Até FHC, presidente do Brasil da privataria tucana, admite a necessidade da regulação da grande mídia brasileira
FHC defende a regulação dos meios de comunicação
da Carta Maior
Em um seminário promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso,
ex-presidente defendeu a regulação da mídia como condição da democracia:
"não há como regular adequadamente a democracia sem regular
adequadamente os meios de comunicãção", afirmou FHC. “Os meios de
comunicação no Brasil não trazem o outro lado. Isso não se dá por
pressão de governo, mas por uma complexidade de nossa cultura
institucional,” acrescentou.
por João Brant (*)
O título, o ambiente e o programa sugeriam que o seminário “Meios de
comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15
no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), seria um palco para a
cantilena contra a regulação do setor e de crítica feroz às iniciativas
em curso em países da região. Não foi esse o tom predominante.
Com a participação de ex-presidentes da Bolívia e do Equador e um
ex-porta voz da presidência do México, além do jornalista brasileiro
Eugênio Bucci, o debate foi marcado principalmente por duas
preocupações. De um lado, o desafio de manter um jornalismo
investigativo independente em um cenário de enfraquecimento dos meios
tradicionais. De outro, uma afirmação quase uníssona sobre a necessidade
de regulação democrática do setor, resumida pelo ex-presidente
brasileiro, presente ao evento: “não há como regular adequadamente a
democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.
Regulação em pauta
O seminário promoveu o lançamento de uma publicação conjunta do iFHC,
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática
chamada “Meios de comunicação e democracia: além do Estado e do
Mercado”. A publicação é em boa parte pautada pela discussão sobre
medidas de regulação dos meios de comunicação. O primeiro texto é de
autoria dos argentinos Guillermo Mastrini e Martin Becerra, professores
que estudam a concentração do setor na América Latina e que apoiaram a
redação da lei de comunicação audiovisual aprovada no país em 2009.
No livro, o organizador da publicação, o sociólogo Bernardo Sorj, avalia
que “generalizações sobre a América Latina mascaram realidades muito
diferentes” e que “não é demais lembrar que qualquer legislação deverá
orientar-se em primeiro lugar pelo objetivo de garantir a liberdade de
expressão dos cidadãos frente ao poder do Estado e ao poder econômico”.
Na abertura do seminário, Sorj apresentou uma leitura dos contextos
político e dos meios de comunicação e listou algumas das ações
necessárias para alterar o quadro atual. No contexto político, o
sociólogo identificou três elementos centrais: um sistema legal
precário, uma crise de representação dos partidos e das ideologias
políticas que valoriza o papel dos meios e a exigência de uma nova
regulação dos meios em função da convergência tecnológica. Em relação ao
contexto dos meios de comunicação, o sociólogo destacou a inexistência
ou baixa audiência de emissoras públicas, sistemas regulatórios
ultrapassados e nem sempre aplicados e uma tendência à concentração de
propriedade.
As propostas apresentadas por ele reforçam a necessidade de regulação do
setor privado e da ação do poder público e se assemelham em boa parte
às apresentadas por setores que defendem a democratização da
comunicação. Entre elas, o enfrentamento à concentração, o
fortalecimento do sistema público e o apoio a pequenas e médias empresas
de comunicação [ver lista completa ao final].
Crise de valores dos meios
As apresentações trouxeram abordagens complementares da relação entre
meios de comunicação e democracia. Carlos Mesa, ex-presidente boliviano,
salientou uma espiral de perda de valores que vivem os meios de
comunicação e seus dirigentes. Ele comparou a crise da mídia com a crise
do sistema financeiro, que descreveu como “uma orgia obscena do
capitalismo”. Essa crise seria fruto de uma dificuldade de se situar em
um cenário de organização da informação que tem a frivolidade como
elemento central. “A mídia é protagonista e fiscalizadora, juiz e parte.
Mas seu poder não vem acompanhado de responsabilidade”, observou.
Mesa repercutiu uma questão que atravessou todo o seminário, que é atual
dificuldade financeira para sustentar o jornalismo investigativo. O
problema, segundo ele, é que “apesar de vários meios impressos
tradicionais terem uma grande audiência na internet, essa audiência não
se transforma em recursos financeiros”. O desafio, portanto, seria
garantir ao mesmo tempo credibilidade e capacidade de infraestrutura no
novo cenário.
Conhecido por defender os interesses das elites bolivianas, Mesa não
deixou de expor suas convicções. Ao discutir a necessidade de regulação
da comunicação, o ex-presidente ressaltou que é preciso reconhecer que
pode haver diferentes tipos de regulação e criticou a reserva de
espectro realizada na Argentina, Uruguai e Bolívia. “Em meu país, um
terço das frequências de rádio e TV está reservado para povos indígenas e
originários e setores comunitários. O que eles farão com isso?”,
perguntou ironicamente.
As observações do mexicano Rubén Aguilar, ex-porta voz de Vicente Fox
(presidente entre 2000 e 2006), focaram-se mais na promiscuidade dos
meios de comunicação e do Estado em seu país. Aguilar descreveu a
relação entre as partes como sendo historicamente pautada pelas
negociações financeiras, tendo mudado pouco nas últimas décadas. “Antes o
governo pagava, agora os meios cobram”, observa Rubén.
Para ele, a marginalidade da imprensa escrita – o maior jornal da cidade
do México tem tiragem de 100 mil exemplares – concentra muito poder no
rádio e na televisão, o que se agrava pelo fato de que dois grupos
econômicos controlam a maioria dos meios eletrônicos. “Vivemos uma
situação hoje em que não há conflitos entre poder e meios de
comunicação. Isso é muito ruim para a democracia”. Aguilar também
defendeu abertamente a necessidade de regulação do setor.
A apresentação de Osvaldo Hurtado, ex-presidente do Equador, foi a única
que se centrou no discurso recorrente que identifica ameaças à
liberdade de imprensa nas ações de presidentes latino-americanos. Em sua
mira, Rafael Correa, Evo Morales, Hugo Chávez e Daniel Ortega. Hurtado,
que presidiu o Equador no início da década de 1980, focou-se
especialmente nas críticas às ações de Correa, sugerindo inclusive que a
sentença que ordenou ao jornal El Universo o pagamento de US$ 40
milhões de indenização a Correa teria sido redigida dentro do palácio
presidencial do Equador.
Problemas brasileiros
Ao tratar do caso brasileiro, o jornalista Eugênio Bucci avaliou que a
discussão no país está dificultada por duas irracionalidades: uma de
matriz de direita, que diz que nenhuma regulação é necessária; outra, de
matriz de esquerda, que defende a regulação por um desejo de censurar
os meios. Para Bucci, a regulação é necessária, especialmente para
enfrentar três gargalos: a confusão entre religião, meios e partidos; a
presença possível de monopólios e oligopólios e o abuso das verbas
dedicadas à publicidade oficial. Em sua opinião, os governos deveriam
ser proibidos de anunciar, porque as verbas “dão espaço para
proselitismo oficial com dinheiro público”.
No debate ao final das apresentações, o cientista político Sérgio Fausto
lamentou que o Brasil não tenha a cultura do debate racional e prefira a
confrontação de opiniões dogmáticas fechadas. Fausto avalia que essa
seria a dificuldade de a internet substituir o papel dos meios
tradicionais. “A democracia do acesso gera também a corrosão de valores
fundamentais sem os quais poderemos ter mais vozes e menos democracia”,
disse Fausto, que é também diretor executivo do instituto FHC.
A crítica mais contundente ao sistema de comunicações brasileiro veio do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seus comentários, FHC
criticou especialmente a ausência de pluralismo. “Os meios de
comunicação no Brasil não trazem o outro lado. Isso não se dá por
pressão de governo, mas por uma complexidade de nossa cultura
institucional”, disse FHC. “Nós temos toda a arquitetura democrática,
menos a alma”.
FHC afirmou ainda que é preciso lutar pelos mecanismos de regulação que
permitam a diversidade. Para ele, “não há como regular adequadamente a
democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.
Sumário das propostas apresentadas na introdução do livro “Meios de
comunicação e Democracia: além do Estado e do Mercado”, organizado por
Bernardo Sorj, publicado pelo Instituto FHC, Centro Eldenstein e
Plataforma Democrática:
Regulação da ação do poder público
1. A distribuição de concessões de rádio e televisão deve passar pela
criação de uma agência reguladora que aja com transparência e cujas
decisões sejam abertas ao debate e escrutínio público.
2. Garantir a autonomia dos canais ou emissoras públicas direta ou indiretamente dependentes de recurso público.
3. O uso e a distribuição da dotação pública para publicidade oficial devem ser transparentes e politicamente neutros.
4. O favorecimento de certos meios, quando realizado em nome do apoio a
pequenas e médias empresas de comunicação, deve ser realizado com
critérios transparentes e universais, abertos ao debate e ao escrutínio
público.
5. A liberdade de informação inclui a obrigação dos governos de informar.
6. Garantir o acesso público aos conteúdos sem que eles sejam
parasitados por sites comerciais e garantir a neutralidade da Rede.
Regulação do setor privado
1. Combater a concentração de propriedade dos meios privados, pela ação
de agências reguladoras autônomas do poder governamental (não confundir a
extrema concentração com a existência de grupos de mídia economicamente
sólidos).
2. Garantir a sustentabilidade do jornalismo investigativo, pela sua importância para o sistema democrático.
3. Políticas públicas para favorecer o pluralismo, com política de apoio
universal ao surgimento de novos jornais e subsídios que diminuam os
custos de entrada no setor.
4. Conscientizar a sociedade sobre a importância de ter acesso à
informação e ser capaz de realizar uma leitura crítica da informação
recebida.
(*) João Brant é radialista e integrante do Intervozes
*OPensadordaAldeia