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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 20, 2012

A ÉTICA E A RETIDÃO

Talvez nos conviesse, ao tratar da corrupção política, substituir o vocábulo “ética” por substantivos mais singelos, como retidão e correção. Ética é conceito filosófico profundo, de definição difícil, e que se desgastou no abuso de seu emprego. É uma idéia que está acima do exame dos escândalos atuais, que não merecem nem mesmo serem qualificados como aéticos. Apelar para a ética, nesses casos, é como usar uma balança de ouro para pesar cascalho sujo. Em lugar de recorrer à ética, tratemos apenas do Código Penal.
Em todos os tempos humanos – esta é a âncora recorrente – houve peculatários. E em todos os tempos humanos eles foram combatidos, mesmo quando os larápios se encontravam à frente dos estados. As sublevações populares, quaisquer fossem suas bandeiras, sempre se fizeram contra os usurpadores do bem público.
Em todos os tempos houve – de acordo com os historiadores – organizações criminosas, de quadrilhas de salteadores de estradas a ocupantes do poder nacional. Daí a famosa comparação de Santo Agostinho: a diferença entre os grupos de bandidos organizados e os estados é o exercício da justiça. No estado em que não prevalece a justiça, os governantes não diferem dos bandidos. No interior dos estados, como no interior de qualquer comunidade, as duas realidades – a busca da justiça e a ação criminosa – coexistem e se combatem. Até mesmo no interior das famílias há os que procedem corretamente e os pérfidos.
O povo brasileiro tem sido submetido, mais do que outros povos, ao assalto quase continuado aos bens comuns. E o maior dano é o causado à sua dignidade. A dignidade ou, em termos mais simples, a vergonha, é um atributo das pessoas honradas, como lembra Lupicínio Rodrigues em sua composição mais conhecida, em que a vingança contra o opróbrio é recomendada. Cidadãos de paises que não se destacam pela retidão de seus homens públicos – como é o caso da Itália e da Espanha, entre outros – se esbaldam em comentar as notícias do Brasil, por meio da rede internacional de computadores: lá os ladrões são levados aos tribunais; aqui costumam escafeder-se pelos corredores dos entraves processuais.
Talvez Agostinho tenha razão, se pensarmos no que foi a política de privatizações do governo soi-disant social-democrata, que nos infelicitou entre 1995 e 2003. Podem dar-nos todas as explicações técnicas e econômicas, dentro da famosa “ética do capitalismo”, para justificar a entrega das empresas estatais ao setor privado, mas não houve nada de honrado nessa decisão. Ao contrário: a privatização só privilegiou alguns empresários, brasileiros e estrangeiros, além de fazer, de alguns gestores do processo, homens subitamente beneficiados por posições destacadas e altamente remuneradas nas organizações compradoras e nas organizações financeiras que com elas se associaram.
Há, como em todas as outras organizações criminosas, os que agem com cautela jurídica e os lambões. Essa construtora envolvida, se nos ativermos a uma conversação telefônica entre seu presidente e o Sr. Carlos Cachoeira, não soube como operar no sofisticado sistema. Tampouco souberam precaver-se o senador Torres e o vitorioso empresário tentacular Carlos Cachoeira. Foram, além de tudo, lambões, ao se envolverem com personagens vulgares do millieu, como o araponga Dadá.
A vulnerabilidade de Brasília à ação dos corruptores nos leva a uma constatação constrangedora: a autonomia da capital da República foi a mais infeliz das decisões constitucionais de 1988. A esse erro, que violou criminosamente o pacto federativo de 1891, somaram-se outros, como os cometidos pelo açodado afã “modernizador” do demagogo e moralista de fachada Fernando Collor, ao alienar as residências funcionais da capital da República. Até então, os servidores de Brasília eram recrutados em todo o país, e servir ao poder central constituía uma vitória do mérito. Sem essa modesta vantagem – a garantia de moradia por um aluguel moderado – a transferência para o planalto central perdeu seu grande atrativo.
A administração pública, tanto da União, quanto do Distrito Federal, se viu obrigada a recrutar quem se apresentasse. Os cargos comissionados foram, de modo geral, preenchidos pelos atores políticos, que atendiam e atendem à pressão de seus eleitores. Por outro lado, o achatamento dos vencimentos dos servidores – a não ser em carreiras privilegiadas – afasta os mais bem dotados para as atividades privadas, de remuneração muito mais atraente.
Antes de 1988, Brasília era administrada diretamente pelo poder central, mas seus prefeitos (aquinhoados pelo governo militar com o título de governadores) tinham que ser aprovados pelo Senado - em nome de toda a Federação – e estavam submetidos ao controle de um comitê especial da mesma casa legislativa. Com a autonomia, Brasília passou a ser um estado como os outros - sujeito à pressão de suas oligarquias. E como a população, em sua maioria, é pressionada pela miséria, tende a votar com a emoção, seguindo os demagogos de turno. Por isso, a câmara de vereadores, que se denomina distrital, mas tem a arrogância de votar como se fosse o plenário das Nações Unidas, é dominada por homens como os que foram filmados pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa, ao receber dinheiro vivo de suas próprias mãos, a fim de votar de acordo com os interesses do governador de Brasília de então.
E há outros inconvenientes. Quando a Comissão Arinos discutia a questão da autonomia, no anteprojeto de Constituição que elaborava, Hélio Jaguaribe lembrou outra grave inconveniência da medida. Argumentou que, no caso em que o governador local fosse inimigo do Presidente da República, seria fácil colocar caminhões fétidos de lixo na praça dos Três Poderes, quando o Brasil estivesse recebendo a visita de um chefe de estado estrangeiro, para a desmoralização nacional diante do mundo. Isso sem falar no esbulho dos outros estados da federação, que perderam, de fato, a soberania sobre a sua capital.
A solução radical terá de ser emenda constitucional, imediata, que devolva a administração política do Distrito Federal ao governo da República, como era antes de 1988, e já a partir de 2015, quando termina o atual mandato, antes que a situação se perpetue. Essa medida radical irá romper aqueles esquemas conhecidos de desvio de recursos públicos. Não é certo que isso venha a acabar com a corrupção, mas certamente reduzirá a sua audácia e os seus efeitos. 
*Gilsonsampaio


A Arma Secreta de Israel 

 



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.Título Original: Israel's Secret Weapon, 2003, (44 minutos)
.Realização: Olenka Frenkiel, BBC.
.Tradução e legendas: Malandro (Português)
.Fundamental! - Sinopse de Malandro
. Enviado por João Pedro (Liberdade 074)
Mordechai Vanunu
A Arma Secreta de Israel é um documentário realizado pela BBC em 2003, que conta a história de Mordechai Vanunu, o denunciante das armas nucleares israelitas, que foi sentenciado a 18 anos de prisão pelo seu Governo, dos quais 11 foram passados em isolamento.
Tendo sido transmitido pela primeira vez em 2003, poucos dias antes do início guerra do Iraque, este é um importante documentário que nos mostra como a suposta “única democracia do Oriente Médio”, raptou um dos seus cidadãos em solo estrangeiro, tendo depois julgado-o secretamente, por este ter revelado ao mundo aquilo que já se suspeitava. Que Israel tem um programa nuclear bastante avançado, calculando-se que o país possui um arsenal nuclear com cerca de 100 a 200 bombas atômicas, as quais, nunca foram inspecionadas pela comunidade internacional.
Este é um dos poucos documentários realizados sobre o assunto e que nos revela também o secretismo existente na sociedade israelita em todos os seus setores.
Um documentário bastante atual. Basta para isso, trocar a então situação do Iraque com a atual situação do Irã, para verificarmos que a retórica usada é mesma. Dois pesos e duas medidas.
O mundo exige tudo do Irã e nada de Israel.
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Veja e seu dono sem escrúpulos

 


A regra número um de qualquer ofensor é passar-se por inofensivo. E a melhor forma de fazê-lo é vestir a máscara do probo. Daí talvez a hipocrisia ter-se instalado como traço mais marcante do caráter nacional, a ponto de Nelson Rodrigues ter visto no discurso de zelo da ordem familiar o biombo para toda espécie de transgressão daquilo que é ético e justo.

Esse parece ter sido o caso patriarca Victor Civitta, empresário do ramo editorial, cujo nome de família constitui ele mesmo dissimulação um dia necessária às perseguições que sofreram famílias vindas de uma Europa conflagrada pelos crimes de ódio aos que vergassem nomes judeus.

Estranhamente, trazendo no nome a marca de resistência à discriminação – como o trazem também os Mesquita e os Frias dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, respectivamente – Civitta fez da perseguição o principal meio de promoção da sua principal publicação, a revista Veja.

Não o fez, porém, por apego à convicções do que pudesse ser melhor para o País onde sua ascendência e ele próprio receberam democrática acolhida para poder prosperar. Expôs à execração pública cidadãos como ele apenas pelo estratagema que lhe permitisse manter a tona suas principais publicações em circunstâncias desfavoráveis de negócio.

Não agradou ao magnata Civitta que governos populares tenham alterado a dinâmica de domínio do grande capital sobre as decisões econômicas do Estado, como nos tempos do governo liberal de Fernando Henrique Cardoso, que lhe carreava às empresas vultosas somas com anúncios e matérias patrocinadas por poderosos lobbies do capital transnacional.

Agradou-lhe menos ainda a perda de influência sobre as instituições públicas e os governos estaduais das forças políticas identificadas com o enfraquecimento do papel do Estado na economia, que trouxeram consigo também perda de comando sobre verbas publicitárias de grandes fornecedores do setor público.

A migração de leitores da mídia impressa para meios alternativos de comunicação eletrônica só fez por agravar a debilidade financeira das revistas de Civitta. A fraqueza política das oposições contribuiu com outro tanto das dificuldades para que o capitão das comunicações decidisse oferecer serviços de panfletagem política ao principal partido político das oposições ainda no controle de dois importantes estados da federação, Minas e São Paulo.

Foi assim que o grupo Abril obteve milionários contratos com os governos dos estados de São Paulo e Minas Gerais, na forma de compra sem licitação de publicações – dentre essas a revista Veja – para distribuição entre usuários e prestadores de serviços públicos. Mais recentemente a empresa obteve, pelo mesmo meio da troca de favores, espaço gratuito para a veiculação de programas na emissora de TV estatal paulista.

O passo mais ousado estaria ainda por vir, nas saídas buscadas pelo empresário para tirar seus negócios do atoleiro em que os colocara as novas situações de política e de mercado do País. Civitta ordenou a empregados lotados em Brasília, à altura da metade do primeiro mandato de Lula da Silva, que buscassem no crime organizado, atuante em diferentes esferas do governo federal, informações que permitissem às revistas controladas pelo grupo constranger funcionários públicos a direcionarem empresas contratadas para anunciar nos periódicos do Grupo Abril.

Para que a fórmula baseada na intimidação funcionasse era necessário instalar verdadeiro clima de terror com relação à possibilidade de denúncias, de sorte a levar agentes públicos a preferirem antes negociar com o clã dos Civitta que explicarem-se perante órgãos de auditoria do governo federal.

O escândalo do chamado mensalão, que quase levou a um golpe branco contra o governo de Lula da Silva, nada mais foi que um efeito colateral da associação criminosa que mantinham Veja e o grupo do contraventor Carlos Cachoeira. Uma fagulha provocada pela chantagem dos parceiros atingiu o então deputado Roberto Jefferson ateando fogo ao paiol do Congresso majoritariamente de oposição.

A editora ganhava de dois lados. Por um via garantidos anúncios de fornecedores de órgãos e empresas públicas, temerosos de terem o nome de suas empresas envolvido com as denúncias de Veja. Por outro, ao atender a oposição com acusações graves contra importantes figuras da República, criava condições para a cobrança de faturas pelos serviços políticos prestados.

Uma larga avenida em declive só poderia redundar ao final em acidente fatal. Os negócios de Civitta, conduzidos em alta velocidade mediante uso farto da extorsão e chantagem, colidiram com uma nova institucionalidade que vem de firmar-se no País para a proteção dos interesses de Estado, fundada na auditoria técnica da Controladoria Geral da União e nas investigações criminais autônomas da Polícia Federal.  

O rosto sulcado de Civitta, quando convocado pela CPI que o Congresso Nacional acaba de instalar, será mostrado em todas as televisões do mundo como a face mais perversa de certa mídia que faz da liberdade de imprensa arma para alavancar negócios, em detrimento das instituições maduras e confiáveis que países em rota de desenvolvimento como o Brasil esforçam-se por edificar.
*Brasilquevai

Oposição flertou com Al Capone


Sem bandeiras, o movimento anticorrupção criado nos laboratórios da oposição ao governo Dilma exaspera-se. 

O afastamento de sete ministros sobre os quais pairavam dúvidas quanto a desvio de conduta e, mais recentemente, as operações da Polícia Federal que lancetaram o tumor formado pelo principal veículo de comunicação das oposições - a revista Veja - e  seu braço criminoso,o grupo de extorsão comandado pelo vulgo Carlinhos Cachoeira, inverteram a iniciativa no combate à corrupção.

Antes, grupos ligados aos 2 principais partidos de oposição pensavam haver encontrado o ovo de Colombo para marcar o governo legitimado pelas eleições de 2010 com a pecha da conivência com a corrupção. Achavam que a continuidade do coaxar em torno do mensalão seria o bastante para a criação de um estigma político que levaria o governo à defensiva perante a opinião pública.

Mas, como no bordão do anti-herói mexicano Chapolin, não contavam com a astúcia da presidente que, a par de estabelecer uma linha de conduta ética rigorosa em seu governo, manteve também os amplos poderes de investigação de que dispunha a Polícia Federal, vindo com isso – a um só tempo – colocar-se em sintonia com a opinião pública e a desbaratar o dispositivo de chantagem política montada pelas oposições.

Esse esquema fundava-se no tripé  representado pela crítica parlamentar exacerbada, reportagens bombásticas na mídia e a forja de elementos incriminatórios pelo  crime organizado. Massacrada no embate democrático, com a fuga maciça de deputados para os partidos da base de apoio ao governo federal e o esvaziamento do discurso de acusação à incompetência administrativa, à oposição não restou alternativa senão os discursos morais inflamados, lastreados nas manchetes semanais da revista Veja a partir de informações fornecidas por chantagistas.

Como tudo aquilo que na disputa política não é sustentável se não estiver escorado pela vontade popular, mostrou-se insustentável também a indústria de denúncias que a oposição montou com o apoio da revista Veja e os criminosos egressos do governo tucano de Goiás, liderados pelo contraventor Carlos Cachoeira.

Ainda não se deram conta os principais partidos de oposição que por mais malabarismos que façam para esconder o uso de prática criminosa, não conseguirão impedir que a CPI que se instalou no Congresso apara apurar os ilícitos de Cachoeira tragam à tona os métodos a que recorreram diante da perda de representatividade política.

 A queda do tripé oposição, Veja e crime organizado levará consigo também os movimentos artificiais urdidos para cobrar ação mais incisiva do governo federal. Não passa despercebido a ninguém que, diante do rigor das investigações postas em prática pelo governo, tais movimentos de poltrona omitam-se quando deveriam no mínimo reconhecer-lhes o mérito, como fez recentemente a secretária de estado norte-americana Hillary Clinton em recente visita ao País.    

Com o fenecimento do alarido das suas claques também a oposição a Dilma terá seu poder de fogo ainda mais diminuído ao término da CPI para investigar o que estava por detrás dos crimes da revista Veja e do contraventor Carlos Cachoeira, porque ficará revelado ao País que foi ela mesma ,ao final, a principal beneficiária dos crimes praticados.
*Brasilquevai

O Pogrom de Lisboa


Faz hoje 506 anos.

O dia 19 de Abril de 1506 amanheceu pacífico e soalheiro.
Na igreja de São Domingos, em Lisboa, a missa dessa manhã decorria provavelmente com a calma modorra do costume.
Mas, de súbito, a placidez da missa foi interrompida por um estranho fenómeno que se oferecia perante os olhos de todos os fiéis: a imagem do Cristo pregado na cruz que se encontrava sobre o altar estava iluminada por uma estranha e misteriosa luz.
A superstição e a exacerbada crença dos fiéis imediatamente os fez acreditar estar na presença de um milagre: a imagem do Cristo parecia até que irradiava luz própria.
Todos se ajoelharam em fervorosas preces, em êxtase perante aquele milagre que se lhes oferecia, ali mesmo, à frente dos seus olhos.
Mas há sempre um desmancha-prazeres em histórias como estas: um dos fiéis mais afoitos logo se apressou a explicar aos seus colegas de missa que a luz nada tinha de misteriosa, pois provinha simplesmente do reflexo de uma candeia de azeite que estava ali próxima.
E pronto! Caiu o Carmo e a Trindade!
A primeira coisa que alguém descobriu foi que o chico-esperto era um cristão novo, um judeu convertido à pressa mas, pelos vistos, demasiado depressa.
Foi o suficiente para logo dali o arrastarem pelos cabelos para o adro da igreja, onde foi imediatamente chacinado pela multidão dos fervorosos tementes a Deus, e o seu corpo queimado no local.
O êxtase místico da multidão logo se propagou a toda a cidade.
Lisboa parecia ter ela própria enlouquecido.
Respeitáveis representantes do clero católico saíram dos seus pacatos refúgios de oração e percorriam as ruas de um lado para o outro empunhando crucifixos e gritando: «Heresia! Heresia!».
A multidão depressa foi engrossando e, ajudada até por marinheiros holandeses e dinamarqueses que se encontravam no porto, iniciou uma gigantesca rusga por toda a cidade.
Para evitar o caos e a anarquia, sempre más conselheiras, os padres e frades dominicanos tomaram a piedosa responsabilidade de organizar convenientemente o tumulto: judeu ou cristão-novo que era identificado ou apanhado, era imediatamente preso e levado para o Rossio e ali era queimado em gigantescas fogueiras que os escravos municiavam ininterruptamente de lenha.
Os judeus e os cristãos novos, homens e mulheres, que se refugiavam em casa eram arrancados à força dos seus esconderijos. Até as crianças de berço eram fendidas de alto a baixo ou esborrachadas de encontro às paredes.
Como mesmo nestas coisas da fé é sempre bom juntar o útil ao agradável, o misticismo assassino daqueles fervorosos e bons católicos não os impediu de pilhar as casas por onde passavam e de ajustar velhas contas com inimigos que muitas vezes nada tinham a ver com o judaísmo.
Mesmo os que se refugiavam nas igrejas e se agarravam desesperadamente às imagens dos santos eram levados e arrastados à força para o Rossio e queimados vivos.
A chacina durou dois dias e só terminou por puro cansaço da populaça.
Relatos da época falam no sangue que escorria pelas ruas abaixo no Bairro Alto ou na Mouraria.
Calculam os historiadores que nesta matança em nome dos mais sagrados princípios e da pureza do catolicismo morreram mais de 4.000 pessoas.
Tudo, claro, em nome dessa coisa extraordinária que algumas pessoas têm e que tanto se orgulham de ter, que se chama «Fé».
Tudo feito por bons católicos.
Tudo em nome de Deus.
*Diarioateista

Qualquer semelhança é mera coincidência


*Peviana

7º continente" - uma gigantesca placa de lixo plástico que flutua no oceano Pacífico, seis vezes maior do que a França

O explorador Patrick Deixonne "chocado pelos detritos encontrados no mar" durante sua participação numa competição de remo, em 2009, decidiu realizar uma expedição científica para alertar o mundo sobre a "catástrofe ecológica" em curso, no nordeste do Pacífico. Guiada por satélites "high-tech", uma escuna francesa da década de 1930 partirá ao encontro do "7º continente" - uma gigantesca placa de lixo plástico que flutua no oceano Pacífico, seis vezes maior do que a França Mais Jody Amiet/AFP
*NINA

O garoto bobo

por Luiz Carlos Bresser Pereira

Só um bobo dá a estrangeiros serviços públicos como as telefonias fixa e móvel...
João é dono de um jogo de armar. Dois meninos mais velhos e mais espertos, Gonçalo e Manuel, persuadem João a trocar o seu belo jogo por um pirulito. Feita a troca, e comido o pirulito, João fica olhando Gonçalo e Manoel, primeiro, se divertirem com o jogo de armar, e, depois, montarem uma briga para ver quem fica o único dono. Alguma semelhança entre essa estoriazinha e a realidade?... 
Não é preciso muita imaginação para descobrir. João é o Brasil que abriu a telefonia fixa e a celular para estrangeiros. Gonçalo é a Espanha e sua Telefônica, Manuel é Portugal e a Portugal Telecom; os dois se engalfinham diante da oferta "irrecusável" da Telefônica para assumir o controle da Vivo, hoje partilhado por ela com os portugueses. Mas por que eu estou chamando o Brasil de menino bobo? Porque só um tolo entrega a empresas estrangeiras serviços públicos, como são a telefonia fixa e a móvel, que garantem a seus proprietários uma renda permanente e segura. No caso da telefonia fixa, a privatização é inaceitável porque se trata de monopólio natural. No caso da telefonia móvel, há alguma competição, de forma que a privatização é bem-vinda, mas nunca para estrangeiros. Estou, portanto, pensando em termos do "condenável" nacionalismo econômico cuja melhor justificação está no interesse que foi demonstrado pelos governos da Espanha e de Portugal. 

O governo espanhol, nos anos 90, aproveitou a hegemonia neoliberal da época para subsidiar de várias maneiras suas empresas a comprarem os serviços públicos que estavam então sendo privatizados. Foram bem-sucedidos nessa tarefa. Neste caso, foram os espanhóis os nacionalistas, enquanto os latino-americanos, inclusive os brasileiros, foram os colonialistas, ou os tolos. 

Agora, quando a espanhola Telefônica faz uma oferta pelas ações da Vivo de propriedade da Portugal Telecom, o governo português entra no jogo e proíbe a transação. 

A União Europeia já considerou ilegal essa atitude, mas o que importa aqui é que, neste caso, os nacionalistas são os portugueses que sabem como um serviço público é uma pepineira, e não querem que seu país a perca. O menino tolo é o Brasil, que vê o nacionalismo econômico dos portugueses e dos espanhóis e, neste caso, nada tem a fazer senão honrar os contratos que assinou. 

Vamos um dia ficar espertos novamente? Creio que sim. Nestes últimos anos, o governo brasileiro começou a reaprender, e está tratando de dar apoio a suas empresas. Para horror dos liberais locais, está ajudando a criar campeões nacionais. Ou seja, está fazendo exatamente a mesma coisa que fazem os países ricos, que, apesar de seu propalado liberalismo, também não têm dúvida em defender suas empresas nacionais. 

Se o setor econômico da empresa é altamente competitivo, não há razão para uma política dessa natureza. Quando, porém, o mercado é controlado por poucas empresas, ou, no caso dos serviços públicos, quando é monopolista ou quase monopolista, não faz sentido para um país pagar ao outro uma renda permanente ao fazer concessões públicas a empresas estrangeiras. 

A briga entre espanhóis e portugueses pela Vivo é uma confirmação do que estou afirmando.
*Briguilino

'Peluso manipulou resultados de julgamentos'

BARBOSA: "Pessoas racistas insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é?" Entrevista completa ao jornal O Globo


ENTREVISTA

 Dois dias depois de ser chamado de inseguro e dono de "temperamento difícil" pelo ministro Cezar Peluso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa respondeu em tom duro. Em entrevista ao GLOBO, Barbosa chamou o agora ex-presidente do STF de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno". Acusou Peluso de manipular resultados de julgamentos de acordo com seus interesses, e de praticar "supreme bullying" contra ele por conta dos problemas de saúde que o levaram a se afastar para tratamento. Barbosa é relator do mensalão e assumirá em sete meses a presidência do STF, sucedendo a Ayres Britto, empossado ontem. Para Barbosa, Peluso não deixa legado ao STF: "As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade."
JOAQUIM BARBOSA: Para mim, assumir a presidência do STF é uma obrigação. Tenho feito o possível e o impossível para me recuperar consistentemente e chegar bem em dezembro para assumir a presidência da Corte. Mas, para ser sincero, devo dizer que os obstáculos que tive até agora na busca desse objetivo, lamentavelmente, foram quase todos criados pelo senhor... Cezar Peluso. Foi ele quem, em 2010, quando me afastei por dois meses para tratamento intensivo em São Paulo, questionou a minha licença médica e, veja que ridículo, aventou a possibilidade de eu ser aposentado compulsoriamente. Foi ele quem, no segundo semestre do ano passado, após eu me submeter a uma cirurgia dificílima (de quadril), que me deixou vários meses sem poder andar, ignorava o fato e insistia em colocar processos meus na pauta de julgamento para forçar a minha ida ao plenário, pouco importando se a minha condição o permitia ou não.
BARBOSA: Um dia eu peguei os laudos descritivos dos meus problemas de saúde, assinados pelos médicos que então me assistiam, Dr. Lin Tse e Dr. Roberto Dantas, ambos de São Paulo, e os entreguei ao Peluso, abrindo mão assim do direito que tenho à confidencialidade no que diz respeito à questão de saúde. Desde então, aquilo que eu qualifiquei jocosamente com os meus assessores como "supreme bullying" vinha cessando. As fofocas sobre a minha condição de saúde desapareceram dos jornais.
BARBOSA: Eis que no penúltimo dia da sua desastrosa presidência, o senhor Peluso, numa demonstração de "désinvolture" brega, caipira, volta a expor a jornalistas detalhes constrangedores do meu problema de saúde, ainda por cima envolvendo o nome de médico de largo reconhecimento no campo da neurocirurgia que, infelizmente, não faz parte da equipe de médicos que me assistem. Meu Deus! Isto lá é postura de um presidente do Supremo Tribunal Federal?
BARBOSA: Peluso está equivocado. Ele não apaziguou o tribunal. Ao contrário, ele incendiou o Judiciário inteiro com a sua obsessão corporativista.
BARBOSA: Nenhum legado positivo. As pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade. Dou exemplos: Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento. Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável (o ministro se refere ao julgamento que livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e garantiu a volta dele ao Senado, no qual o duplo voto de Peluso, garantido no Regimento Interno do STF, foi decisivo. Joaquim discorda desse instrumento); cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, "invadir" a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões...
Quando o senhor assumir a presidência, pretende conduzir o tribunal de que forma? O senhor acha que terá problemas para lidar com a magistratura e com advogados?
BARBOSA: Nenhum problema. Tratarei todos com urbanidade, com equidade, sem preferências para A, B ou C.
O ministro Peluso também chamou o senhor de inseguro, e disse que, por conta disso, se ofenderia com qualquer coisa. Afirmou, inclusive, que o senhor tem reações violentas. O senhor concorda com essa avaliação?
BARBOSA: Ao dizer que sou inseguro, o ministro Peluso se esqueceu de notar algo muito importante. Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto. Basta comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional. Eu aposto o seguinte: Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots (grupo norte-americano de rock e blues da década de 1930/40)! Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar...
BARBOSA: Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros. Você já percebeu que eu não permito isso, né? Foi o que aconteceu naquela ocasião.
BARBOSA: Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo? Aliás, permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?
BARBOSA: Sim.
BARBOSA: Tire as suas próprias conclusões. Tenho quase 40 anos de vida pública. Em todos os lugares em que trabalhei sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.