A TV (tenta) organizar a massa para seus fins
Rede Brasil Atual.
A
mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas
manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais
emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave
estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a
situação.
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram os setores conscientes da vida política brasileira”. (Editorial de O Globo, 2/4/1964)
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram os setores conscientes da vida política brasileira”. (Editorial de O Globo, 2/4/1964)
A TV,
chamada de “Príncipe Eletrônico” pelo sociólogo Octavio Ianni, está
conduzindo as massa pelas ruas brasileiras. À internet coube o papel de
convocar, à TV de conduzir.
Ao
perceber que o movimento não tinha direção e poderia assumir bandeiras
progressistas, as emissoras de TV, com a Globo à frente, passaram a
conduzi-lo.
Nos
primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que estavam nas ruas e
precisavam ser reprimidos. Reproduziam em linguagem popular o que pediam
os editoriais da mídia impressa.
Não
esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que
ganhou. Longos anos de neoliberalismo exaltando o consumo e o
individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer política
voltada para a solidariedade e a transformação social.
Os
partidos que poderiam ser eficientes canais de participação passaram a
se preocupar mais com o jogo do poder do que com debate e o
esclarecimento político, tão necessário na formação dos jovens.
Tudo
isso estava engasgado. O movimento do passe livre serviu de destape.
Reprimido com violência como queria a mídia, ele cresceu. Milhões foram
às ruas em repúdio ao vandalismo policial daquela quinta-feira (13).
As
bandeiras, ao se multiplicarem, diluíram. A história registra o
surgimento, nesses momentos, de líderes carismáticos ou de militares bem
armados para levar as massas à trágicas aventuras. Alemanha nos anos
1930 e o Brasil em 1964 são apenas dois exemplos.
Em 2013,
quem assumiu esse papel foi a TV. Percebendo a grandeza física do
movimento, mudou o discurso e passou a exaltar a “beleza” das
manifestações. Ofereceu para elas as suas bandeiras voltadas para
assediar o poder central.
O grito
genérico contra a corrupção ecoa a tentativa de golpe contra o governo
Lula em 2005, ensaiado pelos mesmos agentes de hoje. Naquela época o
esforço era maior. A TV tinha de convencer a massa a ir para a rua. Em
2013 ela já estava caminhando, era só entregar as bandeiras.
É o que
estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só
o começo. O JN, na sexta-feira (14), censurou uma entrevista dada no
Rio por uma integrante do Movimento do Passe Livre, Mayara Vivian.
Enquanto
ela falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a
reforma agrária, a reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi
cortada pela censura global. Esses temas não fazem parte das bandeiras
da família Marinho.
A
mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas
manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais
emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave
estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a
situação.
Tanto
entenderam que às 20h30 centenas, se não milhares de pessoas,
continuavam a sair das estações do Metrô na Avenida Paulista. Iam se
juntar aos “apolíticos” que hostilizavam os militantes partidários
insuflados por “pitbulls” (jovens parrudos) estrategicamente postados ao
longo da avenida. Pela minha cabeça passaram imagens das brigadas
nazistas vistas no cinema.
Os
cartazes tinham de tudo. Alguém disse que era um “facebook” real. Cada
um “postava” na cartolina a sua reivindicação. E a TV até disso se
aproveitou.
Na sexta
pela manhã, Ana Maria Braga ensinava como as mães deveriam orientar
seus filhos na confecção desses cartazes. Como o Movimento pelo Passe
Livre já disse que não iria mais convocar novas manifestações, parece
que a Globo assumiu o comando. Quando será o próximo ato? Saiba na
Globo.
Fustigado
nas ruas e nas telas, o governo para responder, tem de se valer da
mesma TV que o ataca. Julgou, como julgaram outros governos, que isso
seria possível e por isso não constituiu canais alternativos de rádio e
TV capazes de equilibrar a disputa informativa (a presidente Cristina
Kirchner não entrou nessa).
Sem
falar na regulamentação dos meios eletrônicos cujo projeto formulado ao
final do governo Lula está engavetado. Se houvesse sido enviado ao
Congresso e aprovado, outras vozes estariam no ar. Teríamos mais chance
de evitar o golpe anunciado.
Laurindo
Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da
ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da
sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter:
@lalolealfilho.
*Mariadapenhaneles