decisão da câmara alta do Parlamento russo foi unânime. Durante o
debate, um dos parlamentares russos acusou o presidente americano,
Barack Obama, de passar dos limites. Obama havia feito um alerta na
sexta-feira para que os russos evitassem uma ação militar na Ucrânia.
O parlamento russo também pediu que o embaixador russo nos Estados
Unidos seja chamado para consultas, mas essa decisão cabe a Putin, e não
ao Legislativo.
A Rússia já possui uma presença militar na região da Crimeia, no sul da
Ucrânia. Mas o texto de Putin faz referência ao "território ucraniano", o
que pode significar que as tropas seriam enviadas a outras partes do
país - e não apenas à Crimeia.
A Ucrânia considera as ações russas uma "provocação" ao seu país. O
presidente interino da Ucrânia, Oleksander Turchynov, convocou uma
reunião de emergência de seu gabinete.
De Kiev para Crimeia
A Ucrânia e a Rússia vivem dias de grande tensão, em uma disputa de influência entre o Ocidente e os russos na Ucrânia.
IMIGRANTES UCRANIANOS EM SP ACOMPANHAM PROTESTOS NA TERRA NATAL
No mês passado, após várias semanas de protestos nas ruas da capital
Kiev, o presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, foi afastado por uma
votação no Parlamento. As manifestações começaram em novembro do ano
passado, quando Yanukovych rejeitou uma aproximação com a União Europeia
em prol de um acordo econômico com a Rússia.
Um governo interino crítico à influência russa assumiu a Ucrânia após a
queda de Yanukovych, que agora é procurado pela Justiça do país, acusado
de mandar matar manifestantes. O ex-presidente recebeu abrigo na Rússia
e prometeu continuar lutando pelo seu país.
Na última semana, o foco do conflito passou a ser a Crimeia, uma região
de 2,3 milhões de habitantes que faz parte da Ucrânia, no litoral do Mar
Negro. Muitos na Crimeia se consideram russos étnicos e falam o idioma
russo, com grande simpatia por Yanukovych. A Rússia tem forte presença
militar na região do Mar Negro.
Há temores de que a Ucrânia e a Rússia possam entrar em conflito pelo controle da Crimeia.
Esta semana, homens não-identificados - que seriam parte de milícias
pró-Rússia - tomaram o controle de prédios públicos e aeroportos na
Crimeia. Na quinta-feira, o Parlamento regional nomeou um novo
primeiro-ministro na região, Sergey Aksyonov, que é líder do principal
partido pró-Rússia.
Neste sábado, Aksyonov fez um apelo a Vladimir Putin para que a Rússia
"reestabeleça a calma na região". A Rússia afirmou que não ignoraria o
apelo feito por Aksyonov, e pouco depois Putin noticiou o pedido ao
Parlamento russo para analisar o envio de tropas à Ucrânia.
Ampliar
25.fev.2014 - Ativistas do grupo Femen simulam enforcamento com tranças
semelhantes as da ex-primeira-ministra ucraniana Yulia Timoshenko, perto
da torre Eiffel, em Paris. O Femen classificou a líder da oposição como
"a nova marionete" do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Timoshenko
foi libertada no sábado (22), ela cumpria pena de sete anos de detenção
por abuso de poder em uma clínica na cidade de Kharkiv, na Ucrânia, onde
se encontrava desde maio 2012 Leia mais Alain Jocard/ AFP
Ucrânia e Rússia trocam acusações em relação às ações na Crimeia.
O ministério das Relações Exteriores da Rússia diz que o governo da
Ucrânia enviou tropas à Crimeia neste sábado para tentar retomar o
prédio do ministério do Interior. Já as autoridades interinas da Ucrânia
acusam a Rússia de enviar 6 mil soldados à Crimeia.
Na madrugada de sexta-feira para sábado, homens armados
não-identificados teriam tomado outra pista de aviação. O governo russo
nega qualquer envolvimento no episódio.
Estados Unidos
Os acontecimentos na Crimeia também despertam preocupações nos Estados Unidos.
Antes do anúncio russo, o presidente americano, Barack Obama, havia
feito um alerta aos russos de que qualquer ação militar russa na Ucrânia
traria "custos" à região.
"Qualquer violação da soberania e integridade territorial da Ucrânia
seria profundamente desestabilizadora, o que não está nos interesses da
Ucrânia, da Rússia ou da Europa", afirmou Obama, na noite de
sexta-feira.
"Isso representaria uma profunda interferência em assuntos que precisam
ser determinados pelo povo da Ucrânia. Seria uma clara violação do
compromisso da Rússia de respeitar a independência e soberania e as
fronteiras da Ucrânia - e as leis internacionais."
Protestos na Ucrânia - 4 vídeos
*
Carlos Maia
O conservadorismo foi derrotado. Mas não perdeu seus arsenais.
Um cheiro de cinzas no ar
"Fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador saltou para a dispersão sem passar pela apoteose. O cheiro de cinzas no ar é inconfundível.
Saul Leblon, Carta Maior
Como parte interessada, a mídia jamais reconhecerá no fato o seu
alcance: mas talvez o Brasil tenha assistido nesta 5ª feira a uma das
mais duras derrotas já sofridas pelo conservadorismo desde a
redemocratização.
Quem perdeu não foi a ética, a lisura na coisa pública ou a justiça, como querem os derrotados.
A
resistência conservadora a uma reforma política, que ao menos
dificultasse o financiamento privado das campanhas eleitorais, evidencia
que a pauta subjacente ao julgamento da AP 470 tem pouco a ver com o
manual das virtudes alardeadas.
O que estava em jogo era ferir de morte o campo progressista
Não apenas os seus protagonistas e lideranças.
Mas sobretudo, uma agenda de resiliência histórica infatigável, com a qual eles seriam identificados.
Ela
foi golpeada impiedosamente em 54 e renasceu com um único tiro; foi
golpeada em 1960 e renasceu em 1962; foi golpeada em 1964, renasceu em
1988; foi golpeada em 1989, renasceu em 2003; foi golpeada em 2005 e
renasceu em 2006, em 2010...
O que se pretendia desta vez,
repita-se, não era exemplar cabeças coroadas do petismo, mas um
propósito algo difuso, e todavia persistente, de colocar a luta pelo
desenvolvimento como uma responsabilidade intransferível da democracia e
do Estado brasileiro.
A derrota conservadora é superlativa nesse sentido, a exemplo dos recursos por ela mobilizados --sabidamente nada modestos.
Seu dispositivo midiático lidera a lista dos mais esfarrapados egressos da refrega histórica.
Se
os bonitos manuais de redação valessem, o desfecho da AP 470
obrigaria a mídia ‘isenta’ a regurgitar as florestas inteiras de
celulose que consumiu com o objetivo de espetar no PT o epíteto
eleitoral de ‘quadrilha’.
Demandaria uma lavagem de autocrítica.
Que ela não fará.
Tampouco
reconhecerá que ao derrubar a acusação de quadrilha, os juízes que
julgam com base nos autos desautorizariam implicitamente o uso indevido
da teoria do domínio do fato, que amarrou toda uma narrativa
largamente desprovida de provas.
Se não houve quadrilha, fica
claro o propósito político prévio de emoldurar a cabeça do
ex-ministro José Dirceu no centro de uma bandeja eleitoral, cuja
guarnição incluiria nomes ilustres do PT, arrolados ou não na AP 470.
O banquete longamente preparado será degustado de qualquer forma agora.
Mas
fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador
saltou direto da concentração para a dispersão sem passar pela
apoteose.
Aqui e ali, haverá quem arrote peru nos camarotes e colunas da indignação seletiva.
O cheiro de cinzas, porém, é inconfundível e contaminará por muito tempo o ambiente político e econômico do conservadorismo.
O
que se pretendia, repita-se, não era apenas criminalizar fulano ou
sicrano, mas a tentativa em curso de enfraquecer o enredo que os
mercados impuseram ao país de forma estrita e abrangente no ciclo tucano
dos anos 90.
Inclua-se aí a captura do Estado para sintonizar o
país à modernidade de um capitalismo ancorado na subordinação irrestrita
da economia, e na rendição incondicional da sociedade, à supremacia das
finanças desreguladas.
O Brasil está longe de ter subvertido essa lógica.
Mas
não por acaso, a cada três palavras que a ortodoxia pronuncia hoje, uma
é para condenar as ameaças e tentativas de avanços nessa direção.
O
jogral é conhecido: “tudo o que não é mercado é populismo; tudo o que
não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é inflacionário, é
ineficiência, atraso e gastança”.
O eco desse martelete percorreu cada sessão do mais longo julgamento da história brasileira.
Assim
como ele, a condenação da política pelas togas coléricas reverberava a
contrapartida de um anátema econômico de igual veemência,
insistentemente lembrado pelos analistas e consultores: “o Brasil não
sabe crescer, o Brasil não vai crescer, o Brasil não pode crescer --a
menos que retome e conclua as ‘reformas’”.
O eufemismo cifrado
designa o assalto aos direitos trabalhistas; o desmonte das políticas
sociais; a deflagração de um novo ciclo de privatizações e a renúncia
irrestrita a políticas e tarifas de indução ao crescimento.
Não é
possível equilibrar-se na posição vertical em cima de um palanque
abraçado a essa agenda, que a operosa Casa das Garças turbina para Aécio
--ou Campos, tanto faz.
Daí o empenho meticuloso dos punhais midiáticos em escalpelar os réus da AP 470.
Que
legitimidade poderia ter um projeto alternativo de desenvolvimento
identificado com uma ‘quadrilha’ infiltrada no Estado brasileiro?
Foi essa indução que saiu seriamente chamuscada da sessão do STF na tarde desta 5ª feira.
Os interesses econômicos e financeiros que a desfrutariam continuam vivos.
Que
o diga a taxa de juro devolvida esta semana ao degrau de 10,75% , de
onde a Presidenta Dilma a recebeu e do qual tentou rebaixá-la, sob fogo
cerrado da república rentista e do seu jornalismo especializado.
Sem desarmar a bomba de sucção financeira essas tentativas tropeçarão ciclicamente em si mesmas.
Os
quase 6% que o Estado brasileiro destina ao rentismo anualmente, na
forma de juros da dívida pública, dificultam sobremaneira desarmar o
círculo vicioso do endividamento, do qual eles são causa e decorrência.
É o labirinto do agiota: juro sobre juro leva a mais juro. E mais alto.
Dessa encruzilhada se esboça a disputa entre dois projetos distintos de desenvolvimento.
A
colisão entre as duas dinâmicas fica mais evidente quando a taxa de
crescimento declina ou ocorrem mudanças de ciclo na economia mundial,
estreitando adicionalmente a margem de manobra do Estado e das contas
externas.
É o que a América Latina, ou quase toda ela, experimenta nesse momento.
A
campanha eleitoral deste ano prestaria inestimável serviço ao
discernimento da sociedade se desnudasse esse conflito objetivo,
subjacente à guerra travada diante dos holofotes no julgamento da AP
470.
O conservadorismo foi derrotado. Mas não perdeu seus arsenais.
Eles só serão desarmados pela força e o consentimento reunidos das grandes mobilizações democráticas.
As eleições de outubro poderiam funcionar como essa grande praça da apoteose.
A ver."
Enviada por:
Nogueira Junior
/
*Saraiva
sexta-feira, fevereiro 28, 2014
R$ 415 bilhões sonegados em impostos em 2013
Os brasileiros sonegaram R$ 415 bilhões em impostos no ano passado. Todos os tributos devidos e não pagos pelos brasileiros, e inscritos na Dívida Ativa da União, já passam o R$ 1 trilhão e 300 milhões.
Cobertos de razão, cobramos governos municipais, estaduais e o federal. Talvez valha a pena refletir também sobre responsabilidades coletivas e individuais.
O estudo sobre sonegação é do Sinprofaz – Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.
Sonegação de R$ 415 bilhões é igual a 10% do PIB do país. É maior, com muita sobra, do que a soma dos orçamentos da Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia…
Existem, claro, motivos vários para tanta sonegação. Desde a falta de mão de obra para fiscalizar até o injusto sistema de tributação. Sistema regressivo, que penaliza os mais pobres e favorece os mais ricos.
A carga de impostos em relação ao PIB é de 36%. Mas, como o grosso disso é de tributos sobre produtos e serviços, paga mais quem tem menos.
No Brasil, quem ganha até 2 salários mínimos paga, no geral, tributos de 49% . Quem ganha até 20 salários, paga 26%. E assim por diante. Menos ganha, mais paga.
Com os tributos, uma água mineral em aeroporto, por exemplo, custa R$ 4. O peso é diferente para quem ganha 2 e para quem ganha 20 salários mínimos.
O "impostômetro" conhecido não explicita quem paga o quê. Quem sabe não é o caso de um "impostômetro" esmiuçando o que os mais pobres pagam em produtos e serviços?
Já a grande sonegação se dá na Pessoa Jurídica dos mais ricos. Sonegação encoberta por mecanismos sofisticados.
O apelido dado a isso costuma ser "planejamento tributário", como diz Heráclio Camargo, presidente do Sinprofaz.
Sonegação no ISS, Cofins, PIS, mas especialmente nos tributos sobre Pessoa Jurídica. Sonegação que tem saída legal, abrigo e sede nos paraísos fiscais.
A carga tributária do Brasil é semelhante à da Alemanha. O problema está na contrapartida, diferente e muito melhor na Alemanha. E está no injusto imposto regressivo.
Mexer nesse sistema significaria enfrentar os que podem muito e pagam pouco, ou quase nada diante do que poderiam e deveriam pagar.
Com R$ 415 bilhões sonegados em um ano, e R$ 1 trilhão e 300 milhões devidos e não pagos, há muito para ser feito. E muito para debate e reflexão.
A saída mais fácil é discutir a tributação pelo volume, 36% do PIB, e não pelo que tem de injusta. Ou fazer de conta que problema são os R$ 24 bilhões do Bolsa-Família.
Esses R$ 24 bilhões socorrem 14 milhões de famílias; são, em média, R$ 152 por pessoa. Para cidadãos sem acesso a planejamentos que permitem a sonegação de R$ 415 bilhões em um ano.
*
EDUARDO BUERES
Revolução cubana nos postos de saúde
Itamar Melo, Júlia Otero e Larissa Roso
Pouco depois das 7h, seis mulheres saem de uma casa no centro de Guaíba para trabalhar. Vestem-se com simplicidade e carregam a marmita do almoço.
Uma delas segue a pé. As outras ficam na parada de ônibus, com o vale-transporte à mão, rumo a cinco bairros distintos, em viagens de até 40 minutos.
A rotina é idêntica à de milhões de trabalhadores, mas tem um aspecto surpreendente.
As seis mulheres são médicas.
As seis profissionais do amado e odiado programa Mais Médicos representam um personagem novo, surgido no fim do ano passado em muitos rincões do país: o "doutor" cubano que vive modestamente, faz a faxina da casa e ganha um salário apertado, assim como muitos de seus pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS).
O mapa de Cuba no RS
As novidades são sentidas no consultório.
Os pacientes costumam se
supreender ao entrar na sala de Marlyn Paneca Gómez, 47 anos, na unidade
de saúde do centro de Guaíba. Encontram a médica do outro lado da mesa,
mas não acham uma cadeira diante do móvel, para sentar. Como outros
médicos cubanos, Marlyn gosta de colocar a cadeira do paciente colada à
sua.
— A mesa é uma barreira na relação
médico-paciente. Explico que preciso estar perto, tocar. Mas os
brasileiros não entendem. Não estão acostumados. Vão arrastando a
cadeira. Depois de um tempo, ela já está do outro lado da mesa — diz.
Marlyn é um dos 285 cubanos em ação no
Estado, aos quais vão se somar mais 138 em março. No Brasil, eles são
5,4 mil, o equivalente a 80% dos estrangeiros ou formados no Exterior
que participam do Mais Médicos. Ela fazia um curso preparatório no
Espírito Santo, em outubro, quando foi comunicada de que iria para
Guaíba:
— Vi (na Internet) que era uma cidade
pequena, com um lago lindo. Gostei. Tem muitas coisas bonitas. Já
trabalhei na Venezuela e em Honduras, em lugares bem mais complicados,
com muita pobreza.
Em 1º de fevereiro, Marlyn e as outras
cinco compatriotas foram instaladas na casa do centro de Guaíba, um
imóvel mobiliado de 198 metros quadrados. As médicas aprovaram. A casa
tem três quartos (todos eles com split), três banheiros (incluindo
banheira), uma biblioteca (forrada de enciclopédias), um salão de festas
recém-concluído (com churrasqueira), uma cozinha ampla e todos os
utensílios e equipamentos necessários (desde louça até freezer e TV). A
prefeitura alugou a casa por R$ 5,5 mil e banca água, luz e internet.
— A casa é muito boa. E ainda tem a
vantagem de morarmos todas juntas, como uma família — elogia Maritza
Cañada Castillo, 41 anos, que já trabalhou no Paquistão, na Bolívia e na
Venezuela.
A casa pertence a Carmen Tejada e seu
marido, Telmo, que viviam no imóvel até a chegada das cubanas e mantêm
uma oficina mecânica na parte da frente do terreno. Para aproveitar a
oportunidade de alugar a casa, mudaram-se em caráter provisório para a
residência de uma parente. Acabaram virando amigos das médicas.
— São seis pessoas novas na família. Já
combinei de levá-las a jantares e festas da paróquia. Também estou
organizando a inscrição delas em uma academia. Quando elas vieram
conhecer a casa, eu disse o que tinha ao redor: mercado, farmácia.
Quando mencionei a academia, ficaram animadas e disseram que queriam —
conta Carmen.
Médicas levam marmitas para fazer a refeição no trabalho
A rotina das médicas começa
às 6h, quando uma delas levanta mais cedo para preparar o café. O toque
cubano no cardápio são as tortillas de ovo. Às 6h30min, as demais saem
da cama e vão para a mesa. Todas começam a trabalhar às 8h. Ao meio-dia,
pegam a marmita, aquecem a comida no micro-ondas e fazem a refeição no
próprio posto, com outros funcionários. O expediente termina às 17h.
Elas se reencontram por volta das 18h. É
a hora de contar as experiências do dia, de bater papo, de estudar e de
mexer no tablet fornecido pelo governo federal.
— Elas não gostam de TV. São mais ligadas na internet — conta Carmen.
A única que sai todas as noites é
Marlyn. Às 19h, ela ganha a rua e caminha por uma hora e 20 minutos pela
beira do Guaíba. Perdeu 10 quilos desde a chegada:
— Estou fazendo a preparação cardiovascular para quando começar a academia.
Cada noite, uma das médicas faz o
jantar, que será também o almoço, levado na vianda. Nos fins de semana,
elas arrumam a casa e passeiam. Costumam pegar o catamarã até o centro
de Porto Alegre, onde combinam encontros com cubanos de outras cidades,
olham lojas de Guaíba ou arrumam o cabelo em algum salão. Amigos já as
levaram à Serra e ao Litoral.
— Elas adoraram Gramado. Acharam lindo.
Encantam-se por coisas que para nós são simples, como a facilidade de
encontrar produtos de higiene — diz a diretora de saúde de Guaíba,
Fabiani Malanga.
A vida social gira em torno de amigos
brasileiros, como os donos do hotel onde ficaram antes de alugar a casa.
Lá, foram protagonistas da festa de Ano-Novo.
— Tivemos uma noite cubana. Elas
trouxeram colegas de Eldorado do Sul e de Porto Alegre, prepararam
pratos típicos e colocaram música de Cuba. Dançaram até as 3h. São
pessoas animadas — diz Katia Sperotto, 46 anos, proprietária do hotel.
Uma das principais vitrines eleitorais
da presidente Dilma Rousseff, o Mais Médicos nasceu, no ano passado,
debaixo de ataques de entidades médicas. Para essas agremiações, não
faltam profissionais no Brasil. Além disso, o fato de os participantes
do programa terem sido liberados de revalidar seus diplomas no país
representaria um risco à qualidade do atendimento.
— É um projeto demagógico e eleitoreiro.
São profissionais que vêm ocupar espaço dos brasileiros. Eles são
oferecidos como um milagre, como se o governo tivesse uma varinha de
condão para tirar o atendimento médico de uma cartola. Já temos 400 mil
médicos no Brasil e mais 17 mil são formados ao ano — critica Maria Rita
de Assis Brasil, vice-presidente do Sindicato Médico (Simers).
Quando ficou claro que os médicos
trazidos do Exterior seriam basicamente cubanos, o tom das críticas se
elevou e foi reforçado por grupos políticos que viam no Mais Médicos uma
forma encontrada pelo governo de fazer populismo eleitoral e financiar a
ditadura dos irmãos Castro.
Enquanto os médicos de outras
nacionalidades participantes do programa recebem uma bolsa mensal de R$
10 mil, os cubanos ganham cerca de R$ 1 mil. O grosso do dinheiro vai
para o governo de seu país. Os mais exaltados definem o acerto como
trabalho escravo. No início do mês, a cubana Ramona Matos Rodríguez
virou notícia ao abandonar o programa, com apoio do deputado ruralista
Ronaldo Caiado (DEM). Ela disse que vai acionar o governo brasileiro na
Justiça do Trabalho.
A atitude de Ramona é
quase isolada até o momento. De 89 profissionais que abandonaram o Mais
Médicos sem justificativa, só quatro vieram de Cuba — em um universo de
mais de 5 mil.
As médicas de Guaíba, por exemplo,
garantem que a participação no programa é interessante do ponto de vista
financeiro. Para começar, dizem, o salário que recebiam em Cuba
continua a ser pago a suas famílias. Elas reconhecem que a remuneração
de R$ 1 mil por mês é baixa, mas lembram que não é só isso que recebem.
Do valor entregue pelo governo brasileiro, outros US$ 600 são
depositados em uma conta bancária, que pode ser acessada quando voltarem
ao seu país. Para os críticos, trata-se de uma forma de Cuba manter os
médicos como reféns, obrigando-os a retornar para ter acesso ao
dinheiro. Para os profissionais, acaba sendo um belo pé de meia.
Os benefícios recebidos incluem moradia,
transporte e, no caso das cubanas de Guaíba, um auxílio mensal
individual de R$ 500 para alimentação — a soma ultrapassa os R$ 3 mil
mensais.
— Os preços aqui são altos, mas como
existem vários auxílios fica vantajoso. Mas o mais importante é o lado
humanitário e o dinheiro que vai para Cuba, o que ajuda na economia e na
saúde, que é gratuita — defende Marlene Muñoz Sánchez, 43 anos.
Esse tipo de discurso, sincero ou
ensaiado, é característico dos cubanos. Eles se dizem agradecidos por
ter podido estudar Medicina gratuitamente em seu país e afirmam que não o
fizeram para ganhar dinheiro, e sim para ajudar. Diante da afirmação de
que estão sendo explorados e vivendo na pobreza, reagem. Para eles, o
estranho não é os médicos terem um padrão de vida simples, mas terem um
padrão de vida superior ao das outras pessoas.
— No Brasil a gente nota uma grande distância social dos médicos para os pacientes — diz Diurbys Díaz Utria, 34 anos.
Contato por e-mail e pelo Facebock com familiares
A relação com os médicos brasileiros, aliás, não é tranquila. Os cubanos sentem-se incomodados com os ataques.
— Com os funcionários
dos postos, a relação é muito boa, mas com parte dos médicos, não.
Alguns nos receberam bem, mas outros não falam conosco nem nos olham —
diz Diurbys.
Essa hostilidade, somada à deserção de
Ramona, motivou muitos dos cubanos a evitar a imprensa. Dos 30 médicos
de Porto Alegre e dos 10 de Canoas, por exemplo, nenhum topou falar com
ZH.
— Eles estão fugindo de entrevista de
tudo que é jeito. Não topam nada. No início, teve uma exposição muito
grande, e eles resolveram se preservar — diz Marcelo Bósio, secretário
da Saúde de Canoas.
À dificuldade vivida nos
postos de saúde, com os colegas brasileiros, soma-se uma maior, de
caráter pessoal: a distância da família. As seis cubanas de Guaíba têm
filhos, alguns deles pequenos, que ficaram com parentes. O contato é por
Facebook e e-mail. Para chamadas por vídeo, é preciso que o familiar em
Cuba vá até um centro de comunicação, o que não custa barato.
— É a parte mais difícil.
Mas não tenho tristeza. Toda manhã, quando acordo, abro o e-mail e tem
um "bom dia" do meu marido ou dos meus filhos — conta Marlyn.
A saudade é aliviada, dizem as cubanas, pela recepção oferecida por pacientes e amigos brasileiros.
Fabiani Malanga, a diretora de saúde da
cidade, afirma que é comum a prefeitura receber reclamações sobre
médicos locais. É raro alguém elogiar. Mas isso tem acontecido em
relação às cubanas. Há alguns dias, Marlyn voltou faceira para casa, com
um creme e um livro presenteados por um paciente.
*cutucandodeleve
Gleisi rebate Barbosa: 'Estaria sua indicação também sob suspeição?'
RANIER BRAGON
DE BRASÍLIA
A ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR) criticou nesta
quinta-feira (27) o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Barbosa, a quem acusou de levantar "ilações" sobre o processo de
indicação dos ministros da corte.
"Ele abre mão da argumentação jurídica e técnica para insinuar que o
processo de escolha careça de seriedade e responsabilidade. Estaria sua
indicação também sujeita à suspeição?", discursou Gleisi no plenário do
Senado.
Barbosa disse que o STF vivia uma "tarde triste" por reverter uma
decisão por meio de uma "uma maioria de circunstância, formada sob
medida para lançar por terra todo o trabalho primoroso levado a cabo por
esta corte no segundo semestre de 2012".
Embora não tenha dito diretamente, Barbosa se referia à indicação pela
presidente Dilma Rousseff de Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki em
substituição a ministros que se aposentaram. Os dois novos magistrados
votaram pela absolvição dos acusados por crime de quadrilha, o que
beneficia, entre outros, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
"Lamento que o presidente de um Poder sugira trama conspiratória do
Poder Executivo e Legislativo para indicações do STF. É um dia triste
sim, para a democracia brasileira, as declarações do excelentíssimo
presidente do STF", disse Gleisi, acrescentando serem "lamentáveis"
"tais ilações".
A Matéria é da Folha.com
* Blog Justiceira de Esquerda
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