Os russos estão chegando…de novo… E eles continuam com 3 metros de altura!
Por William Blum
Então, o que temos aqui? Na Líbia, na Síria e em outros lugares os
Estados Unidos estão no mesmo lado dos caras da Al-Qaeda. Mas não na
Ucrânia. A má notícia é que, na Ucrânia, os Estados Unidos estão do
mesmo lado dos neo-nazistas, aqueles caras que entre uma manifestação e
outra – exibindo suásticas e outros símbolos e clamando pela morte dos
judeus, dos russos e dos comunistas -, arrumaram tempo para incendiar o
prédio de uma central sindical em Odessa, matando um monte de gente e
mandando centenas para o hospital; muitas das vítimas foram espancadas
ou alvejadas quando tentavam escapar das chamas e da fumaça; ambulâncias
foram impedidas de chegar até os feridos. Procure e ache um veículo da
mídia mainstream que tenha feito alguma tentativa séria de cobrir esse
horror.
E como esse último exemplo de excepcionalismo da política externa
americana aconteceu? Um ponto de partida que pode ser cogitado está no
que o ex-secretário de Defesa e diretor da CIA Robert Gates disse em
suas memórias recentemente publicadas: “Quando a União Soviética entrou
em colapso no final de 1991 [o secretário de Defesa Dick Chaney] queria
ver não apenas o desmembramento da União Soviética e do império russo
mas da própria Rússia, para que ela nunca mais voltasse a ameaçar o
resto do mundo”. Isso pode servir como marco inicial dessa nova guerra
fria, enquanto o corpo da anterior ainda estava quente. Logo depois, a
OTAN começou a cercar a Rússia de bases militares, bases de mísseis e
homens, ansiando pela Ucrânia como parte necessária para fechar o cerco.
Em fevereiro deste ano, funcionários do Departamento de Estado dos
Estados Unidos em atitude não-diplomática uniram-se aos manifestantes na
capital ucraniana, Kiev, distribuindo ânimo e comida, o que se
comprovou com o vazamento da gravação da conversa infame entre o
embaixador americano na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, e a assistente do
Departamento de Estado, Victoria Nuland, ex-embaixadora americana na
OTAN e ex-porta-voz da secretária do Departamento de Estado, Hillary
Clinton. A conversa versava sobre quem deveria liderar o novo governo da
Ucrânia depois que Viktor Yanukovich fosse derrubado; o preferido era
Arseniy Yatsenuk.
John Huge, meu querido amigo de Washington, que nos deixou recentemente,
gostava de dizer que se quisessem chamá-lo de “teórico da conspiração”
ele teria que chamar os outros de “teóricos da coincidência”. Por uma
coincidência incrível Arseniy Yatsenuk realmente se tornou o atual
primeiro-ministro da Ucrânia. Logo ele estaria metido em encontros
privados e coletivas de imprensa com o presidente dos Estados Unidos e o
secretário-geral da OTAN, e também com os futuros novos donos da
Ucrânia: o Banco Mundial e o FMI, preparando-se para impor sua terapia
financeira de choque.
Os manifestantes da Ucrânia não precisam de doutores em economia para
saber o que isso pressagia. Eles conhecem a história de empobrecimento
da Grécia, da Espanha, etc. Eles também desprezam o novo regime pela
maneira que derrubaram um governo democraticamente eleito, com as
deficiências que tivesse. Mas a mídia americana esconde essas razões
referindo-se quase sempre aos manifestantes como pró-Rússia.
Uma exceção que passou discretamente foi uma reportagem de Donetsk
publicada na edição de 17 de abril do Washington Post com dezenas de
entrevistas com cidadãos da Ucrânia do leste. Baseado nessas entrevistas
o repórter dizia que a inquietude na região se devia ao temor de que
houvesse um endurecimento da política econômica com um plano de
austeridade do FMI que tornaria suas vidas ainda mais difíceis. “Nesse
momento perigoso e delicado, o governo pró-Ocidental está pronto para
iniciar uma terapia de choque de medidas econômicas para cumprir as
exigências de um empréstimo de emergência do FMI”, escreveu.
Arseniy Yatsenuk, deve-se destacar, tem uma coisa chamada Arseniy
Yatsenuk Foundation. Se você entrar no site da fundação, vai ver os
logos dos parceiros da fundação. Entre eles está a OTAN, o NED (National
Endowment for Democracy), o Departamento de Estado dos EUA, a Chatham
House (Instituto Real de Assuntos Internacionais do Reino Unido), o
alemão Marshall Fund (um think-tank fundado pelo governo alemão em
homenagem ao Plano Marshall dos EUA), e mais um par de bancos
internacionais. Precisa comentar?
Pode ser que a aliança com os apoiadores da Al-Quaeda e com os nazistas
esteja transmitindo aos funcionários do governo americano a ideia de que
eles podem dizer ou fazer qualquer coisas na política externa. Na
coletiva de imprensa do dia 2 de maio, o presidente Obama, referindo-se à
Ucrânia e ao tratado com a OTAN, disse: “Estamos unidos pelo inabalável
artigo 5 do compromisso de segurança dos aliados da Otan” (O artigo 5
diz: Os países-membro concordam que um ataque armado contra um ou mais
deles deve ser considerado um ataque contra todos”). Será que o
presidente esqueceu que a Ucrânia não é (ainda) um membro da OTAN?
Na mesma coletiva de imprensa, o presidente se referiu ao “governo
devidamente eleito de Kiev”, enquanto na verdade esse governo tomou
poder via um golpe e imediatamente estabeleceu um novo regime no qual o
primeiro-ministro, o ministro da agricultura, o ministro do
meio-ambiente são todos de partidos nazistas de extrema-direita.
O horror total que caracteriza a direita ucraniana dificilmente pode ser
exagerado. Em março passado, o líder do Pravy Sektor (Ala Direita)
convocou seus camaradas, os infames terroristas chechenos, para levar a
cabo ações terroristas na Rússia.
Mas pode haver uma diferença importante entre a velha Guerra Fria e a
nova. O povo americano, e os de outras partes do mundo, não podem ser
facilmente submetidos a uma lavagem cerebral como foram no período
anterior.
Entre as coisas estranhas que encontrei ao pesquisar durante uma década
para os meus primeiros livros e artigos sobre a política externa dos
EUA, foi quão frequentemente a União Soviética parecia saber o que os
Estados Unidos estavam prestes a fazer mesmo quando o povo americano não
tinha a menor ideia. Entre os anos 50 e 70 de vez em quando um leitor
mais atento podia reparar em uma notícia de algumas linhas, no pé de uma
página interna do New York Times, dizendo que o Pravda ou o Izvestia
diziam que um golpe recente ou um assassinato político na África, na
Ásia ou na América Latina tinham sido obra da CIA; o Times talvez
completasse dizendo que um representante do Departamento de Estado tinha
qualificado a história de “absurda”. E ficava por isso mesmo, sem
maiores detalhes; e eles não eram necessários, por que afinal qual
cidadão americano daria atenção a isso? Era apenas mais uma propaganda
ridícula dos inimigos. A quem eles pensavam estar enganando? A
ignorância/cumplicidade de parte da grande mídia americana permitiu que
os Estados Unidos se metessem em todo tipo de crime intencional e
desvio.
Foi só nos anos 1980, quando comecei a realizar uma pesquisa séria que
resultou no meu primeiro livro, Killing Hope, que fui capaz de preencher
as lacunas e perceber que os Estados Unidos tinham sido os mentores
daquele determinado golpe ou assassinato, e de muitos outros golpes e
assassinatos, sem falar nos incontáveis bombardeios, uso de armas
químicas e biológicas, eleições fraudadas, tráfico de drogas, sequestros
e muito mais que não aparece nem na mídia americana nem nos livros
escolares. (E uma parte significativa de ações aparentemente
desconhecida também pelos soviéticos).
Mais houve uma avalanche de revelações sobre os crimes dos Estados
Unidos nas últimas duas décadas. Muitos americanos e muitos povos do
mundo se tornaram mais educados. Eles são mais céticos em relação às
declarações dos Estados Unidos e da mídia bajuladora.
O presidente Obama declarou recentemente: “A forte condenação que a
Rússia recebeu por parte de países do mundo todo, indica até que ponto a
Rússia está do lado errado da história nisso [Ucrânia]”. Maravilhoso
vindo de um homem que tem entre seus parceiros jihadistas e nazistas e
vem fazendo a guerra em sete países. Nos últimos 50 anos tem algum país
cuja política externa tenha sido mais condenada do que os Estados
Unidos? Os Estados Unidos do lado certo da história só existem nos
livros de história publicados nos Estados Unidos.
Barack Obama, como quase todos os americanos, gosta de acreditar que a
União Soviética, talvez com a exceção única da 2.ª Guerra Mundial,
sempre esteve do lado errado da história tanto na política externa como
na doméstica. No entanto, em uma enquete conduzida por instituto de
pesquisas independente da Rússia em janeiro passado, e publicado no
Washington Post em abril, 86% dos entrevistados maiores de 55 anos
expressaram tristeza pelo colapso da União Soviética; e 37% dos que têm
entre 25 e 39 anos também. (Pesquisas similares tem trazido resultado
semelhante desde o fim da União Soviética. Essa foi publicada no USA
Today em 1999: “Quando o muro de Berlim caiu, os alemães orientais
imaginavam uma vida de liberdade onde os bens de consumo fossem
abundantes e as dificuldades desapareceriam. Dez anos depois,
significativos 51% dizem que eram mais felizes com o comunismo”.)
Ou com diz um provérbio russo: “Tudo que os comunistas disseram sobre o
comunismo era mentira mas tudo que eles disseram sobre o capitalismo era
verdade”.
Uma semana antes da publicação dessa pesquisa no Post em abril, o jornal
publicou um artigo sobre felicidade ao redor do mundo, que trazia essas
charmosas linhas: “Essencialmente, a vida sob o presidente Vladimir
Putin é uma descida espiral contínua para o desespero.” (…) “O que
acontece na Rússia é uma profunda infelicidade” (…) “Na Rússia, a única
coisa que se pode esperar é o doce abraço da morte”.
Atenção: não foi publicado como uma peça satírica mas como um estudo
científico, com gráficos e tudo, embora pareça saído diretamente dos
anos 1950.
Seja qual for o raciocínio, é imperativo que os Estados Unidos desistam
do persistente desejo de trazer a Ucrânia (e a Geórgia) para a aliança
da OTAN. Nada é capaz de atrair tantos coturnos russos ao solo ucraniano
quanto a ideia de que Washington quer colocar tropas da OTAN em cima da
linha da fronteira russa e a um cuspe de distância da histórica base
russa do Mar Negro, na Crimeia.
O mito do expansionismo soviético
Encontramos também referências constantes na mídia mainstream sobre o
“expansionismo russo”e ao “império soviético”, além do velho favorito “o
império do mal”. Esses termos derivam grandemente do controle de
outrora sobre a Europa Oriental. Mas a criação desses satélites em
seguida a 2.ª Guerra Mundial foi um ato de imperialismo ou de
expansionismo? Ou esse ímpeto simplesmente está em todo lugar?
Em um intervalo de menos de 25 anos, as forças ocidentais invadiram a
Rússia três vezes – nas duas guerras mundias e na “intervenção” de
1918-1920 – e fizeram 40 milhões de vítimas apenas nas duas guerras
mundiais. Para levar adiante essas invasões, o Ocidente usou a Europa
Oriental como estrada. É para surpreender alguém o fato de os soviéticos
quererem fechar essa estrada depois da 2.ª Guerra? Em praticamente
qualquer outro contexto, os americanos veriam esse gesto como
auto-defesa. Mas no contexto da Guerra Fria esse tipo de pensamento não
encontraria abrigo no discurso dominante.
Os estados bálticos da União Soviética – Estônia, Letônia e Lituânia –
não faziam parte dessa estrada e frequentemente eram notícia pedindo
maior autonomia em relação a Moscou, uma história “natural” para a mídia
americana. Esses artigos invariavelmente lembravam o leitor de que
“antigamente independentes”, os estados bálticos foram invadidos em 1939
pela União Soviética, incorporados como repúblicas da URSS, e
“ocupados” por ela desde então. Outro caso de brutal imperialismo russo.
Ponto final.
Acontece que os três países eram parte do império russo de 1721 até a
Revolução de 1917, no final da 1.ª Guerra Mundial. Quando a guerra
terminou em novembro de 1918, e os alemães foram derrotados, as nações
aliadas vitoriosas (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e etc.)
permitiram/estimularam as forças germânicas a permanecer nos Bálcãs
durante mais um ano inteiro para sufocar qualquer traço de bolchevismo
que ali houvesse; isso, com ampla assistência dos países aliados. Em
cada uma das três repúblicas, os alemães instalaram colaboradores no
poder que declararam independência do novo estado bolchevique
que,devastado pela Guerra Mundial, pela Revolução e pela prolongada
guerra civil provocada pela intervenção dos aliados, não teve outra
alternativa a não se aceitar o fato consumado. O resto da desvalida
União Soviética tinha que ser salvo.
Neste infeliz estado de coisas, ao menos para ganhar alguns pontos de
propaganda, os soviéticos anunciaram que estavam deixando as repúblicas
bálticas “voluntariamente”, de acordo com seus princípios de
anti-imperialismo e auto-determinação. Mas não é de se surpreender que
os soviéticos continuassem a considerar os países bálticos como parte
legítima de sua nação, esperando até que tivessem fortes o suficiente
para recuperar o território.
Então tivemos o Afeganistão. Certamente esta foi uma guerra
imperialista. Mas a União Soviética tinha convivido pacificamente com o
vizinho Afeganistão por mais de 60 anos sem devorá-lo. E quando os
russos invadiram o país em 1979, a principal motivação foi o
envolvimento dos Estados Unidos em um movimento, em grande parte
islâmico, para derrubar o governo afegão pró-Moscou. Não se poderia
esperar que os soviéticos tolerassem um estado pró-EUA, um governo
anti-comunista em sua fronteira, mais do que se esperaria dos Estados
Unidos poderiam que tolerassem um estado vizinho pró-soviético, o
governo comunista no México.
Além disso, se o movimento rebelde assumisse o poder, ele provavelmente
teria estabelecido um governo islâmico fundamentalista em uma posição de
fazer proselitismo aos numerosos muçulmanos nas repúblicas de
fronteiras soviéticas.
*oinversodocontraditorio