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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, outubro 31, 2012

Depoimento do servidor expulso da Câmara de Piracicaba

E o Estado laico? E a liberdade de descrença? Parlamento não é templo... Cidadão de Piracicaba é expulso da Câmara Municipal porque não se levantou em louvor durante a leitura da Bíblia 

 

Comentário ao post "Câmara de Piracicaba retira servidor durante leitura bíblica" Depoimento do cidadão que foi expulso por se recusar a ficar em pé para leitura da Bíblia na Câmara de Piracicaba.
A INTOLERÂNCIA DA CÂMARA DE PIRACICABA

No Islamismo, o culto é feito de joelhos, em direção à Meca. No Budismo, sentado, enquanto olhos e bocas permanecem fechados. Mas em outras religiões, fica-se de pé, com cantos e louvores.

Não raro, os mandamentos de uma religião são considerados pecados em outras. Algumas crenças proíbem o consumo de álcool. Em outras, como no Catolicismo, o padre, guiando-se pelo exemplo de seu Mestre, celebra a comunhão bebendo vinho. No Judaísmo, os homens são circuncidados, ou seja, cortam uma parte de seu corpo. Em outras religiões, é proibido fazer transfusão de sangue, cirurgia ou até mesmo aparar os cabelos.
Em pé, sentado, de joelhos, em silêncio, com cantos. Quem está certo e quem está errado? Mais do que isso, quem está autorizado a decidir? O padre, o rabino, o pastor? Ou o político?
No dia 29.10.12, este assunto causou lamentável episódio na Câmara de Vereadores de Piracicaba, onde as sessões são iniciadas com a leitura da Bíblia. Nessa data, quando todos os demais se levantaram para o ato, um cidadão escolheu permanecer sentado, em silêncio, de olhos fechados, sem se mover. Por que terá feito isso? Quem será ele? O que será que ele pensa? Qual será sua religião?
Seria um budista que, diante da evocação de Deus, entrou em oração, conforme os mandamentos de sua crença? Seria um muçulmano, que percebeu que todos estavam de costas para a Meca? Seria um judeu, um espírita, um protestante? Seria, um católico, que, como as pessoas que cercavam Jesus durante o Discurso da Montanha ou na Última Ceia, ouviram as Palavras de Deus sentados e quis manter-se na mesma posição em que hoje Jesus, também sentado, está ao lado de seu Pai? Seria, quiçá, um ateu, que, mesmo não querendo participar do ato, permaneceu, com respeito e amor ao seu próximo, em silêncio sem incomodar o louvor de todos os outros?
Ninguém soube, pois ele sequer teve oportunidade de permanecer no recinto. Por ordem do Excelentíssimo Presidente da Câmara, homens da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar ali presentes o expulsaram da chamada Casa do Povo. Será que para esta Casa, povo é apenas o cidadão que tem religião? Mais do que isso, cuja religião cultua Jesus mas não reconhece Maomé, Buda e outras figuras sagradas? Mais ainda, que admite apenas uma forma de cultuar Jesus ou Deus, vale dizer, a sua, de pé?
Na Alemanha Nazista, judeu não podia ficar. Com sorte, era expulso do país; sem sorte, era morto. Será que poderá ficar na Câmara de Piracicaba? Se se submeter à fé alheia, é possível que sim.
Na palestina, duas pessoas podem ser amigas, sócias, colegas de trabalho, marido e esposa, pai e filho. Desde que tenham a mesma religião; do contrário, é comum não tolerarem sequer pisar a mesma calçada.
Gandhi, nascido na Índia e sem renunciar à sua cidadania inglesa, liderou a libertação de sua pátria do domínio britânico sem nunca ter posto a mão em uma arma ou permitido que qualquer de seus seguidores o fizesse. Após alcançar a liberdade de sua terra mãe, pagou caro pelo sonho de um único país para hindus e muçulmanos. Foi assassinado por questão religiosas, que tiraram da Índia o território que deu origem ao Paquistão, e da humanidade, aquele que ficou conhecido como o Mahatma, ou A Grande Alma.
Quando uma pessoa agride outra, seja lá por qual forma for, considera-se que houve uma violência, uma injustiça. Quando a agressão é feita com uso de meios que só uma das partes têm, a violência ganha requinte de covardia. O Excelentíssimo presidente da Câmara, por quem sempre terei incondicional respeito, mandou expulsar-me alegando que a regra estava prevista no regimento da Casa. Regimento que somente ele, por ser vereador, mas não eu ou qualquer outro cidadão, pode criar e modificar. Ou seja, a violência religiosa que sofri foi praticada com base em instrumento que só ele tem. Foi praticada contrariando a Constituição Federal e a Lei de Improbidade Administrativa, na frente de todos, na presença da imprensa, com transmissão ao vivo por rádio e televisão.
São reflexos deste nosso tempo, em que religião é praticada em parlamentos e política é feita em templos, como se nunca tivesse existido a passagem bíblica que diz dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!
Já participei de cultos das mais diversas religiões. Jamais um ato meu atrapalhou qualquer desses eventos, mesmo que eu não concordasse com nada do que via, pois considero que a tolerância e o respeito às diferenças são não só fundamentais para a construção de uma sociedade livre e pacífica, como também uma grande oportunidade de se aprender com o próximo e, quem sabe, ser retirado do erro. E se algum vez, mesmo que na luta por meus direitos, uma só conduta minha for indigna desta cidade, humildemente me retratarei e reverterei a injustiça que tiver praticado, nem que isso exija minha despedida. Por que, então, impedem que eu, em paz e com repeito, permaneça da forma que me parece mais adequado às minhas crenças?
Tenho o mais absoluto respeito pela opção religiosa de cada pessoa, mesmo que com ela não concorde. Gostaria de receber igual tratamento dos demais. Não é esse o mandamento? 'ama o teu próximo como a ti mesmo'?
Em futuras sessões da Câmara Municipal de Piracicaba, é possível que outras pessoas professem sua fé da maneira que lhe parecer mais adequado à sua crença. Ou, talvez, alguém prefira não participar de qualquer manifestação religiosa. Desde que todos sejam respeitados, a mim isso não representará incômodo. Porém, seu Presidente alega que o Regimento proíbe excluir-se das práticas religiosas escolhidas por esta Casa. Sua Excelência terá que escolher lealdade à norma que ele e seus pares podem modificar, ou à Constituição Federal, à Lei de Improbidade Administrativa, à Declaração Universal dos Direitos dos Homens e do Cidadão, à Convenção Interamericana de Direitos Humanos e, mais do que isso, ao respeito que, como cidadão e como cristão, deve a seu próximo. O destino desse Presidente está nas mãos de cada integrante desta Câmara, que por mim serão sempre respeitados.
Se não estão erradas as informações que recebi, soube que alguns vereadores discordam da postura adotada por Sua Excelência e foram, na sessão, exortados por seus pares. Aos dissidentes, minha solidariedade. A todos, o meu incondicional respeito.
Eu poderia ter inciado este texto falando sobre minha fé. Mas se ela contrariasse a sua, você teria lido até o fim?

Régis B Montero

*Nassif

Câmara de Piracicaba mantém a sua intolerância religiosa

Robson Soares
O diretor Soares parece mandar
mais que o presidente da Câmara
Em tom de desafio, Robson Soares (foto), diretor jurídico da Câmara de Vereadores de Piracicaba (SP), afirmou que aquela Casa vai continuar exigindo que, durante as sessões, as pessoas fiquem de pé durante a leitura de um trecho da Bíblia.

Na segunda-feira (29), em uma demonstração de intolerância religiosa, João Manuel dos Santos (PTB), presidente da Câmara, expulsou o servidor público Regis Montero, que se recusou a ficar de pé quando outro vereador lia a Bíblia, em um episódio que repercutiu em todo o país.


Santos disse que a leitura da Bíblia está no artigo 21 do regimento interno, mas não há nenhuma determinação sobre a postura em que as pessoas devem ouvi-la. A expulsão foi, portanto, uma arbitrariedade.


Além disso, o referido artigo é inconstitucional, segundo Max Fernando Pavanello, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba. “A Constituição Federal garante liberdade de religião e crença, sendo que ninguém pode ter direito cerceado (assistir à sessão camarária) por conta da fé que professa, bem como ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, senão em virtude de lei”, disse.


Pavanello argumentou que nem pastores ou padres obrigam os fiéis a ficarem de pé para a leitura da Bíblia e que ninguém é expulso do templo por ficar sentado.


O vereador Santos, depois de afirmar que estava seguindo o regimento interno, tem evitado a imprensa, mas Soares, seu subordinado, tem feito afirmações contundentes, como se fosse ele quem na verdade manda na Câmara.


Montero já assistiu a outras sessões da Câmara e se manteve sentado durante a leitura bíblica, o que, disse, não significa ato de repúdio. “Tenho absoluto respeito pela opção religiosa de cada um”, afirmou. “Só questionei porque estava sendo retirado [do plenário], já que não está no regimento que devo ficar em pé.”


Ele ainda não decidiu se vai recorrer à Justiça contra a intolerância religiosa do vereador Santos, a qual foi  corroborada pelo diretor jurídico Soares em mais de uma ocasião.


Com informação do Jornal de Piracicaba e foto do site da Câmara.


Vereador expulsa servidor por desrespeito à leitura da Bíblia.

outubro de 2012


Religião no Estado laico.
   Intolerância religiosa no Brasil.

Leia mais em http://www.paulopes.com.br/#ixzz2AuicP5ry
Paulopes

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