Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, outubro 30, 2014

Deleite anos 60







*http://www.anosdourados.blog.br/

PT teve papel relevante nessa ação civilizatória

O medo do comunismo e a paranoaia de pessoas supostamente bem informadas

Executivos, advogados, médicos etc., pessoas que se consideram "bem informadas" pela mídia tradicional estão, pasmem, com medo da "invasão bolivariana": comunistas escondidos nos telhados, prontos para atacar a noite e articulados pelo Foro de São Paulo

dilma comunismo lula bolviariano
Luis Nassif, GGN
Converso com um advogado, de um grande escritório, liberal e de cabeça aberta. E me surpreendo com seus receios: o de que a vitória de Dilma Rousseff possa ser o início de uma república bolivariana no país.
Por e-mail, um ex-executivo de banco me escreve manifestando o mesmo receio.
São pessoas supostamente bem informadas pelos meios convencionais de informação: os velhos jornais e revistas do eixo Rio-São Paulo.
Esclareço que os problemas do PT são os mesmos dos partidos convencionais: acomodamento trazido pelo poder, apego aos cargos públicos, burocratização, fechamento às manifestações da opinião pública.
Nada que o PSDB e mais partidos também não pratiquem em estados onde são poder.
Digo a ambos que o papel dos partidos é o de civilizar a disputa política, abrigando os diversos segmentos sociais dentro do esquadro partidário. Onde não acontece esse trabalho, a disputa política torna-se selvagem. Hoje em dia, a maioria dos movimentos sociais ganhou uma institucionalização, porque representados na esfera partidária. E o PT teve papel relevante nessa ação civilizatória.

Seu defeito de hoje foi ter fechado as portas aos novos movimentos e burocratizado sua estrutura. Mas esses movimentos buscaram o Rede, de Marina – infelizmente servindo de escada para as ambições menores de Marina, que abriu mão de criar um partido pelo canto de sereia de um cargo em um futuro governo Aécio.
Do lado do governo Dilma, houve o mesmo fenômeno do PT, do abandono dos conselhos de participação e outras formas de interação com a sociedade civil – incluindo os conselhos empresariais, que se manifestavam no Conselhão (o Conselho de Desenvolvimento Social) e nos conselhos reunidos em torno da ABDI (Agência Brasileira para o Desenvolvimento Industrial).
Então o que assusta meus interlocutores? O advogado explica que foi a reação de Dilma às ofensas do Itaquerão, quando generalizou e atribuiu as grosserias à elite branca. E também as manifestações populares, durante sua campanha.
Seria o mesmo que considerar que a adesão a Aécio do submundo dos preconceitos e da intolerância transformaria sua vitória em uma Noite de São Bartolomeu,
Na verdade, já era hora de ambos os partidos se desvencilharem desse radicalismo que só se manifesta na retórica dos palanques.
Por trás desses medos recíprocos, há um enorme déficit informacional, devido ao proselitismo cada vez maior do jornalismo atual e à incompetência cada vez maior dos partidos. A insistência em se falar de venezuelização do país mostra que o único ponto de convergência com a Venezuela é o nível de ambas as mídias.
Os tropeços da política econômica de Dilma não podem ser comparados ao populismo desbragado do chavismo. A busca de relações comerciais com a América do Sul, ou com os BRICs, se prende a uma estratégia geopolítica – que pode e deve ser criticada enquanto estratégia, não como uma tendência bolivariana.
O país cheio de comunistas escondidos no telhado das casas, prontos a atacar de noite, articulados pelo Foro São Paulo é uma criação midiática, pirações da sociedade do espetáculo, roteiros novelizados, assim como foi o fantasma da guerra fria que gerou o macartismo nos anos 50 nos Estados Unidos ou a Guerra dos Mundos, de Orson Wells.
*Pragmatismopolitico

quarta-feira, outubro 29, 2014

Reino Unido aprova regulação da mídia

"Essa é ótima. A República Popular Comunista do Reino Unido - a Inglaterra, dirigida pela camarada Elizabeth II (GOOD SAVE THE QUEEN) aprovou a Regulação da Mídia, a mesma que se defende para o Brasil. Devemos seguir este exemplo, ou nos igualar aos países atrasados? Lembrando que desde 1988 está na Constituição a necessidade dessa regulamentação, sempre atacada como censura e adesão ao comunismo pelos imbecis de pena amestrada, como Reinaldo Azevedo."

Jornais não conseguem barrar medida em resposta a escândalo sobre escutas

POR 


Rebekah Brooks chega ao tribunal em Londres
Foto: Kirsty Wigglesworth / AP
Rebekah Brooks chega ao tribunal em Londres - Kirsty Wigglesworth / AP

PUBLICIDADE
LONDRES - Depois de países como Equador e Venezuela lançarem este ano medidas de controle da imprensa, foi a vez de o Reino Unido unir-se à polêmica. Dois dias após o premier David Cameron ameaçar censurar o “Guardian” pela publicação de documentos sigilosos sobre a espionagem no país, a rainha Elizabeth II sancionou nesta quarta-feira um sistema de regulação da mídia, que foi amplamente criticado por jornalistas locais. A iniciativa, apoiada pelos três principais partidos políticos britânicos, vem na esteira do escândalo de escutas telefônicas por jornalistas, e depois de os meios de comunicação verem seus esforços contra o controle rejeitados na Justiça.




A novidade deve sujeitar revistas e jornais britânicos a um órgão de fiscalização do governo com a função de coibir os abusos descobertos com o escândalo dos grampos - que revelou que repórteres do jornal “News of the World”, do magnata Rupert Murdoch, e de outros meios de comunicação, tiveram acesso ilegal a ligações telefônicas de celebridades, políticos e vítimas de crimes. Também torna mais fácil para as pessoas que se sintam atacadas pela imprensa terem suas queixas ouvidas, além de permitir ao órgão federal cobrar multas aos meios de comunicação.
“(A medida) vai proteger a liberdade de imprensa ao oferecer reparação quando erros forem cometidos”, defendeu o Ministério da Cultura, em comunicado.
Jornalistas locais argumentam que o órgão federal poderia ser usado por políticos para punir publicações das quais não gostam. Eles também reclamam que propostas sugeridas por eles foram ignoradas.
Ex-editores supervisionariam grampo
A guerra, porém, ainda não acabou. Várias publicações já ameaçaram boicotar o novo órgão. Outras consideram levar o tema ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Os meios de comunicação não são obrigados a se inscrever no novo marco regulatório, mas não está claro, até agora, como o impasse será resolvido.
- As chances de nos unirmos à interferência estatal é nula - disse Tony Gallagher, editor do jornal “Daily Telegraph”.
PUBLICIDADE
Já o grupo “Hacked Off”, que reúne pessoas que se sentiram atacadas pela mídia, elogiou a medida. “A imprensa deveria aproveitar para mostrar que não teme ser submetida a padrões éticos decentes, e que tem orgulho de agir com responsabilidade com as pessoas para quem e sobre quem escrevem”, disse num comunicado.
No mesmo dia, dois jornalistas foram acusados em Londres de supervisionar grampos telefônicos. Segundo a promotoria, Rebekah Brooks, ex-braço direito de Murdoch, e Andy Coulson, ex-chefe de imprensa do premier britânico, teriam supervisionado um sistema de escutas e de pagamentos ilegais a funcionários públicos quando eram chefes do “News of the World”. Ambos negam as acusações.
Ainda ontem, outros três jornalistas do extinto tabloide declararam-se culpados das denúncias relacionadas às escutas, nas primeiras confissões desde o início da investigação, em 2011.


Read more: http://oglobo.globo.com/mundo/reino-unido-aprova-regulacao-da-midia-10611363#ixzz3HaPTowLj

Conspiração pós-urna não funciona, senhores.

O erro “venezuelista” da direita brasileira

 Fernando Brito
impi
Ontem, comentando o que havia escrito um homem que ainda honra o jornalismo brasileiro, Mauro Santayanna, saudei o fato de que Aécio Neves, tanto quanto Dilma Rousseff, não insistiria em novos ataques ou acusações, nem cederia espaço para a frustração e o ódio.
Seria, de fato, muito bom que isso acontecesse e, até, corresponderia à natureza de Aécio, neto do mineirismo político de Tancredo.
Mas não é o que está acontecendo e não parece que será, por um bom tempo.
Ontem, Aloysio Nunes Ferreira – o ex-vice de Aécio – fez, no Senado, um discurso afirmando que Dilma “não tem autoridade moral” para falar em diálogo.
Hoje, é o próprio Aécio quem divulga um vídeo belicoso, dizendo que foi derrotado pelo “uso da máquina pública”, pela “mentira” e “pela infâmia” e acena com “uma outra coisa extraordinária, que foi o Brasil acordando, as pessoas indo para as ruas” .
A direita brasileira está querendo produzir um “3° turno” que só existirá mesmo nas cabeças que extravasaram sua natureza preconceituosa e golpista, como se fossemos aqui uma Venezuela, que é um país pequeno e sempre rachado por uma divisão feroz de classes.
Estão cavando um caminho terrível para si mesmos, esquecidos de que, ao contrário da mídia, por onde açulam e pela qual são açulados, precisam de votos.
Deveriam ter compreendido que, se havia muita decepção com a política e até restrições ao desempenho do governo Dilma, foi justamente este ódio e radicalismo que transformaram o Aécio que saiu pujante do primeiro turno naquele que chegou declinante à eleição e que, sem o terrorismo da Veja nos instantes finais,  teria perdido por diferença maior do que a registrada.
Terminaram as eleições, por mais que a direita e a mídia se recusem a ver isso.
Os industriais querem produzir, os comerciantes querem vender, os donos do agronegócio querem plantar e colher, os trabalhadores querem a recomposição dos salários,  a vida continua para além do que a concebem os políticos tradicionais.
Até seu principal quartel general, São Paulo, quer que a vida volte ao normal, a começar pelas torneiras.
Aliás, talvez por isso seu mais bem sucedido candidato, Geraldo Alckmin, esteja discreto e que em “ruas” seja tudo o que não quer ouvir falar.
O primarismo desta direita hidrófoba que se construiu está mais próximo de ser a sua ruína que sua esperança.
O governo eleito pelos brasileiro vai insistir no diálogo, mas exercerá o poder legítimo que lhe foi concedido pelas urnas para, enquanto urram, dirigir o país.
Conspiração pós-urna não funciona, senhores.
*Tijolaço

"A reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral", disse Papa

"A reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral", disse Papa

29 de outubro de 2014

Da Página do MST

Em seu discurso durante o Encontro Mundial dos Movimentos Populares, organizado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz em colaboração com a Pontifícia ACADEMIA das Ciências Sociais e com os líderes de vários movimentos sociais, o Papa Francisco defendeu a Reforma Agrária e fez duras críticas ao modelo do agronegócio.

Ao citar o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Francisco lembrou que "a REFORMA agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral".
 

Disse ainda se preocupar com a erradicação de tantos camponeses que deixam suas terras, “não por guerras ou desastres naturais”, mas pela “apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal”. 
 

Para ele, “essa dolorosa separação, que não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção”.
 

Como conseqüência a essa perversidade, o Papa trousse a dimensão da fome ao se referir a outra prática recorrente do agronegócio. “Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome”.
 


Teto e trabalho
 

Além da questão da terra, Francisco ainda foi enfático com um problema presente em diversos centros urbanos: a moradia. 


Não hesitou ao defender “uma casa para cada família” e denunciar o modelo de cidade “que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas se nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’”, disse ao atacar o eufemismo criado para mascarar a marginalização.
 

O terceiro e último ponto tocado por Francisco se refere à dimensão do trabalho, ao colocar que “não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho”. 
 

Para ele, tanto o desemprego quanto as precárias condições de trabalho são resultado “de uma prévia opção social, de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem”.
 

Nesse sentido, “se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora”.
 

O encontro entre os movimentos sociais de diversas partes do mundo teve início nesta segunda-feira (27) e segue até esta quarta-feira (29).
 

O evento tem por objetivo elaborar uma síntese da visão dos movimentos populares em torno das causas da crescente desigualdade social e do aumento da exclusão em todo mundo, principalmente a exclusão da terra, do teto e do trabalho, e “propor alternativas populares para enfrentar os problemas gerados pelo capitalismo financeiro, a prepotência militar e o imenso poder das transnacionais, como a guerra, a fome, desemprego, exclusão, despejos e miséria, com a perspectiva de construir uma sociedade livre e justa”.
 

Abaixo, veja o discurso do Papa Francisco na íntegra:
 
 
Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares
 

Bom dia de novo. Eu estou contente por estar no meio de vocês. Aliás, vou lhes fazer uma confidência: é a primeira vez que eu desço aqui [na Aula Velha do Sínodo], nunca tinha vindo.
 

Como lhes dizia, tenho muita alegria e lhes dou calorosas boas-vindas. Obrigado por terem aceitado este convite para debater tantos graves problemas sociais que afligem o mundo hoje, vocês, que sofrem em carne própria a desigualdade e a exclusão. Obrigado ao cardeal Turkson pela sua acolhida. Obrigado, Eminência, pelo seu trabalho e pelas suas palavras.
 

Este encontro de Movimentos Populares é um sinal, é um grande sinal: vocês vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela!
 

Não se contentam com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso. Vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer.
 

Solidariedade é uma palavra que nem sempre cai bem. Eu diria que, algumas vezes, a transformamos em um palavrão, não se pode dizer; mas é uma palavra muito mais do que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas. É enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história, e é isso que os movimentos populares fazem.
 

Este encontro nosso não responde a uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades como as que eu mencionei e muitas outras que me contaram... têm os pés no barro, e as mãos, na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta! Queremos que se ouça a sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no reino da ideia, é meu projeto.
 

Não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas. Como é lindo, ao contrário, quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo.
 

Este encontro nosso responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho. É estranho, mas, se eu falo disso para alguns, significa que o papa é comunista.
 

Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja. Vou me deter um pouco sobre cada um deles, porque vocês os escolheram como tema para este encontro.
 

Terra. No início da criação, Deus criou o homem, guardião da sua obra, encarregando-o de cultivá-la e protegê-la. Vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em comunidade. Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sobrem o desenraizamento, e não por guerras ou desastres naturais. A apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal. Essa dolorosa separação, que não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção.
 

A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma REFORMA agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, "a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral" (CDSI, 300).
 

Não sou só eu que digo isso. Está no Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra.


Em segundo lugar, teto. Eu disse e repito: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer de que Jesus nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, que a sua família teve que abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas. Mas, além disso, um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos.
 

Hoje, vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas se nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de "pessoas em situação de rua". É curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com a contundência, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante, não? Vocês, busquem sempre, talvez me equivoque em algum, mas, em geral, por trás de um eufemismo há um crime.
 

Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que os assentamentos pobres são marginalizados ou, pior, quer-se erradicá-los! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando casinhas, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje.
 

Vocês sabem que, nos bairros populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores já esquecidos nos centros enriquecidos. Os assentamentos estão abençoados com uma rica cultura popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os diferentes e que fazem dessa integração um novo fator de desenvolvimento. Como são lindas as cidades que, ainda no seu desenho arquitetônico, estão cheias de espaços que conectam, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro.
 

Por isso, nem erradicação, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente a palavra erradicação, desde já, mas também esses projetos que pretendem envernizar os bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas sociais, em vez de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa. É uma espécie de direito arquitetura de MAQUIAGEM, não? E vai por esse lado. Sigamos trabalhando para que todas as famílias tenham uma moradia e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto e continuo: escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes e todas as coisas que criam vínculos e que unem, acesso à saúde – já disse – e à educação e à segurança.
 

Terceiro, trabalho. Não existe pior pobreza material – urge-me enfatizar isto –, não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho. O desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora.
 

Hoje, ao fenômeno da exploração e da opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da injustiça social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos, "sobrantes". Essa é a cultura do descarte, e sobre isso gostaria de ampliar algo que não tenho por escrito, mas que lembrei agora. Isso acontece quando, no centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de todo sistema social ou econômico, tem que estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o denominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e vem o deus dinheiro, acontecesse essa inversão de valores.
 

E, para explicitar, lembro um ensinamento de cerca do ano 1200. Um rabino judeu explicava aos seus fiéis a história da torre de Babel e, então, contava como, para construir essa torre de Babel, era preciso fazer muito esforço, era preciso fazer os tijolos; para fazer os tijolos, era preciso fazer o barro e trazer a palha, e amassar o barro com a palha; depois, cortá-lo em quadrados; depois, secá-lo; depois, cozinhá-lo; e, quando já estavam cozidos e frios, subi-los, para ir construindo a torre.
 

Se um tijolo caía – o tijolo era muito caro –, com todo esse trabalho, se um tijolo caía, era quase uma tragédia nacional. Aquele que o deixara cair era castigado ou suspenso, ou não sei o que lhe faziam. E se um operário caía não acontecia nada. Isso é quando a pessoa está a serviço do deus dinheiro, e isso era contado por um rabino judeu no ano 1200, explicando essas coisas horríveis.
 

E, a respeito do descarte, também temos que estar um pouco atentos ao que acontece na nossa sociedade. Estou repetindo coisas que disse e que estão na Evangelii gaudium. Hoje em dia, descartam-se as crianças porque a taxa de natalidade em muitos países da terra diminuiu, ou se descartam as crianças porque não se ter alimentação, ou porque são mortas antes de nascerem, descarte de crianças.
 

Descartam-se os idosos, porque, bom, não servem, não produzem. Nem crianças nem idosos produzem. Então, sistemas mais ou menos sofisticados vão os abandonando lentamente. E agora como é necessário, nesta crise, recuperar um certo equilíbrio. Estamos assistindo a um terceiro descarte muito doloroso, o descarte dos jovens. Milhões de jovens. Eu não quero dizer o dado, porque não o sei exatamente, e a que eu li parece um pouco exagerado, mas milhões de jovens descartados do trabalho, desempregados.
 

Nos países da Europa – e estas são estatísticas muito claras –, aqui na Itália, passou um pouquinho dos 40% de jovens desempregados. Sabem o que significa 40% de jovens? Toda uma geração, anular toda uma geração para manter o equilíbrio. Em outro país da Europa, está passando os 50% e, nesse mesmo país dos 50%, no sul são 60%. São dados claros, ou seja, do descarte. Descarte de crianças, descarte de idosos, que não produzem, e temos que sacrificar uma geração de jovens, descarte de jovens, para poder manter e reequilibrar um sistema em cujo centro está o deus dinheiro, e não a pessoa humana.
 

Apesar disso, a essa cultura de descarte, a essa cultura dos sobrantes, muitos de vocês, trabalhadores excluídos, sobrantes para esse sistema, foram inventando o seu próprio trabalho com tudo aquilo que parecia não poder dar mais de si mesmo... mas vocês, com a sua artesanalidade que Deus lhes deu, com a sua busca, com a sua solidariedade, com o seu trabalho comunitário, com a sua economia popular, conseguiram e estão conseguindo... E, deixem-me dizer isto, isso, além de trabalho, é poesia. Obrigado.
 

Desde já, todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma COBERTURA de aposentadoria. Aqui há papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e estável. Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los na sua luta.
 

Neste encontro, também falaram da Paz e da Ecologia. É lógico: não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta. São temas tão importantes que os Povos e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas mãos dos dirigentes políticos. Todos os povos da terra, todos os homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São Francisco de Assis.
 

Há pouco tempo, eu disse, e repito, que estamos vivendo a terceira guerra mundial, mas em cotas. Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra. Então, fabricam e vendem armas e, com isso, os balanços das economia que sacrificam o homem aos pés do ídolo do dinheiro, obviamente, ficam saneados. E não se pensa nas crianças famintas nos campos de refugiados, não se pensa nos deslocamentos forçados, não se pensa nas moradias destruídas, não se pensa, desde já, em tantas vidas ceifadas. Quanto sofrimento, quanta destruição, quanta dor. Hoje, queridos irmãos e irmãs, se levanta em todas as partes da terra, em todos os povos, em cada coração e nos movimentos populares, o grito da paz: nunca mais a guerra!
 

Um sistema econômico centrado no deus dinheiro também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente. As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês, os humildes, os que vivem perto das costas em moradias precárias, ou que são tão vulneráveis economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo.
 

Irmãos e irmãs, a criação não é uma propriedade da qual podemos dispor ao nosso gosto; muito menos é uma propriedade só de alguns, de poucos: a criação é um dom, é um presente, um dom maravilhoso que Deus nos deu para que cuidemos dele e o utilizemos em benefício de todos, sempre com respeito e gratidão. Talvez vocês saibam que eu estou preparando uma encíclica sobre Ecologia: tenham a certeza de que as suas preocupações estarão presentes nela. Agradeço-lhes, aproveito para lhes agradecer, pela carta que os integrantes da Via Campesina, da Federação dos Papeleiros e tantos outros irmãos me fizeram chegar sobre o assunto.
 

Falamos da terra, de trabalho, de teto... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza... Mas por que, em vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza? Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a indiferença. O que me importa o que acontece com os outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado.
 

Alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos. É preciso fazer isso com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano superior de unidade, de paz e de justiça.
 

Os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário. Recomendo-lhes vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas (cfr. Mt 5, 3; e Lc 6, 20) e que leiam a PASSAGEM de Mateus 25. Eu disse isso aos jovens no Rio de Janeiro. Com essas duas coisas, vocês têm o programa de ação.
 

Sei que entre vocês há pessoas de distintas religiões, ofícios, ideias, culturas, países, continentes. Hoje, estão praticando aqui a cultura do encontro, tão diferente da xenofobia, da discriminação e da intolerância que vemos tantas vezes. Entre os excluídos, dá-se esse encontro de culturas em que o conjunto não anula a particularidade, o conjunto não anula a particularidade. Por isso eu gosto da imagem do poliedro, uma figura geométrica com muitas caras distintas. O poliedro reflete a confluência de todas as particularidades que, nele, conservam a originalidade. Nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra, tudo se integra. Hoje, vocês também estão buscando essa síntese entre o local e o global. Sei que trabalham dia após dia no próximo, no concreto, no seu território, seu bairro, seu lugar de trabalho: convido-os também a continuarem buscando essa perspectiva mais ampla, que nossos sonhos voem alto e abranjam tudo.
 

Assim, parece-me importante essa proposta que alguns me compartilharam de que esses movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo, a partir do subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se encontrando, como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom espartilhar o movimento em estruturas rígidas. Por isso, eu disse encontra-se. Também não é bom tentar absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; movimentos livres têm a sua dinâmica própria, mas, sim, devemos tentar caminhar juntos. Estamos neste salão, que é o salão do Sínodo velho. Agora há um novo. E sínodo significa precisamente "caminhar juntos": que esse seja um símbolo do processo que vocês começaram e estão levando adiante.
 

Os movimentos populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor.
 

Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá.


Queridos irmãos e irmãs: sigam com a sua luta, fazem bem a todos nós. É como uma bênção de humanidade. Deixo-lhes de recordação, de presente e com a minha bênção, alguns rosários que foram fabricados por artesãos, papeleiros e trabalhadores da economia popular da América Latina.
 

E nesse acompanhamento eu rezo por vocês, rezo com vocês e quero pedir ao nosso Pai Deus que os acompanhe e os abençoe, que os encha com o seu amor e os acompanhe no caminho, dando-lhes abundantemente essa força que nos mantém de pé: essa força é a esperança, a esperança que não desilude. Obrigado.
 *MST

“Os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp”, afirmou o deputado Chico Alencar,


alencar

Chico Alencar apoia pedido de impeachment de Alckmin

“Os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp”, afirmou o deputado 
Por Deputado Chico Alencar, no Viomundo 
A grave crise de abastecimento hídrico atravessada atualmente pelo estado de São Paulo merece atenção de todo o país, bem como esforço amplo para a superação do problema.
O baixo nível dos reservatórios do sistema Cantareira ameaça o fornecimento de água para cerca de 14 milhões de pessoas da região metropolitana da capital e de outros 12 municípios, como Campinas, Piracicaba e Itu.
Por mais que devamos nos preocupar com o aquecimento global e adotar políticas ousadas para seu enfrentamento, não é essa – nem meramente a falta de chuvas – a principal razão para a pane no sistema de abastecimento de água.
A Relatora das Nações Unidas para a questão da água, Catarina de Albuquerque, é categórica: a crise hídrica em São Paulo é de responsabilidade direta do governo estadual.
A avaliação do Ministério Público é semelhante. A promotora Alexandra Facciolio afirma: “Estamos passando por esta situação porque o planejamento falhou. Não foi feito o que era necessário”.
Segundo diversos especialistas, os vinte anos de gestão estadual do PSDB não providenciaram os INVESTIMENTOS necessários para garantir o equilíbrio do sistema de abastecimento de água, com capacidade de suportar períodos de estiagem.
A privatização da gestão, controle e distribuição da água, transformada em ativo financeiro e objeto de especulação nas bolsas de valores, é uma das maiores razões para isso.
Para a Relatora da ONU, “os recursos deveriam estar sendo investidos para garantir a sustentabilidade do sistema e o acesso de todos a esse direito”, ao invés de remunerarem lucros de acionistas da Sabesp, empresa mista responsável pela gestão do sistema, e que tem quase 50% de suas ações distribuídas entre bolsas de SP e de Nova Iorque.
Segundo o economista Bruno Peregrina Puga, “os anos recentes têm sido generosos com os acionistas da Sabesp, sempre pagando um payout elevado, ao passo que o INVESTIMENTO não tem acompanhado a mesma intensidade crescente do lucro”.
Além disso, estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que o desmatamento intenso de quase 80% da vegetação nativa da bacia hidrográfica da Cantareira é um dos responsáveis diretos pela crise de abastecimento.
Com pouca vegetação, a floresta não consegue desempenhar o seu papel, de reabastecer os lençóis freáticos e impedir a erosão do solo e o assoreamento de rios, protegendo as nascentes e todo o fluxo hídrico. Mais uma grave omissão do poder público – inclusive deste Congresso Nacional, que produziu grave retrocesso ambiental nesta Legislatura, ao aprovar, em 2012 (com a nossa oposição), o novo Código Florestal, que criou condições mais favoráveis ao desmatamento e assoreamento de rios.
Além da instrumentalização mercantil e financeira, há evidência de grave e ilegal ingerência política eleitoreira sobre a Sabesp, em prejuízo da transparência da gestão pública.
Diante dos áudios em que a diretora-presidente da SABESP, Dilma Pena, declara ter recebido ordens do governo do estado para esconder a grave crise de abastecimento de água em São Paulo, fica claro que o governo do PSDB colocou seus interesses eleitorais acima do interesse público.
Com esse fundamento, o Deputado Carlos Giannazi, líder da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Estado de SP, protocolou, no dia 24, pedido de cassação do mandato do governador Geraldo Alckmin por crime de responsabilidade, com base na legislação federal e estadual, além de Representação no Ministério Público Estadual, pedindo que o órgão responsabilize criminalmente, e por prevaricação, a presidente da SABESP e o próprio governador.
Por mais que o governo tucano tenha tentado esconder, a falta de água já era sentida há tempos, em especial na periferia, em bairros como Itaquera, Carapicuíba e Campo Limpo, conforme denuncia Guilherme Boulos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
A população de Itu, no interior, foi a primeira a sofrer com o problema, desde setembro do ano passado, enfrentando racionamentos prolongados e imprevisíveis, que afetam da merenda escolar à ida de estudantes ao banheiro nas escolas, da dificuldade de lavar roupas e tomar banho às filas enormes e ininterruptas na bica de água da cidade.
Na raiz da escassez, a falta de transparência e de INVESTIMENTOS do poder público e da empresa privada que é concessionária do serviço de abastecimento de águas na cidade desde 2007.
Como infelizmente tem sido praxe, os governantes têm respondido com violência, e não com políticas públicas adequadas, à revolta popular que ocorre em Itu pelo direito à água.
Várias pessoas foram presas nos protestos, e há casos de ativistas que têm sofrido ameaças e agressões físicas e psicológicas da polícia militar e da guarda municipal de Itu. Foi o caso de Everson Guarnieri Júnior, 20 anos de idade, membro do movimento “Itu Vai Parar”, vítima de golpes de cacetete por parte da PM e que teve seus piercings arrancados com alicate no centro de detenção provisória de Sorocaba, do qual saiu com diversos ferimentos.
Nesse cenário, manifesto todo apoio à representação do Deputado Carlos Giannazi contra a cúpula do governo de SP e da Sabesp, e toda solidariedade ao movimento “Itu vai parar”, que apresenta demandas cobertas de justiça e urgência:
i. O decreto do estado de calamidade pública em Itu;
ii. O rompimento do contrato com a empresa concessionária e o fim da concessão;
iii. O fim da exploração da água para o lucro;
e iv. A participação popular no Comitê de Crise formado pela prefeitura e Estado de São Paulo para a gestão da água em Itu.
Água é direito humano, essencial à vida, não pode ser mercadoria!
Agradeço a atenção,
*http://spressosp.com.br/2014/10/29/chico-alencar-apoia-pedido-de-impeachment-de-alckmin/