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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, agosto 28, 2011

Se o campo não planta, a cidade não janta

Reforma agrária dá um passo à frente
A principal conquista anunciada pelo ministro foi a suplementação de R$ 400 milhões no orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para obtenção de terras para a Reforma Agrária.
Além disso, houve a liberação dos R$ 15 milhões do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que estava contingenciado, e será implementado o Programa de Alfabetização Rural, nos moldes propostos pela Via Campesina
O governo vai financiar também um programa de agroindústria em assentamentos, com R$ 200 milhões para projetos de até R$ 50 mil e outros R$ 250 milhões para projetos até R$ 250 mil.
Para o dirigente do MST e da Via Campesina João Paulo Rodrigues, o conjunto das respostas do governo federal é uma “conquista importantíssima”, saldo da mobilização de uma jornada que mobilizou 20 estados e mais de 50 mil trabalhadores rurais.
Gritando e cantando refrões os trabalhadores comemoraram, "Se o campo não planta, a cidade não janta".
As conquistas da Via Campesina e do MST na jornada de lutas
-R$ 400 milhões para o orçamento do Incra para obtenção de terras para a Reforma Agrária.
- Liberação de R$ 15 milhões contingenciados do Pronera.
- Programa de Alfabetização Rural, nos moldes propostos pela Via Campesina.
- Agroindústria em assentamentos: R$ 200 milhões para projetos de até R$ 50 mil e outros R$ 250 milhões para projetos até R$ 250 mil, todos esses créditos a fundo perdido.
- MDA e Incra devem apresentar entre 7 e 10 de setembro um plano emergencial de assentamento até o fim do ano, mas também com vistas até 2014.
- Dívida: crédito de até R$ 20 mil, com juros de 2% ao ano e prazo de pagamento de sete anos, para quitar as dívidas atuais, liberando o acesso a novos créditos no Pronaf.
- Inclusão das áreas de Reforma Agrária no Programa de Habitação que o governo anunciará semana que vem.
- Produção Agroecologia Integrada e Sustentável (PAIS) terá recursos necessários para os projetos apresentados.
- Instalação de Grupo de Trabalho para elaborar nova regulamentação para uso dos agrotóxicos.
- Implementação de 20 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs).
- Cultura: criação de editais para bibliotecas, cinema e produção audiovisual, específicos para o campo.
- Programa de liberação de outorgas para rádios comunitárias em assentamentos.

Maluf, 80: um dicionário de malfeitos


Malufar: surrupiar, adulterar. Com prisão decretada nos Estados Unidos e todos os bens bloqueados no Brasil e em seis países, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) virou sinônimo de malfeitos no dicionário e chega aos 80 anos no próximo sábado deixando ao país um legado de impunidade. Responde a três ações penais e a um inquérito, que se arrasta há mais de cinco anos no Supremo Tribunal Federal (STF), por supostos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e corrupção. Em São Paulo, é processado por improbidade, o que lhe rendeu 41 dias de prisão e o bloqueio dos bens. Nada mais.

Enquanto promotores e procuradores aguardam, o deputado pode se beneficiar da idade, com a iminente prescrição dos crimes. Responde a dezenas de processos. O mais grave diz respeito ao sumiço de pelo menos US$344 milhões dos cofres paulistanos durante sua gestão como prefeito (1993-1996). Nada disso, no entanto, será citado na festa preparada por sua mulher, dona Sylvia, para celebrar seus 80 anos no Teatro São Paulo.

Um dos escândalos mais antigos, a compra de Fuscas para a seleção da Copa de 70, ficou para a história. Maluf foi inocentado do crime de uso do dinheiro público e não devolveu um só centavo. Também tem se livrado de outra denúncia, o Frangogate, sobre a compra por parte da prefeitura de aves de uma empresa da família Maluf.............

Charge do Dia

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48 anos da marcha de Washington


*comtextolivre

VEJA passou recibo do crime


Antes de publicar a edição dessa semana, a revista VEJA já tinha se complicado com a  denúncia de José Dirceu. Foi aberto boletim de ocorrência no 5º distrito policial de Brasília, que conta com o depoimento da camareira e do chefe de segurança do hotel. Na edição dessa semana, por burrice ou amadorismo, a revista produz prova robusta contra si mesma.
Com a denúncia de tentativa de invasão e falsidade ideológica pesava contra a revista apenas o fato do jornalista estar a seu serviço, o que poderia ser justificado com a alegação que o seu contratado agiu por conta própria, sem o aval da direção, mas ao usar as imagens obtidas pelo repórter, a VEJA assume cumplicidade e beneficiamento com os crimes conhecidos.
Na reportagem que fez com acusações contra José Dirceu, a VEJA afirma que “obteve” imagens de circulação do hotel, dando a entender que se tratava de imagens da câmera de segurança, só não admitiu que obteve imagens ilegalmente através de equipamento instalado pelo seu jornalista.
Vamos aos fatos: quando me deparei com as imagens, vi na hora que não se tratava de imagem de câmera de segurança interna, pois estas não apresentam data e horário, tem resolução baixa para câmeras normalmente usadas para esse fim e o posicionamento e foco que não privilegiam a tomada de todo o corredor, mas apenas de quem passava por ela.
A câmera que foi usada pelo repórter da Veja provavelmente é uma mini-câmera espiã wi-fi ( imagem abaixo) que pode ser instalada facilmente pois não precisa de fios ligando ao monitor que recebe as imagens. Ela tem uma fonte que pode ser facilmente instalada na fiação de um suporte de luz por algum funcionário da manutenção do hotel, regiamente pago para a função.
A câmera infravermelho acima ( à esquerda), por ter tamanho reduzido, é específica para espionagem e não possui leds IV, e diferente de câmeras usadas em segurança ( acima à direita) que tem uma quantidade desses leds para fornecer a iluminação que vai ser usada para captar as imagens, ela não “enxerga” no escuro como as câmeras comuns e precisam de alguma luz branca para captação de imagens.
Analisando as imagens da VEJA, percebe-se com facilidade se tratar de uma mini-câmera para espionagem. Câmeras de segurança, por ter fonte de luz IV própria, não são instaladas próximas à anteparos de iluminação, pois o reflexo da luz branca atrapalha. As imagens divulgadas pela VEJA identificam que a câmera usada para captá-las estava instalada junto ao anteparo de luz. Eles usam normalmente esse artifício para ocultar o equipamento, ter uma fonte de luz e energia para ligar a câmera. Perceba na imagem abaixo, os reflexos nas cabeças de José Dirceu e Fernando Pimentel que estão mais próximos a câmera, demonstrando que foi ocultada em um anteparo de luz.
As provas que a VEJA produziu contra si mesma agravaram a sua situação, agora além de tentativa de invasão de domicílio e falsidade ideológica, existe a confissão de invasão de privacidade, não só de José Dirceu e os políticos mostrados, mas de todos os hóspedes desse andar e dos funcionários do hotel.
Apesar da vergonhosa operação abafa ( Omertá tupiniquim) movida pelos principais veículos de comunicação, que demonstra um corporativismo criminoso ( se não for rabo preso por culpa no cartório), ainda restam aos atingidos, como o PT, acionar a Polícia Federal e o Procurador Geral da República por se tratar de um crime ainda mais grave quando atinge ministros de estado e põe em risco o estado democrático de direito.
Não sei quanto a vocês amigos, mas esse que vos escreve já está cheio desses abusos, é hora de dar um basta. A minha esperança se renova quando presencio manifestação do deputado Paulo Pimenta no twitter, que apesar de não ser do grupo do ex-ministro José Dirceu, exigiu do presidente José Eduardo Dutra, que o partido tome providências drásticas. Nem tudo está perdido, o deputado mostra que ainda restou algo da velha combatividade do PT.


Veja é a CIA ou a KGB do jornalismo?

Li o o que saiu na internet da matéria da Veja sobre o ex-ministro José Dirceu. Afora a o ódio político da revista, não há nenhum fato que possa ser configurado como algum ato ilícito. E, como não é servidor público, não caberia – mesmo que fosse verdade – saber se lhe pagaram uma diária de hotel. Conversar com deputados, senadores ou ministros é direito de qualquer um, inclusive de Dirceu.
Agora, não é direito de ninguém obter, de maneira clandestina, as imagens de um circuito privado de TV de um hotel, feito para a segurança dos hóspedes e visitantes e não para ser cedido a ninguém para bisbilhotar quem entra e sai.
Supondo-se, claro, que sejam imagens do circuito privado do hotel, não de alguma câmera secreta instalada por um “araponga” a serviço da revista.
De uma forma ou outra, espionagem e violação. Tal como fez o jornal de Murdoch com telefones na Inglaterra, a Veja “grampeou” um corredor de hotel.
Um empresa – a Editora Abril – que usa estes métodos, que mais pode fazer com a vida privada – e até a íntima – de pessoas conhecidas, na política ou em outras áreas?
Seja qual for a razão ou motivo, salvo uma investigação policial fundamentada e devidamente acompanhada pelo Ministério Público e pelo Judiciário, pessoas podem ser colocadas sob este nível de vigilância.
Ou a revista se acha a CIA ou a KGB do jornalismo?
Não, sei, mas que é caso de polícia, é.
Fernando Brito
No Tijolaço

sábado, agosto 27, 2011

CONSCIÊNCIA DE CLASSE DEVE DAR LUGAR À CONSCIÊNCIA DE RENDA (ECONÔMICA) PARA SE ENTENDER OS CONFLITOS SOCIAIS DE HOJE

Consciência de renda ou consciência de classe?Uma das teses fundantes do pensamento marxista é a consciência de classe que, durante o último século, tornou o discurso radicalizado entre os interesses de trabalhadores como uma classe universal (de um lado) e os proprietários dos meios de produção, ou seja, os patrões (de outro).

Há muito que teóricos de diversas áreas e a própria transformação da sociedade nos mostram, ou melhor, evidenciam, que  essa divisão é tão mais complexa, apesar de sua ainda existência como núcleo de uma batalha e entendimento dos conflitos sociais. A vida do século 21 ressaltou um outro conflito, muito antigo, que se estabelece entre o rico e o pobre e que hoje se estabelece de uma forma tão radical e oposta quanto a relação de conflito entre capital e trabalho.

Ao vermos comunistas históricos ao lado de capitalistas históricos, ao vermos trabalhadores infinitamente mais enriquecidos que muitos proprietários de pequenas empresas, ao vermos funcionários de partidos políticos como sanguessugas nos cofres públicos, ao vermos o financiamento público de grandes empresas, o aporte financeiros para fusões e o dinheiro público (no mundo inteiro) sendo usado para salvar banqueiros irresponsáveis e governos espúrios, torna-se necessário um estudo entre riqueza e pobreza menos econômico e mais jurídico e sociológico.

Tudo isso nos mostra  que é o momento de darmos maior atenção a consciência de renda (ricos e o resto da população). Há especialmente no Brasil uma taxação de impostos maior sobre as classe médias e pobres em detrimento dos ricos. Esse foi o modelo que gerou a atual crise dos Estados Unidos. Há no mundo um conflito evidente entre pobres e ricos, expresso muito claramente no governo Lula e também no governo de Barack Obaman nos Estados Unidos. A radicalização dos republicanos do Tea Party dos EUA e do PSDB/Serra (monarquista/teológico) mostra que há uma luta pela alienação das classes médias. É o conflito de renda que se expressa de forma mais evidente no discurso radical da extrema-direita. É preciso hoje ter mais consciência de renda do que consciência de classe.

Todo o discurso da revista Veja nos últimos anos, por exemplo, demonizando o PT e Lula com um moralismo udenista, foi uma tentativa de cooptar as classes médias de forma que estas classes tomassem para si o interesse dos muitos ricos. A intenção é que o brasileiro médio sinta as dores e os medos dos grupos que têm privilégios econômicos privados ou em associação com o Estado. A revista Veja e a grande mídia funcionam como baluartes da consciência de renda, fazendo o proselitismo das classes médias. O ideal é fazer com que o engenheiro, o médico e o profissional liberal em geral temam qualquer mudança social quanto os filhos do Roberto Marinho, os Civitas, os Frias e banqueiros.

Um estudo mais sociológico do conflito de renda pode abrir o entendimento para se taxar o luxo, a ostentação, a grandeza, a usura e o excesso  de modo que se construa uma sociedade mais justa e igualitária. Não haverá desenvolvimento sem violência no Brasil enquanto os ricos pagarem menos impostos do que os pobres. Não é possível um apartamento de 1000 m2 pagar proporcionalmente o mesmo IPTU que um barraco de madeira ou um apartamento de 120 metros quadrados. É preciso construir uma sociologia da igualdade.

Leia mais em Educação Política:

Caminha a Líbia para uma batalha final?



24/8/2011, Juliana Medeiros [da fronteira da Líbia], blog Substantivo Comum
A repórter Juliana Medeiros viajou à Líbia acompanhando a delegação brasileira

Grande dica do Blog Maria Frô
http://mariafro.com.br/wordpress/2011/08/24/juliana-medeiros-libia-maior-renda-per-capita-do-continente-africano/

Na última segunda-feira a OTAN iniciou uma pesada intensificação dos ataques diários à Líbia, país que vem sofrendo uma guerra civil interna com o apoio massivo de aviões da coalizão estrangeira em uma situação jamais vista na história humana, até agora.

Depois de definitivamente ter sido colocada no mapa pela mídia internacional, mas não exatamente pelo reconhecimento obtido na ONU em 2007 como o maior IDH do continente africano, a Líbia parece caminhar para uma batalha final.

No entanto, algumas perguntas são necessárias: com a maior parte da população armada até os dentes, um povo que gostaria de se libertar de “mais de 40 anos de ditadura” estaria resistindo por quase seis meses? Ou é factível que um exército de um país de pouco mais de 6 milhões de habitantes (equivalente à população do Rio de Janeiro), poderia resistir sozinho à artilharia aérea de pelo menos 5 países aliados da OTAN?

Para os membros da delegação brasileira que estiveram próximos à fronteira do país e foram impedidos de atravessarem a rodovia que liga a Tunísia à Líbia, em função dos ataques, foi fácil perceber que os grupos opositores já teriam encerrado os conflitos não fosse o apoio da OTAN – que inclui o fornecimento de armas pesadas aos rebeldes – e as sucessivas transferências de valores dos EUA para o banco do CNT – Conselho Nacional de Transição. Conselho que não representa a unidade dos opositores, notadamente pelo brutal assassinato do comandante militar rebelde causada por seus próprios comparsas.

O bombardeio que destruiu a única via de acesso – para entrar ou sair do país – utilizada pela imprensa, médicos, transporte de alimentos, combustível e demais itens de abastecimento, iniciaram a estratégia de levar a Líbia ao isolamento, através do aumento da pressão em direção à capital Trípoli.

O derramamento de sangue ocorre agora com a chancela da ONU e a campanha midiática internacional, que tenta confundir a opinião pública – com seus correspondentes baseados em Israel e imagens da "festa" em Benghazi sendo reportadas como se fossem em Trípoli – associando o que acontece na Líbia com o ocorrido na Tunísia ou Egito, para que os espectadores acreditem de que se trata unicamente de uma guerra contra um “ditador que está há 40 anos no poder”. Mas o que acontece na Líbia não passa por aí.

Não há um movimento popular que esteja em busca de melhores condições sociais no país que tem a maior renda per capita da África, em torno de 16.000 dólares e a ausência total de impostos. O que há é uma estratégia com detalhes de bastidores ainda não totalmente esclarecidos, mas que envolve com certeza, a promessa negociada com países interessados na exploração das riquezas líbias sem a interferência de Gaddafi, que exigia contratos com cláusulas bem menos interessantes para países acostumados a levarem vantagem nesse tipo de negociação comercial internacional.

Ainda que haja entre os rebeldes grupos legítimos que apóiem a mudança no país, é evidente agora que estes que avançam no deserto e para outras cidades além de Trípoli já não se comunicam com o que seria um manifesto do povo pela liberdade, seja ela de qualquer espécie. A começar pelo fato de que compõem a massa de opositores, presidiários de todos os tipos libertados de cadeias que foram abertas pelos rebeldes, mercenários de vários lugares do mundo e soldados do Qatar que se juntaram por terra à eles, vestidos como civis.

O ataque coordenado que busca tomar a capital iniciou-se de forma orquestrada entre a OTAN e grupos que chegaram a Trípoli rapidamente em dois aviões emprestados pelas forças estrangeiras, vindos de Benghazi. Outros vieram com destacamentos de soldados Qatarianos pelo mar, em três barcos que aportaram no litoral de Trípoli - vigiado há meses por porta-aviões americanos. E o mais espantoso, aproveitaram o momento da oração que quebra o jejum no final do dia, como acontece durante todo o mês de Ramadan, pegando a população desprevenida.

O presidente Barack Obama, em plena campanha para 2012, certamente estava em vias de arranjar uma saída rápida para a guerra, ainda que fosse silenciar sobre a morte de mais de 1300 civis em 12 horas de combate. A via diplomática (e mais improvável) chegou a ser sinalizada por uma ligação há alguns dias do presidente americano para o russo Mededev. Alguns analistas chegaram a acreditar que uma retirada seria eminente. No entanto, para um país que não conseguiu se retirar de um Iraque devastado após mais de 6 anos de ocupação, seria ingenuidade admitir essa possibilidade.

Outra notícia, a mais absurda do ponto de vista humanitário, foi a de que uma entidade de direitos humanos com o apoio da ONU iniciou a retirada de todos os estrangeiros da Líbia nos últimos dias, para que o genocídio programado não se transformasse em um incidente diplomático ainda maior.

Alguns veículos já anunciam a queda de Muammar Gaddafi ou sua rendição ou ainda sua fuga do país com a família. Porém, o mais provável é que ele encare de frente, com seus aliados, a sangrenta batalha e somente saia da Líbia se o matarem. Morte que agora parece próxima com o anúncio do CNT e OTAN de uma recompensa (!) para quem realizar o feito, em outra inédita manifestação de abuso das prerrogativas do direito internacional em situações de guerra, com a complacência da ONU.

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Capitalismo de desastre: abutres sobre a Líbia


25/8/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MH25Ak02.html
Pensem na nova Líbia como último espetacular capítulo da série “Capitalismo de Desastre”. Em vez de armas de destruição em massa, tivemos a R2P (“responsabilidade de proteger”). Em vez de neoconservadores, imperialistas humanitários.

Mas o alvo é sempre o mesmo: mudança de regime. E o projeto é o mesmo: desmantelar e privatizar uma nação que não se integrou ao turbo-capitalismo; abrir mais uma (lucrativa) terra de oportunidades para o neoliberalismo super turbinado. E a coisa vem em boa hora, porque acontece em momento já próximo de plena recessão global.

Demorará um pouco. O petróleo líbio não voltará ao mercado antes de 18 meses. Mas há o negócio da reconstrução de tudo que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou (sim, sim, nem tudo que o Pentágono bombardeou em 2003 foi reconstruído no Iraque...)

Seja como for – do petróleo à reconstrução – brotam oportunidades para negócios sumarentos. O neonapoleônico Nicolas Sarkozy da França e o britânico David das Arábias Cameron acreditam que estarão especialmente bem posicionados para lucrar com a vitória da OTAN. Mas nada garante que a nova bonança baste para arrancar da recessão as duas ex-potências coloniais (neocoloniais?).

O presidente Sarkozy em particular mamará nas oportunidades comerciais para empresas francesas o mais que possa – parte de sua ambiciosa agenda de “reposicionamento estratégico” da França no mundo árabe. Uma imprensa francesa complacente decidiu armar os ‘rebeldes’ com armamento francês, em íntima cooperação com o Qatar, incluindo uma unidade de comandos ‘rebeldes’ mandada por mar de Misrata para Trípoli sábado passado, no início da “Operação Sirene”.[1]

Bem, já se viram movimentos de abertura desses desenvolvimentos, desde quando o chefe de protocolo de Muammar Gaddafi fugiu para Paris, em outubro de 2010. Foi quando todo esse drama de mudança de regime começou a ser incubado.

Bombas em troca de petróleo

Como já observado (ver “Bem-vindos à ‘democracia’ líbia”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/08/pepe-escobar-bem-vindos-democracia.html), os abutres já voejam sobre Trípoli para devorar (e monopolizar) os despojos. E, sim – grande parte da ação tem a ver com negócios de petróleo, como disse Abdeljalil Mayouf, gerente de informações da Arabian Gulf Oil Company ‘rebelde’, em declaração nua e crua: “Não temos problemas com países ocidentais como empresas italianas, francesas e britânicas. Mas podemos ter algumas questões políticas com Rússia, China e Brasil.”

Esses três são membros crucialmente importantes do grupo BRICS das economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), países que estão crescendo, enquanto as economias atlanticistas e OTAN-bombardeantes estão afundadas em estagnação ou recessão. Os quatro principais BRICSs também se abstiveram na votação que aprovou a Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU, a mascarada daquela ‘zona aérea de exclusão’ que depois se metamorfoseou em bombardeio cerrado, pela OTAN, para forçar, de cima para baixo, uma ‘mudança de regime’. Esses países viram corretamente o que havia para ver, desde o início.

Para piorar (para eles) ainda mais as coisas, só três dias antes de o Africom (Comando Africano) do Pentágono lançar seus primeiros 150 (ou mais) Tomahawks contra a Líbia, o coronel Gaddafi deu entrevista à televisão alemã, na qual destacou que, se o país fosse atacado, todos os contratos de energia seriam transferidos para empresas russas, indiana e chinesas.

Assim sendo, os vencedores da bonança do petróleo já estão designados: membros da OTAM mais monarquias árabes. Dentre as empresas envolvidas, a British Petroleum (BP), a francesa Total e a empresa nacional de petróleo do Qatar. Do ponto de vista do Qatar – que investiu jatos de combate e soldados na linha de frente, treinou ‘rebeldes’ em táticas de combate exaustivo e já está negociando vendas de petróleo no leste da Líbia – a guerra se comprovará muito esperta decisão de investimento.

Antes da crise que já dura meses e está agora nos movimentos finais, com os ‘rebeldes’ já na capital, Trípoli, a Líbia estava produzindo 1,6 milhões de barris/dia de petróleo. Quando recomeçar a produzir, os novos senhores de Trípoli colherão alguma coisa como US$50 bilhões/ano. Estima-se que as reservas líbias cheguem a 46,4 bilhões de barris.

Melhor farão os ‘rebeldes’ da nova Líbia se não se meterem com a China. Há cinco meses, a política oficial chinesa já era exigir um cessar-fogo; tivesse acontecido, Gaddafi ainda controlaria mais da metade da Líbia. Pequim – que jamais foi fã de ‘mudança de regime’ violenta – está exercitando, por hora, a arte da moderação extrema.

Zhongliang, chefe do Ministério do Comércio, observou, otimista, que “a Líbia continuará a proteger os interesses e direitos dos investidores chineses, e esperamos manter os investimentos e a cooperação econômica”. Abundam as declarações oficiais que enfatizam a “mútua cooperação econômica”.

Semana passada, Abdel Hafiz Ghoga, vice-presidente do sinistro Conselho Nacional de Transição, disse à rede de notícia Xinhua que serão respeitados todos os negócios e contratos firmados com o regime de Gaddafi. – Mas Pequim não quer saber de correr riscos.

A Líbia forneceu apenas 3% do petróleo que a China consumiu em 2010. Angola é fornecedor muito mais crucial. Mas a China ainda é o principal consumidor de petróleo líbio na Ásia. Além disso, a China pode ser muito útil no front da reconstrução da infraestrutura, ou na exportação de tecnologia – nada menos que 75 empresas chinesas, com 36 mil empregados já trabalhavam na Líbia antes do início da guerra civil/tribal (e foram evacuados, com eficiência e sem alarde, em menos de três dias).

Os russos – da Gazprom à Tafnet – tinham bilhões de dólares investidos em projetos na Líbia; as brasileiras Petrobras, gigante do petróleo e a empresa construtora Odebrecht também tinham interesses lá. Ainda não se sabe exatamente o que acontecerá com eles. O diretor geral do Conselho de Comércio Rússia-Líbia, Aram Shegunts, está extremamente preocupado: “Nossas empresas perderão tudo, porque a OTAN impedirá que façam negócios na Líbia.”

A Itália logo entendeu que lá teria de ficar, “com ‘rebeldes’ ou sem”. A gigante italiana ENI, parece, não será afetada, dado que o primeiro-ministro Silvio “Bunga Bunga” Berlusconi pragmaticamente abandonou seu ex-íntimo amigo Gaddafi, logo no início do bombardeio EUA-Africacom/OTAN.

Os diretores da ENI italiana estão confiantes de que o petróleo líbio recomeçará a fluir para o sul da Itália ainda antes do inverno. E o embaixador da Líbia na Itália, Hafed Gaddur, disse a Roma que os contratos da era Gaddafi serão honrados. Por via das dúvidas, Berlusconi se reunirá com o primeiro-ministro do Conselho Nacional de Transição, Mahmoud Jibril, na próxima quinta-feira, em Milão. 

*grupobeatrice