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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 22, 2012

A CPMI de Cachoeira e o papel da mídia


 

Gutenberg e a impressora/ renaissanceconnection.org
por Luis NassifO papel moderno da imprensa, no mundo, tem dois divisores de água.

O primeiro, legítimo, o episódio Watergate, no qual um jornal (The Washington Post), com um jornalismo rigoroso e corajoso, logrou derrubar o presidente da República da maior Nação democrática do planeta.

O segundo, tenebroso, o processo ao qual foi submetido o magnata da mídia, Rupert Murdoch, depois de revelados os métodos criminosos do seu tabloide, "The Sun", para obter reportagens sensacionalistas.

O crime do The Sun foi ter se envolvido com baixos e médios escalões da polícia para atentar contra o direito à privacidade de cidadãos ingleses.

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O relatório da CPMI de Cachoeira, traz dados muito mais graves do que os crimes do "The Sun". Mostra ligações diretas entre jornalistas e o crime organizado.

A acusação maior é contra a revista Veja e seu diretor em Brasília, Policarpo Jr. O relatório mostra, com abundância de detalhes, como Policarpo era acionado para derrubar autoridades e servidores públicos que incomodassem Carlinhos Cachoeira, atacar concorrentes do marginal e como encomendava dossiês a ele, muitos obtidos por métodos criminosos.

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Já em 2008, a série "O caso de Veja" - que publiquei na Internet - mostrava os resultados dessa parceria.

Um esquema aliado de Cachoeira havia sido afastado dos Correios pelo esquema Roberto Jefferson. Jairo (o araponga de Cachoeira) armou um grampo em cima de um diretor, Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil. A gravação foi entregue a Policarpo, que a considerou insuficiente. Providenciou-se outra gravação, aprovada por Policarpo.

Divulgado o grampo, caiu toda a estrutura montada por Jefferson e entrou a de Cachoeira. Veja compactuou com o novo grupo, mesmo sendo Policarpo conhecedor íntimo do esquema criminoso por trás dele.

Dois anos depois, a Polícia Federal implodiu o novo esquema. E a revista manteve-se em silêncio, preservando Cachoeira.

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Nos estudos sobre as chamadas OrgCrim (organizações criminosas), em nível global, identificam-se braços nos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e também na mídia. O relatório descreve bem as funções da organização de Cachoeira no país.

Cachoeira ajudou a eleger o ex-senador Demóstenes Torres. Veja transformou-o em uma figura política poderosa, com sucessivas matérias apontando-o como o paladino da luta contra a corrupção. Com o poder que se viu revestido por Veja, Demóstenes transitava em repartições, junto a Ministros do Supremo, aumentando o poder de lobby da quadrilha de Cachoeira.

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Veja é um ponto fora da curva no jornalismo brasileiro. Mas não ficou sozinha nessa parceria com o crime.

Um levantamento sobre as premiações do jornalismo investigativo nas últimas décadas vai revelar como fontes, em muitos casos, lobistas e criminosos da pior espécie.

Não apenas isso. Poderiam ser utilizados como fonte e suas informações servirem de ponto de partida para investigações mais aprofundadas. Mas eram utilizadas a seco, sem passar sequer pelo teste da verossimilhança, sem nenhum filtro, fuzilando reputações e, principalmente, atentando contra o próprio exercício do jornalismo.
*Tecedora

quarta-feira, novembro 21, 2012

Vida Mas Allá de la Vida

Coisas do Judiciário: Cachoeira é condenado, mas ficará em liberdade



Quem estava imaginando que o Judiciário brasileiro havia entrado em uma era de "tolerância zero" com escândalos de corrupção, após o julgamento do chamado "mensalão" – uma vez que até deduções valeram para substituir provas – acorda nesta quarta-feira (21) diante da velha impunidade, quando o escândalo envolve um governador tucano. Leia mais aqui
*osamigosdopresidentelula

Odair poupa Globo,
Gurgel e Robert(o)

Para compensar, indicia Policarpo.

O relator da CPI do Robert(o) Civita deu um furo ao jornal nacional.

Recomendou que o Conselho do Ministério Público, devidamente blindado – clique aqui para ler o Mauricio Dias – , faça um carinho no brindeiro Gurgel.

Clique aqui para ver quem são os blindeiros do brindeiro.

Outra gentileza do relator foi poupar a Globo de um indiciamento.

O chefe de operações da revista Época em Brasília, apropriadamente defenestrado, mantinha relações promíscuas com Carlinhos Cachoeira.

Se Odair Cunha fosse candidato a Governador de Minas, o relatório teria sido impecável.

Pergunta: de quem foi a ideia de preferir o Odair ao Vaccarezza ?


Saiu no Globo:

Relatório da CPI do Cachoeira pede indiciamento de 30 pessoas



BRASÍLIA – O relatório final da CPI do Cachoeira, de autoria do deputado Odair Cunha (PT-MG), divulgado nesta quarta-feira, pede o indiciamento de 30 pessoas, entre elas o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o ex-presidente da construtora Delta, Fernando Cavendish, a mulher e a ex-mulher do bicheiro, Andressa Soares e Andréa Aprígio. O relator livrou o governado do Distrito Federal, Agnelo Queroz, por “falta de elementos”, mas pediu a responsabilização do governador tucano Marconi Perillo (GO).

O documento pede ainda a manutenção da prisão do bicheiro, alegando que “solto e de posse de um patrimônio invejável e ainda oculto, Carlos Cachoeira rapidamente restabelecerá suas atividades e seus contatos, reativando a organização criminosa e agindo para assegurar a impunidade de suas condutas e o êxito dos ilícitos que perpetrou”. Cachoeira foi solto ontem após ser condenado.

Perillo é apontado como colaborador do esquema criminoso, nos delitos de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de influência e falso testemunho. “O governador Marconi Perillo também incorreu, com suas condutas e colaborações com o grupo criminoso”, afirma o documento. Apesar disso, não foi pedido o indiciamento do governador de Goiás.

Sobre Agnelo, o texto afirma que “não existem elementos que possam veicular a pessoa do Governador Agnelo Queiroz com a organização criminosa liderada por Carlos Cachoeira”, após realização da investigação.

O relatório da CPI pede o indiciamento de Fernando Cavendish pelos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O documento pede que as conclusões sejam entregues à Polícia Federal, à Receita Federal, ao Ministérios Públicos de todos os Estados em que a empresa Delta atua e ao Ministério Público Federal, incluindo dados dos sigilos fiscal, bancário e telefônico da empresa.

“Recomendamos ainda que o Ministério Público e a Receita Federal promovam investigações sobre a conduta de todos os diretores da empresa Delta e suas afiliadas, especialmente em face das pessoas de Carlos Roberto Duque Pacheco e Heraldo Puccini Neto (diretores da Delta)”.

Três deputados que foram citados durante a CPI por terem relações com Cachoeira – Stephan Nercessian (sem partido-RJ), Carlos Alberto Lereia (PSDB-GP) e Sandes Júnior (PP-GO) – não tiveram o indiciamento pedido. O documento afirma que Stephan não teve o envolvimento comprovado com o grupo de Cachoeira, e pede apenas a responsabilização de Leréia. Sobre Sandes Júnior, o relatório pede que o que foi produzido pela CPI sobre ele seja encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde já corre processo que o envolve.

O documento, com mais de 5 mil páginas, está disponível no site do Senado.

Veja a lista das pessoas que tiveram o indiciamento recomendado pelo relatório da CPI:

1. Edvaldo Cardoso de Paula

2. Eliane Gonçalves Pinheiro

3. Lúcio Fiúza Gouthier

4. Marcello de Oliveira Lopes.

5. José Carlos Feitosa (Zunga).

6. Joaquim Gomes Thomé Neto

7. Jairo Martins de Souza.

8. Rodrigo Jardim do Amaral Mello.

9. José Raimundo Santos Lima.

10. Marco Aurélio Bezerra da Rocha.

11. Santana da Silva Gomes.

12. Elias Vaz de Andrade

13. Fernando de Almeida Cunha

14. Wladimir Garcez Henrique

15. Gleyb Ferreira da Cruz.

16. Geovani Pereira da Silva.

17. Lenine Araújo de Souza.

18. Adriano Aprígio de Souza.

19. Idalberto Matias de Araújo.

20. André Teixeira Jorge

21. Leide Ferreira Cruz.

22. Andressa Alves Mendonça de Moraes

23. Andréa Aprígio de Souza

24. Cláudio Dias Abreu.

25. Rossini Aires Guimarães.

26. Fernando Antônio Cavendish Soares

27. Antônio Pires Perillo

28. Rubmaier Ferreira de Carvalho

29. Carlos Cachoeira

30. Policarpo Júnior


Não se aguenta de tanto rir: foram-se os aneis e ficaram os dedos

Genoino diz ter Constituição e votos a seu lado para assumir vaga de deputado


A mais terrível de nossas heranças – Darcy Ribeiro

(Escravo sendo castigado, de Debret)
Este texto é para quem não percebe a importância das cotas, das políticas de ação afirmativa, para reparar uma injustiça histórica. Às vezes penso que muitas pessoas não têm noção do que significa para um ser humano ser escravizado. As marcas que isso deixou, os traumas, e inclusive a absurda desvantagem em termos de ocupar um lugar digno na sociedade. Darcy Ribeiro explica.
***
Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o corpo e o tumbeiro. Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, no lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e nos punhos, era arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia todos os dias do ano. No domingo, podia cultivar uma rocinha, devorar faminto a parca e porca ração de bicho com que restaurava sua capacidade de trabalhar, no dia seguinte, até à exaustão.
Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos –, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas para trabalhar atento e tenso. Semanalmente, vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilação de dedos, do furo de seio, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob 300 chicotadas de uma vez, para matar, ou 50 chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso.
Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida através de séculos sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós, brasileiros, somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal que também somos. Descendentes de escravos e senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária.
(Do livro “O povo brasileiro”, editora Companhia das Letras, 1995)
Publicado em 14 de outubro de 2012
*Gilsonsampaio

"É a sociedade que deve regular o mercado, não o contrário"

 

Via Rebelion
“Tínhamos suspeitas, e elas se confirmaram. Comprovamos que barbaridades tinham sido feitas, tanto na contratação como na renegociação da dívida, em benefício do capital financeiro. O país ficou espantado. Isso estaria ocorrendo em todos os países do mundo”.
“Em muito pouco tempo, todos esses banqueiros apareceram com seus papéizinhos. Agora estamos liberados, nossa dívida é insignificante, 14% do PIB, algo administrável. Para colocar em números redondos, antes utilizávamos 3 bilhões de dólares para os juros da dívida, e 1 bilhão de dólares em saúde, educação, inclusão social ou moradia. Depois de poucos anos, foram 3 bilhões para o social e 1 bilhão para a dívida”.
Entrevista com Ricardo Patiño, chanceler do Equador
Alberto Pradilla
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
Gara
Nascido em 1954 em Guayaquil, o economista Ricardo Patiño é um dos homens fortes do governo equatoriano presidido por Rafael Correa. Em 2007, depois de ganhar as eleições, o acompannhou como Ministro da Economia, transformando-se em um dos impulsores da renegociação da dívida. Agora, encarrega-se das relações exteriores do país latino-americano.
Depois de participar da Cume Iberoamericana celebrada no final de semana em Cádiz, Ricardo Patiño acompanhou Rafael Correa em um ato com imigrantes equatorianos, celebrado em Madri. O chanceler mostra-se cauteloso e respeitoso com a cortesia diplomática na hora de "dar conselhos". Contudo, não oculta sua satisfação pelos resultados de uma política econômica que tem conseguido grandes avanços partindo de uma auditoria sobre sua dívida externa.
Em um contexto de crise internacional, a economia equatoriana cresce 8%, enquanto coloca em prática políticas baseadas na redistribuição das riquezas. Ela se transformou em uma alternativa a um modelo caduco?
As políticas neoliberais foram um rotundo fracasso na América Latina. Esse rotundo fracasso nos despertou. Este é o século do despertar na América Latina, depois de terem nos feito tantos estragos. Não eram somente as políticas, mas também seus representantes, que fundamentalmente eram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Encontramos outra saída no caminho oposto, baseado na definição de políticas públicas, na recuperação do papel do Estado, na ação coletiva e na compreensão de que o mercado não pode ser o amo da sociedade.
As receitas de austeridade e domínio dos mercados estão sendo aplicadas a varrer na Europa. Contudo, vocês romperam com o o FMI e com o Banco Mundial.
O mercado é uma realidade, ninguém nega isso, mas não pode ser que ele mande na socieade. É a sociedade que deve regulá-lo. Essa é a compreensão diferente do funcionamento da sociedade e do papel do Estado que estamos aplicando na América Latina com tanto êxito. Uma das decisões mais importantes que tomamos para conseguir o crescimento econômico e a justiça social nos quais estamos avançando, foi desvincular-nos da ação e da influência absolutamente desastrosa do FMI e do Banco Mundial. Eu era ministro da Economia e, inclusive, antes de começar a governar, vieram procurar-me. Depois das chantagens terríveis que eu já esperava, disse-lhes "vão embora por essa porta, que não queremos falar com vocês". Deviamo-lhes 15 milhões de dólares, e os pagamos antecipadamente, para sequer ter que vê-los, e o FMI nunca mais voltou ao nosso país. Vocês não imaginam como somos livres agora. Mais tarde, o presidente expulsou o representante do Banco Mundial. Também não podem imaginar o bom que foi para nós o fato de que eles já não estejam nos prejudicando e interferindo na definição de nossas políticas econômicas. Recuperamos o controle dos recursos naturais, renegociamos uma parte muito importante de nossa dívida externa, estamos otimizando os recursos que já dispunhamos, apesar de nos quererem convencer de que não os tínhamos, e que se necessitavam dívidas e investimentos estrangeiros de qualquer tipo. Cobramos nossos impostos, por que já não é a oligarquia a que manda, mas sim representantes do povo. Não temos nenhum banqueiro manejando a rota monetária ou ao Banco Central. Essa liberdade, com a qual estamos atuando, tem nos permitido investimentos públicos. E a temos dedicado à infraestrutura, às obras sociais e às políticas de inclusão. Isso também permitiu que tenhamos uma economia em crescimento. Ainda é frágil, e ainda não está suficientemente consolidada, mas está no rumo do crescimento, tanto sob o ponto de vista quantitativo,  como ao reduzir os péssimos indicadores sociais que tínhamos.
Você mencionou a questão da dívida. Atualmente, trata-se de um elemento que está afogando a economia do Estado espanhol. Pôde aproveitar a Cume para dar algum conselho a Madri?
Não podemos dar conselhos, mas sim temos comentado o que fazemos, por que pode ser que essa experiência sirva para qualquer outro governo. Nós realizamos uma auditoria da dívida externa, por que o endividamento, ao menos no caso da América Latina, era absolutamente ilegítimo. Tampouco era visível, por que os contratos eram secretos. Existe um terror em relação ao sistema financeiro internacional, e tínhamos que nos libertar. Nós, um país pequeno, mas digno, fizemos a auditoria. Tínhamos suspeitas, e elas se confirmaram. Comprovamos que barbaridades tinham sido feitas, tanto na contratação como na renegociação da dívida, em benefício do capital financeiro. O país ficou espantado. Isso estaria ocorrendo em todos os países do mundo.
Qual foi a resposta dos bancos? Na Europa, espalhou-se a imagem de que não existe saída fora das obrigações da dívida e das políticas de austeridade.
Tomar essa medida também exigia valentia, por que se você descobre alguma coisa, tem que agir, tal como o fez Corrêa, que anunciou que não continuaria pagando. Depois de analisar as circunstâncias, disse: "estou disposto a recomprar esses papéis ilegítimos por até 35%. Os que me venderem esses papéis por abaixo de 35%, eu os compro". Também não podemos deixar de reconhecer que o país tinha certa responsabilidade. Em muito pouco tempo, todos esses banqueiros apareceram com seus papéizinhos. Agora estamos liberados, nossa dívida é insignificante, 14% do PIB, algo administrável. Para colocar em números redondos, antes utilizávamos 3 bilhões de dólares para os juros da dívida, e 1 bilhão de dólares em saúde, educação, inclusão social ou moradia. Depois de poucos anos, foram 3 bilhões para o social e 1 bilhão para a dívida.
Muitos de seus compatriotas que vieram ao Estado espanhol para buscar trabalho se viram assediados pelos despejos e pelas hipotecas. Como avalia as reformas do governo espanhol?
Temos que respeitar a livre determinação do governo espanhol e reconhecemos que é um passo positivo, embora não seja suficiente. As decisões que temos tomado em nosso país colocam o ser humano acima do capital. No Equador, a lei também dizia que se a garantia (a casa) não cobrisse o valor do empréstimo, o equatoriano tinha que continuar pagando. Mudamos a lei. As pessoas devem poder continuar morando em suas casas. Elas não podem ser culpadas por perder o emprego, nem pela crise financeira, nem pela bolha imobiliária. Elas não devem pagar as consequências. Se, em algum momento o capital tiver que pagar pela crise, então que o faça.
Em fevereiro ocorrem eleições presidenciais. Que efeitos elas terão no futuro político do país e no processo de integração da América Latina?
A integração latino-americana vai por um bom caminho. Não digo que ele seja fácil. Ainda há muito colonialismo ideológico, muita vassalagem intelectual, ainda que ele seja visto com muito potencial. Temos entendido que ele deve ir acima das diferenças políticas, que existem. Contudo, o fato de que haja muitos governos progressistas é favorável, já que estes tem maior vontade de integração. Sobre nossas eleições, o povo equatoriano tem nas suas mãos decidir se continuamos com o processo de transformação revolucionária ou se vamos por outro caminho. Se o povo decidir tornar a votar no presidente Corrêa, com certeza vamos radicalizar o processo, por que não demos ainda todos os passos para conseguir uma sociedade de justiça e de progresso, além de continuar fortalecendo o processo de integração.
“Assange já está há cinco meses em condições desumanas”
A decisão do governo do Equador de outorgar o asilo ao fundador de Wikileaks, Julian Assange, tem motivao os desentendimentos com a Grã-Bretanha, que se nega a dar o salvo-conduto para que este abandone a embaixada em Londres. Continuama negociando? Em que situação se encontra o conflito?
Continuamos dialogando. Em setembro tivemos uma reunião com o chanceler britânico em Nova Iorque, na qual nos entregaram sua resposta à nossa solicitação de salvo-conduto. Essa resposta certamente não nos satisfez, e por isso respondemos juridicamente, justificando plenamente os fundamentos de nossa decisão e explicando que não somente há razões baseadas no direito e nas convenções internacionais para o asilo, mas também humanitárias. Quando se elaborou a Declaração dos Direitos Humanos, foi o governo britânico que insistiu na fórmula “todo o ser humano tem o direito de solicitar e desfrutar do asilo”, e venceram. Agora, que cumpram isso.
Como se encontra Assange atualmente? Já se passaram cinco meses desde que foi acolhido na embaixada.
O senhor Assange está sofrendo com o asilo e lamentamos que seja assim. Já está há cinco meses vivendo em condições absolutamente desumanas. Isso é uma tortura, e não está demonstrado que tenha cometido algum delito. Outra coisa seria se tivesse deliquido, mas a única coisa que há contra ele é o início de um processo, mas que ainda não começou a andar. Seu direito a uma vida digna, ao asilo e a viver com sua família está sendo conjurado pela decisão lamentável do governo britânico de não conceder o salvo-conduto. Essa situação é muito grave, e quando mais tempo se passar, mas grave poderá ficar. Os direitos humanos estão sendo violados, e isso não é justo nem legal. Através do embaixador britânico, que recentemente solicitou suas credenciais, tornei a pedir uma reunião com William Hague para voltar a falar do assunto. A situação pode agravar-se a qualquer momento. O que vamos fazer então? Por isso, quero insistir ao Governo britânico, cordial mas firmemente, que é necessário que reconsiderem sua posição.
*GilsonSampaio

O BRASIL E A ESPANHA - A LISONJA E A CAUTELA

 

“A Presidente salvou a cúpula de Cádiz do malogro, mas o Brasil, como nação e seus interesses com relação à interação continental, foi golpeado, com uma conferência, dentro do evento,  patrocinada pela Espanha, da Aliança do Pacífico,        organização fomentada  pelo México com a intenção de “rachar” diplomaticamente a América do Sul, e que reúne a Colômbia, o Chile e o Peru, na tentativa de contrapor-se ao Mercosul, à UNASUL e ao Conselho de Defesa Sul-americano”.
       (JB) -    A visita de Estado que a Presidente da República faz à Espanha, coincidindo com a Reunião Ibero Americana de Cádiz, reclama algumas  reflexões. A primeira delas leva à necessária cautela diante da lisonja. É natural que os povos, como os indivíduos, sintam-se felizes, quando lisonjeados. Os indivíduos sábios, como os povos sábios, aceitam o respeito dos outros, mas desconfiam da lisonja. É como devemos nos comportar com os elogios do governo, das elites econômicas e de parte da imprensa espanhola, nestas horas.
         De início, entendamos que a crise  mundial, que afeta particularmente os países meridionais da Europa, é mais do que uma questão econômica. Ela está no núcleo da razão ocidental, e  na incapacidade de as estruturas políticas conduzirem o processo do conhecimento científico, que introduziu novos módulos de convívio entre as pessoas e os povos, principalmente mediante os meios instantâneos de comunicação. O problema crucial do homem continua sendo o da desigualdade no usufruto da vida, e a ciência e a tecnologia, longe de resolvê-lo, o têm agravado.
        O bom momento por que estamos passando, no Brasil, pensando bem, não é tão bom assim, nem garantido: os horizontes do mundo são movediços, movediças as placas tectônicas, movediça a crosta flamejante do sol – que nos manda seus recados de perigo com as freqüentes e intensas erupções – e, mais movediça ainda, a alma dos homens.
Essa constatação nos inibe o exercício da soberba, ao mesmo tempo em que convoca a razão humanística da solidariedade. Há, no entanto, que se preservar a auto-estima.
Aos que nos lisonjeiam, pensando que nos engambelam, devemos deixar claro que não somos parvos, e entendemos bem os seus interesses, da mesma forma que preservamos os nossos.
        É assim que vemos a presença da Presidente Dilma Rousseff em Cádiz – que salvou, in extremis, o encontro, segundo a publicação El Confidencial de Madri. Mas é necessário deixar claro que ali não fomos em busca de nada, porque a Espanha nada nos pode ofercriecer,  neste momento, senão suas mãos vazias, em busca de algum apoio, quando as suas ruas se enchem de desempregados e de famílias despejadas pela voracidade dos bancos credores. Feito esse reparo, voltamos à necessidade de que nos comportemos, nesta quadra, sem descabidos orgulhos, mas tampouco sem sinais de que nos curvamos a uma superioridade que os espanhóis insistem em proclamar. Somos solidários, sim, com o povo ibérico, mas nada nos obriga a ser solidários com o Santander, a Telefónica, a Iberdrola, que nos exploram, nem com uma monarquia que começa a divertir, com seus escândalos e gafes, o jet-set internacional.
A imprensa espanhola – a partir de El Pais, que se encontra em duras dificuldades financeiras – procura dar a versão de que fomos a Madri em busca de investimentos. A verdade, no entanto, é que a Espanha nunca teve dinheiro para investir no Brasil, nem mesmo os 90 bilhões de dólares que apregoa, porque todo o dinheiro que eventualmente trouxe, tomou emprestado de terceiros, e faz parte dos 3 trilhões de euros que o país e suas empresas estão devendo, e que seu povo terá que pagar a partir de agora.
      A pretensa competência espanhola na condução de sua economia, ou de seus líderes empresariais na direção de seus negócios, é um mito que a realidade está demolindo.   O país só conseguiu sair do atraso e do obscurantismo a que esteve relegado durante a maior parte do século XX,  sob a peste do franquismo, porque recebeu bilhões de euros  de recursos da União Européia, a fundo perdido, e fez empréstimos ainda maiores, aproveitando os juros historicamente baixos, durante os primeiros anos do euro. Uma fortuna imensa, muito acima da capacidade de produção do país, ou da renda real de sua população,  que a Espanha não soube utilizar para forjar  economia competitiva e sólida, mediante o desenvolvimento industrial interno e autônomo.
       Investiu-se muito em obras de  infraestrutura, muitas delas, hoje sub-utilizadas; os bancos usaram os recursos fartos na especulação imobiliária. E se aplicou, mais do que seria conveniente, no setor de serviços, como no mercado financeiro e nas telecomunicações. Aqui, no Brasil, há quem pense que a Telefónica é uma empresa de classe mundial, quando o grupo deve mais de 100 bilhões de dólares,  dívida  impagável, principalmente se considerarmos a situação de crise que  espera a Europa e os Estados Unidos nos próximos anos.
       Da mesma forma, muita gente acredita que o Santander do Sr. Emilio Botin é uma potência, quando na verdade  teve uma queda de 60% do lucro na matriz este ano, e perdeu quase 50% do seu valor de mercado no Brasil, desde 2009. Mal administradas, com o valor e o lucro em queda, que futuro as empresas espanholas esperam na América Latina? A nacionalização por capitais locais, com ou sem ajuda do governo, ou a transferência de seus ativos e contratos para empresas chinesas, que contam com real  capacidade para investir, com o apoio do país que detêm as maiores reservas internacionais e é o maior credor dos Estados Unidos no mundo.
       Esse foi o caso, por exemplo, da Repsol espanhola, que passou a metade do seu negócio no Brasil para a Sinopec, chinesa. 
Mas, em vez de deixar que as coisas se desenrolem normalmente, o Governo Federal vem financiando, direta e indiretamente as multinacionais espanholas no Brasil, enquanto elas continuam a enviar  bilhões de dólares em remessa de lucros para as suas matrizes todos os anos.
      Em setembro de 2011, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais eximiu o Santander de pagar cerca de 4 bilhões de reais em impostos. No mesmo ano, a Vivo, leia-se Telefónica, que tem entre seus “conselheiros”, o genro do rei da Espanha - um ex-jogador de handebol, agora processado por corrupção em seu país - obteve, de uma só vez, 3  bilhões de reais em empréstimos do BNDES para “expansão de infraestrutura”. O BNDES tem financiado  a instalação e expansão de empresas espanholas em outras áreas, como as de transmissão de energia e geração eólica, quando deveria, no mínimo, fazer o mesmo, para assegurar com a mesma generosidade a criação e a presença de empresas 100% brasileiras nessas áreas.
      Outro mito que se propagou no Brasil, durante a tragédia neoliberal dos anos 90, é o da excelência técnica da engenharia espanhola, e dos técnicos espanhóis de modo geral. A imprensa espanhola não se cansa de dizer que precisamos de suas construtoras para reformar estádios de futebol e as instalações para as Olimpíadas, e para a construção de estradas. É risível. Como se não tivéssemos nós, brasileiros, construído Brasília, a cidade que surpreendeu o mundo por seu projeto urbanístico e arquitetônico; pontes como a Rio-Niterói, estradas como a Transmauritaniana, em pleno Saara, aproveitando conchas encontradas na areia para fazer cimento, ou Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo, com uso de uma linha de resfriamento contínuo de concreto, quando a Espanha, ainda na agonia do franquismo, nem mesmo sequer dispunha de uma rodovia duplicada. Na construção de navios também não nos é dado o direito de ter memória curta. Não custa nada lembrar  que a nossa indústria naval era a primeira do mundo nos anos 70. O mesmo erro se comete com relação às universidades. A possibilidade de, talvez, a média das universidades espanholas ser de boa qualidade, e de estarmos enviando estudantes para lá, pelo Programa Ciência sem Fronteiras, não nega o fato de, no ranking das melhores universidades do mundo, a USP estar à frente de qualquer universidade ibérica (segundo a The Times Higher Education World University Rankings, 2012/2013).
       Ora, se a Espanha não tem capitais próprios para investir no Brasil, nem excelência em engenharia de grandes obras, qual a vantagem de continuar estreitando os laços com as elites espanholas e os seus representantes?
A Presidente salvou a cúpula de Cádiz do malogro, mas o Brasil, como nação e seus interesses com relação à interação continental, foi golpeado, com uma conferência, dentro do evento,  patrocinada pela Espanha, da Aliança do Pacífico,        organização fomentada  pelo México com a intenção de “rachar” diplomaticamente a América do Sul, e que reúne a Colômbia, o Chile e o Peru, na tentativa de contrapor-se ao Mercosul, à UNASUL e ao Conselho de Defesa Sul-americano. Aproveitando a presença de Dilma, a imprensa espanhola voltou a anunciar, como faz regularmente, que o Brasil estaria mudando a legislação para permitir a entrada de trabalhadores espanhóis em nosso país.
     Em respeito aos 11.000 brasileiros expulsos da Espanha nos últimos anos, seria conveniente  que nenhuma medida nesse sentido fosse tomada sem  o critério de reciprocidade, de forma que se os cidadãos brasileiros quisessem – embora, nesse momento, seja improvável – pudessem usar do mesmo direito, o de entrar na Espanha e ali trabalhar, em iguais condições.
Uma última observação: o governo espanhol anunciou ontem que pretende dar visto de residência automática aos nacionais de certos paises que ali adquirirem moradias (da qual estão sendo despejadas as famílias espanholas) pelo valor mínimo de 400.000 reais. A medida não favorece os espanhóis, mas, sim, reduz o buraco em que se meteram os bancos. Ora, como um país que se encontra nesta situação, pode se apresentar - sem dinheiro do BNDES -  como “investidor” nas grandes obras brasileiras?
    Ao aceitar tais “investimentos” o Brasil poderá estar salvando as elites empresariais claudicantes da Espanha, mas não estará ajudando seu povo, nem o nosso. E há mais, quando perguntaram  quem seriam os compradores dos imóveis, o funcionário responsável pela declaração citou russos e chineses, pertencentes ao BRICS.  O Brasil é parte dos BRICS. Ao que parece, os brasileiros, mesmo com dinheiro, continuam sendo indesejáveis ali.
*Gilsonsampaio

Lula recebe prêmio e se encontra com o primeiro-ministro da Índia

Lula desembarca em Nova Déli, na Índia Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula Lula desembarca em Nova Déli, na Índia
Na última etapa de sua viagem, o ex-presidente recebe amanhã o prêmio Indira Gandhi
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou nesta quarta-feira (21) à Índia.  Lula receberá amanhã, no Palácio Presidencial Rashtrapati Bhavan, o prêmio Indira Gandhi Pela Paz, Desarmamento e Desenvolvimento 2010. A cerimônia de entrega estava prevista para acontecer no dia 22 de novembro de 2011, mas o ex-presidente cancelou a viagem no final do ano passado para tratar do câncer que havia recém descoberto em sua garganta. Recuperado da doença Lula foi convidado pelo governo indiano para, no mesmo dia 22 de novembro, porém um ano depois, visitar a Índia para receber oficialmente o prêmio.
Depois da cerimônia de premiação, Lula será recebido em um almoço oferecido pelo primeiro-ministro Manmohan Singh.
Na sexta-feira, Lula fará uma palestra para empresários pela manhã e uma conferência, às 18h, no Nehru Memorial Lecture, em homenagem à Jawaharial Nehru, considerado o fundador do estado democrático indiano.
O ex-presidente retorna ao Brasil neste fim-de-semana.
* InstitutoLula