Na guerra entre polícia e PCC, vítima é o estado de direito
Ainda vamos compreender que repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta
O governador Geraldo Alckmin tem afirmado que nas ações policiais só
morre quem reage. Seu secretário de segurança diz que há muita fantasia
sobre as atividades do PCC.
Mas com base no volume de mortes de policiais e de outras tantas
aparentes execuções no Estado, a imprensa tem retratado um verdadeiro
clima de guerra entre a PM e a facção criminosa.
No meio do tiroteio vai ficar o próprio estado de direito.
Não podemos entender como normal que policiais a nosso serviço sejam
assassinados por vingança, nem criar estruturas oficiais ou paralelas de
execução por causa disso.
Atenuar a existência de uma quadrilha organizada não faz com que o crime
diminua – o próprio PCC já foi dado como extinto outras vezes pelo
mesmo governo, sem sucesso.
Mas a violência policial também não é forma legítima para reagir a
qualquer espécie de crime – só contribui para aumentar ainda mais a
escalada da violência.
Quando o país teve por política o uso frequente de torturas e execuções
para proteger a “segurança nacional”, nós nos vimos mergulhados em uma
feroz ditadura por mais de vinte anos.
As consequências de toda violência são profundas e irreversíveis,
sobretudo para suas vítimas. Mas nenhum crime é capaz de pagar por
outro.
Membros da mesma facção criminosa já foram condenados pelo covarde
homicídio de um juiz de direito em São Paulo. Agora é a violência
policial que vai ao banco dos réus pelo bárbaro assassinato de uma juíza
no Rio de Janeiro.
O discurso conservador surfa na onda do medo criado pela alta na
criminalidade, estimulado fortemente na mídia. Mas as soluções que
propõe são justamente aquelas que produzem os resultados mais
desastrosos.
A rigidez trazida pela Lei dos Crimes Hediondos fez dobrar a população
carcerária no Estado em dez anos, sem reduzir em nada os crimes que
levaram a maior parte dos réus à cadeia.
O severo regime disciplinar diferenciado mais reforçou do que coibiu o
fortalecimento das facções – é só ver o que o era o PCC antes e depois
da criação do RDD.
A ideia recorrente de que prisão deve ser transformada em um profundo
sofrimento e mal-estar (como se atualmente fosse “um hotel cinco
estrelas”) só aprofunda a precarização da situação carcerária.
A imensa omissão do Estado na conservação dos direitos dos presos é o
grande estimulador dos comandos internos, por meio dos quais líderes
subjugam os mais fracos e vendem vantagens e proteções.
A prisionalização excessiva de jovens primários por crimes menos graves
fornece, enfim, um enorme exército de mão de obra para vitaminar as
facções. O crime organizado agradece.
Em algum momento vamos compreender que a repressão desmedida não
favorece a redução da criminalidade, só a aumenta. Que não seja tarde
demais.
Marcelo Semer*comtextolivre