Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 31, 2012

Na guerra entre polícia e PCC, vítima é o estado de direito


 

Ainda vamos compreender que repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta

O governador Geraldo Alckmin tem afirmado que nas ações policiais só morre quem reage. Seu secretário de segurança diz que há muita fantasia sobre as atividades do PCC.
Mas com base no volume de mortes de policiais e de outras tantas aparentes execuções no Estado, a imprensa tem retratado um verdadeiro clima de guerra entre a PM e a facção criminosa.
No meio do tiroteio vai ficar o próprio estado de direito.
Não podemos entender como normal que policiais a nosso serviço sejam assassinados por vingança, nem criar estruturas oficiais ou paralelas de execução por causa disso.
Atenuar a existência de uma quadrilha organizada não faz com que o crime diminua – o próprio PCC já foi dado como extinto outras vezes pelo mesmo governo, sem sucesso.
Mas a violência policial também não é forma legítima para reagir a qualquer espécie de crime – só contribui para aumentar ainda mais a escalada da violência.
Quando o país teve por política o uso frequente de torturas e execuções para proteger a “segurança nacional”, nós nos vimos mergulhados em uma feroz ditadura por mais de vinte anos.
As consequências de toda violência são profundas e irreversíveis, sobretudo para suas vítimas. Mas nenhum crime é capaz de pagar por outro.
Membros da mesma facção criminosa já foram condenados pelo covarde homicídio de um juiz de direito em São Paulo. Agora é a violência policial que vai ao banco dos réus pelo bárbaro assassinato de uma juíza no Rio de Janeiro.
O discurso conservador surfa na onda do medo criado pela alta na criminalidade, estimulado fortemente na mídia. Mas as soluções que propõe são justamente aquelas que produzem os resultados mais desastrosos.
A rigidez trazida pela Lei dos Crimes Hediondos fez dobrar a população carcerária no Estado em dez anos, sem reduzir em nada os crimes que levaram a maior parte dos réus à cadeia.
O severo regime disciplinar diferenciado mais reforçou do que coibiu o fortalecimento das facções – é só ver o que o era o PCC antes e depois da criação do RDD.
A ideia recorrente de que prisão deve ser transformada em um profundo sofrimento e mal-estar (como se atualmente fosse “um hotel cinco estrelas”) só aprofunda a precarização da situação carcerária.
A imensa omissão do Estado na conservação dos direitos dos presos é o grande estimulador dos comandos internos, por meio dos quais líderes subjugam os mais fracos e vendem vantagens e proteções.
A prisionalização excessiva de jovens primários por crimes menos graves fornece, enfim, um enorme exército de mão de obra para vitaminar as facções. O crime organizado agradece.
Em algum momento vamos compreender que a repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta. Que não seja tarde demais.
Marcelo Semer
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário