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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, outubro 20, 2012

Precisamos regulamentar imprensa no Brasil, diz Lula

 


O ex-presidente Lula visita a presidente argentina, Cristina Kirchner, no Palácio do Governo, em Buenos Aires, nesta quarta-feira (17)
Juani Roncoroni/Estadão
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está na Argentina, onde cumpre intensa agenda política: almoçou com a presidenta Cristina Kirchner, na quarta (17), e participa, nesta quinta (18), de um congresso empresarial. Em entrevista ao jornal La Nación, ecoando o amplo debate a respeito da entrada em vigor da Lei dos Meios naquele país, Lula foi taxativo ao avaliar a situação do Brasil: “aqui precisamos instalar uma discussão política sobre um novo marco regulatório da comunicação”
Lula também falou sobre o menor crescimento econômico do Brasil neste ano e destacou a necessidade de uma reformulação no FMI e nos organismos internacionais como a ONU. Com relação ao polêmico julgamento do “mensalão” e a possibilidade de ele também ser julgado, é categórico: “eu já fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário. Um presidente com oito anos de mandato sair com 87% de aprovação é um tremendo julgamento”.
Relações internacionais
O fato de querermos fazer uma reforma nas instituições multilaterais não depende da crise. A crise apenas agravou este debate. O Brasil, há pelo menos 15 anos luta para que a ONU seja reformada, e que tenha uma representação do mundo geográfico correspondente a 2012 e ao século 21 e não que represente o mundo de 1948. Não há explicação para que apenas cinco países tenham o controle dos assuntos mais importantes do mundo, sem que haja um representante da América Latina, da África, sem um país de 1 bilhão de habitantes como a Índia ou mesmo a Alemanha. Queremos que a ONU e o Conselho de Segurança sejam representativos da realidade de hoje, e não do passado.
O FMI também tem que ser reformado para que possa funcionar como um banco que possa ajudar os países em crise e não como um banco para fazer pressão nas economias dos países pobres. Na crise atual dos Estados Unidos e Europa, o FMI não sabe o que fazer. Ninguém sequer quer escutar o FMI! É como se não servisse para nada! Dá a impressão de que foi criado para Argentina, Brasil, Bolívia ou México e não para a Alemanha nem Grécia. É por isso que nós queremos fazer um debate.
Irã
Vejamos o caso do Irã. Todos os dias vejo notícias que dizem que o Irã quer construir uma bomba atômica. Eu não acredito nisso. Eu desejo para o Irã o mesmo que desejo para o Brasil: utilizar a energia nuclear para fins pacíficos. E com esta ideia eu fui ao Irã. Os membros do Conselho de Segurança nunca tinham conversado com [Mahmoud] Ahmadinejad. A política foi terceirizada, colocam assessores para conversar e os presidentes nunca conversam. E quando eu disse que ia conversar com Ahmadinejad para que ele se comprometesse a aceitar as regras que eram impostas pela AIEA, disseram que era ingênuo. Fomos ao Irã, estivemos dois dias juntos com a Turquia, e conseguimos que o Irã se comprometesse com o que os norte-americanos e a União Europeia queriam. Para a minha surpresa, quando Ahmadinejad aceitou e nós apresentamos um documento assinado, o que aconteceu? Sancionaram o Irã. Por que? Porque não era aceitável que um país do terceiro mundo tivesse conseguido o que eles não conseguiram.
Chávez
É necessário analisar a Venezuela não em comparação com o Brasil ou Argentina, nem com a Europa. Tem que analisar a Venezuela de Chávez em comparação com a Venezuela antes de Chávez. E melhorou muito a Venezuela. O povo pobre ganhou dignidade. A América do Sul ganhou muito com o Chávez. Porque antes até os vasos sanitários eram importados dos Estados Unidos. Hoje importa de outros países: Brasil, Argentina… Venezuela começou a olhar a América Latina e por isso defendi a entrada da Venezuela no Mercosul. Pela importância estratégica da Venezuela, é uma das maiores reservas de petróleo do mundo e de gás, tem um potencial energético extraordinário. Nós precisamos, enquanto Unasul, discutir como nos tornar sócios dessa riqueza que temos. Por isso penso que Chávez foi importante para a Venezuela. (…) Com a minha chegada ao poder, a de Kirchner, de Chávez, de Evo Morales, foi que as pessoas começaram a perceber que gostamos de nossos países, que começamos a ver nossos países a partir de nossa própria realidade. Isso mudou. Quando cheguei ao governo, a relação comercial entre Brasil e Argentina era de US$ 7 bilhões. No ano passado, foi US$ 40 bilhões.
Meios de comunicação
Eu penso que poucos líderes políticos do mundo foram e são tão criticados pela imprensa como eu. No entanto, não reclamo. Eu nunca tive a imprensa a meu favor, e não é por isso que deixei de ser presidente com a maior aprovação de meu país. Me parece que devemos acreditar na sabedoria dos leitores, dos ouvintes de rádio e dos telespectadores. Eles saberão julgar os valores do comportamento de um político, e também do comportamento da imprensa.
Acredito que no Brasil precisamos instalar uma discussão política sobre um novo marco regulatório da comunicação. A última regulação é de 1962, não há nenhuma explicação para que no século 21 tenhamos a mesma regulação que em 1962, quando não havia telefones celulares, nem internet. A evolução que teve nas telecomunicações não está regulada. Essa briga existe na Argentina, na Venezuela, no México, onde Ricardo Salinas e Slim estão em guerra todo santo dia. E no Brasil preparamos uma conferência nacional – na qual participaram partidos, meios de comunicação, telefonia – e elaboramos uma proposta de regulação, que precisa ser discutida com a sociedade. Não há modelo definitivo, não há o modelo de O Globo, da Folha, de Lula ou de Dilma, isso não existe. Então vamos começar uma discussão com a sociedade para saber o que é o mais importante para que os meios de comunicação sejam cada vez mais retransmissores de conhecimento, de informação, cada vez mais livres e sem ingerência do governo.
Mercosul
Penso que o que fizemos na América do Sul já é muito. O problema é que éramos países com uma cultura colonizada, com uma mente colonizada. Fomos doutrinados para que nos víssemos como adversários, como inimigos e os amigos estavam no Norte. Quando na verdade, não tem que ter inimigos nem no Norte, nem aqui, temos que construir o que for bom para Argentina e Brasil. Lembro que há muito tempo realizamos reuniões onde muitos países diziam que o Mercosul já não interessava, que o Mercosul tinha acabado, e que havia que implementar a Alca. Hoje, nem o governo norte-americano fala da Alca. Sequer eles.
Mensalão
Não me manifesto sobre esse processo, primeiro porque naquela época eu era presidente da República e creio que um ex-presidente não pode opinar sobre a Suprema Corte. Principalmente quando o processo está em desenvolvimento. Vamos esperar que termine o processo e então com certeza poderei emitir minha opinião.
Eu já fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário. Um presidente com oito anos de mandato sair com 87% de aprovação é um tremendo julgamento e não me preocupo com nada. Cada poder: Executivo, Legislativo ou Judiciário, tem suas próprias responsabilidades e cada um deve cumprir com a mesma.
Economia
Sejamos sinceros. Há uma desaceleração econômica promovida pelo próprio governo. Obviamente há problemas com a crise econômica, mas acontece que em 2010 nós crescemos muito, o consumo era exageradamente alto e era necessário diminuir um pouco esse ímpeto da economia. Essa redução do governo também foi afetada pela crise internacional. Houve uma diminuição das exportações. As exportações da Argentina caíram quase 20%, houve uma diminuição importante, e no nível mundial a diminuição foi somente 6%. Era necessário controlar a inflação. As informações que tenho da Presidência e do ministro da Fazenda é que a inflação está controlada e para o próximo ano, Brasil voltará a crescer mais ou menos 4,5%.
Volta à presidência
Um político não pode nunca descartar [esta hipótese]. O problema é que cada vez que fazem esta pergunta... se eu digo que não o descarto, a imprensa diz: “Lula admite que será candidato”. Se eu digo o contrário, dizem “Lula nunca mais será presidente”. Eu sou um político, e creio que já cumpri minha parte. Toda a minha vida tive vontade de provar que era capaz de fazer o que eu reivindicava, e creio que conseguimos fazer muito mais. Hoje, o principal legado que deixamos para a sociedade brasileira, além dos 40 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, além do aumento do salário mínimo, dos 17 milhões de empregos formais criados, o principal legado é a relação entre o Estado e a sociedade. Realizamos 73 conferências nacionais. As principais políticas de meu governo foram decididas em plenários, onde havia debates no âmbito municipal, estadual e nacional. Eram políticas de todas as áreas, tudo foi discutido. Queria provar a mim mesmo que um governante nunca, em hipótese alguma, deve ter medo de conversar com a sociedade. Não podemos ver em cada pessoa que nos cerca na rua um inimigo. Porque muitas vezes temos que nos perguntar por que é inimigo agora se votou em mim.
Integração
Sonho com a integração da América Latina. A integração não é um discurso, deve transformar-se em um ato cotidiano de cada cidadão e de cada governante. E ainda nos resta muito por fazer.
Da Redação do Vermelho,
Vanessa Silva
*GilsonSampaio

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