Hobsbawn compara classe média de hoje ao operariado de 1848
Enviado por luisnassif
Por EMILIAMMM
Por Andrew Whitehead, Da BBC News
Para o historiador, é a classe média e não os operários quem impulsiona as atuais revoltas
O prestigiado historiador britânico Eric Hobsbawm comparou as
revoltas no mundo árabe em 2011 às revoluções que explodiram na Europa
no fatídico ano de 1848.
Para o historiador, é a classe média e não os operários quem impulsiona as atuais revoltas
Em entrevista à BBC, Hobsbawm ressaltou que desta vez os movimentos
de contestação são impulsionados pela classe média, e não pelo
proletariado.
"Foi uma grande alegria redescobrir que é possível que as pessoas
saiam às ruas para se manifestar e derrubar governos", disse o
historiador, que passou toda sua vida ligado às revoluções.
Hobsbawm nasceu poucos meses antes da Revolução Russa, de 1917, e foi
comunista a maior parte de sua vida, assim com um influente pensador
marxista. Um de seus livros mais conhecidos, a Era das Revoluções, que
retrata justamente as revoltas de 1848, é um clássico da historiografia.
Além de escrever sobre as revoluções, Hobsbawm também apoiou algumas
revoltas. Com mais de 90 anos, sua longa paixão pela política aparece no
título de seu mais novo livro: How to change the World (Como mudar o
mundo) e em seu enorme interesse pela Primavera Árabe.
"A verdade é que eu tenho um sentimento de excitação e alívio",
disse, ao receber a reportagem em sua casa em Hampstead Heath, bairro no
norte de Londres.
Democracias árabes?
"Me lembra 1848, outra revolução impulsionada de forma autônoma, que
começou em um país e depois se estendeu por todo um continente em pouco
tempo", diz.
"A esquerda tradicional estava orientada para um tipo de sociedade
que já não existe mais ou está deixando de existir. Acreditava-se
sobretudo no movimento operário como o grande responsável pelo futuro.
Bem, nos desindustrializamos e isso já não é possível"
Eric Hobsbawn
Naquele ano, um levante popular em Paris acabou se alastrando pela
área da atual Alemanha e Itália e pelo Império Habsburgo (hoje Áustria).
Para quem ajudou a encher a praça Tahir, no Cairo, derrubando o
regime de Hosni Mubarak, em fevereiro, e agora teme pelo destino da
revolução egípcia Hobsbawm tem uma palavra de alento.
"Dois anos após 1848, tudo parecia como se houvesse fracassado. Mas
no longo prazo não houve fracasso. Conseguiu-se uma boa quantidade de
avanços liberais. De modo que foi um fracasso imediato, mas um êxito
parcial no médio prazo, ainda que não tenha sido na forma de revolução",
diz.
Talvez com exceção da Tunísia, Hobsbawm não vê grandes possibilidades
da democracia liberal ou governos representativos ao estilo ocidental
triunfarem no mundo árabe.
O historiador ressalta ainda as diferenças entre os vários países varridos pela atual onda revolucionária.
"Estamos no meio de uma revolução, mas não de uma única revolução", diz.
"O que une (os árabes) é um descontentamento comum e forças de
mobilização comuns: uma casse média modernizadora, sobretudo jovem,
estudantes e, principalmente, uma tecnologia que permite que hoje seja
muito mais fácil mobilizar os protestos", afirma.
Indignados e 'Occupy'
A importância das redes sociais também ficou evidente em outro
movimento que marcou 2011: os protestos dos indignados e as ocupações
que ocorreram na Europa e na América do Norte.
Segundo Hobsbawm, o movimento remonta à campanha eleitora de Barack
Obama, em 2008. Na ocasião, o então candidato mobilizou com sucesso uma
juventude até então apática à política por meio da internet.
"As ocupações, em sua maioria, não foram protestos de massa, não
foram os 99% (da população), mas de estudantes e membros da
contracultura. Em momentos, isso encontro eco na opinião pública. É o
caso dos protestos contra Wall Street e as ocupações anticapitalistas",
afirma.
De todo modo, a velha esquerda, da qual Hobsbawm tomou parte, manteve-se às margens das manifestações.
"A esquerda tradicional estava orientada para um tipo de sociedade
que já não existe mais ou está deixando de existir. Acreditava-se
sobretudo no movimento operário como o grande responsável pelo futuro.
Bem, nos desindustrializamos e isso já não é possível", destaca o
historiador.
Hobsbawn lembra que houve revezes após as revoluções de 1848, mas o saldo foi positivo
"As mobilizações de massa mais efetivas hoje são aquelas que começam
em meio a uma classe média moderna e em particular em um grupo grande de
estudantes. São mais efetivos em países onde, demograficamente, os
jovens são mais numerosos", diz.
Compreender o passado
Eric Hobsbawm não espera que as revoluções árabes tenham maiores ecos
no mundo, ao menos não como uma antessala de uma revolução mais ampla.
Será mais provável, assegura, uma dinâmica que compreenda reformas
graduais do estilo das que "ocorreram na Coreia do Sul nos anos 1980,
quando uma classe média jovem passou a disputar o poder com os
militares".
Sobre o drama político que ainda se desenrola nos países árabes, o
historiador diz que vale a pena recordar o Irã de 1979, cenário da
primeira revolução que teve o Islã como elemento político.
Esse aspecto da revolução iraniana teve reflexos na Primavera Árabe.
"Quem fez concessões ao Islã sem ser religioso acabou marginalizado.
Dentre eles os reformistas, liberais e comunistas", diz, destacando
outros grupos que se somaram aos religiosos para derrubar a monarquia
iraniana alinhada ao Ocidente.
"A ideologia das massas não é a ideologia dos que começaram as manifestações", pontua.
Embora diga que a Primavera Árabe lhe tenha causado alegria, Hobsbawm
diz que o elemento religioso no movimento é "desnecessário e não
necessariamente bem-vindo".