Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 27, 2011

Caminha a Líbia para uma batalha final?



24/8/2011, Juliana Medeiros [da fronteira da Líbia], blog Substantivo Comum
A repórter Juliana Medeiros viajou à Líbia acompanhando a delegação brasileira

Grande dica do Blog Maria Frô
http://mariafro.com.br/wordpress/2011/08/24/juliana-medeiros-libia-maior-renda-per-capita-do-continente-africano/

Na última segunda-feira a OTAN iniciou uma pesada intensificação dos ataques diários à Líbia, país que vem sofrendo uma guerra civil interna com o apoio massivo de aviões da coalizão estrangeira em uma situação jamais vista na história humana, até agora.

Depois de definitivamente ter sido colocada no mapa pela mídia internacional, mas não exatamente pelo reconhecimento obtido na ONU em 2007 como o maior IDH do continente africano, a Líbia parece caminhar para uma batalha final.

No entanto, algumas perguntas são necessárias: com a maior parte da população armada até os dentes, um povo que gostaria de se libertar de “mais de 40 anos de ditadura” estaria resistindo por quase seis meses? Ou é factível que um exército de um país de pouco mais de 6 milhões de habitantes (equivalente à população do Rio de Janeiro), poderia resistir sozinho à artilharia aérea de pelo menos 5 países aliados da OTAN?

Para os membros da delegação brasileira que estiveram próximos à fronteira do país e foram impedidos de atravessarem a rodovia que liga a Tunísia à Líbia, em função dos ataques, foi fácil perceber que os grupos opositores já teriam encerrado os conflitos não fosse o apoio da OTAN – que inclui o fornecimento de armas pesadas aos rebeldes – e as sucessivas transferências de valores dos EUA para o banco do CNT – Conselho Nacional de Transição. Conselho que não representa a unidade dos opositores, notadamente pelo brutal assassinato do comandante militar rebelde causada por seus próprios comparsas.

O bombardeio que destruiu a única via de acesso – para entrar ou sair do país – utilizada pela imprensa, médicos, transporte de alimentos, combustível e demais itens de abastecimento, iniciaram a estratégia de levar a Líbia ao isolamento, através do aumento da pressão em direção à capital Trípoli.

O derramamento de sangue ocorre agora com a chancela da ONU e a campanha midiática internacional, que tenta confundir a opinião pública – com seus correspondentes baseados em Israel e imagens da "festa" em Benghazi sendo reportadas como se fossem em Trípoli – associando o que acontece na Líbia com o ocorrido na Tunísia ou Egito, para que os espectadores acreditem de que se trata unicamente de uma guerra contra um “ditador que está há 40 anos no poder”. Mas o que acontece na Líbia não passa por aí.

Não há um movimento popular que esteja em busca de melhores condições sociais no país que tem a maior renda per capita da África, em torno de 16.000 dólares e a ausência total de impostos. O que há é uma estratégia com detalhes de bastidores ainda não totalmente esclarecidos, mas que envolve com certeza, a promessa negociada com países interessados na exploração das riquezas líbias sem a interferência de Gaddafi, que exigia contratos com cláusulas bem menos interessantes para países acostumados a levarem vantagem nesse tipo de negociação comercial internacional.

Ainda que haja entre os rebeldes grupos legítimos que apóiem a mudança no país, é evidente agora que estes que avançam no deserto e para outras cidades além de Trípoli já não se comunicam com o que seria um manifesto do povo pela liberdade, seja ela de qualquer espécie. A começar pelo fato de que compõem a massa de opositores, presidiários de todos os tipos libertados de cadeias que foram abertas pelos rebeldes, mercenários de vários lugares do mundo e soldados do Qatar que se juntaram por terra à eles, vestidos como civis.

O ataque coordenado que busca tomar a capital iniciou-se de forma orquestrada entre a OTAN e grupos que chegaram a Trípoli rapidamente em dois aviões emprestados pelas forças estrangeiras, vindos de Benghazi. Outros vieram com destacamentos de soldados Qatarianos pelo mar, em três barcos que aportaram no litoral de Trípoli - vigiado há meses por porta-aviões americanos. E o mais espantoso, aproveitaram o momento da oração que quebra o jejum no final do dia, como acontece durante todo o mês de Ramadan, pegando a população desprevenida.

O presidente Barack Obama, em plena campanha para 2012, certamente estava em vias de arranjar uma saída rápida para a guerra, ainda que fosse silenciar sobre a morte de mais de 1300 civis em 12 horas de combate. A via diplomática (e mais improvável) chegou a ser sinalizada por uma ligação há alguns dias do presidente americano para o russo Mededev. Alguns analistas chegaram a acreditar que uma retirada seria eminente. No entanto, para um país que não conseguiu se retirar de um Iraque devastado após mais de 6 anos de ocupação, seria ingenuidade admitir essa possibilidade.

Outra notícia, a mais absurda do ponto de vista humanitário, foi a de que uma entidade de direitos humanos com o apoio da ONU iniciou a retirada de todos os estrangeiros da Líbia nos últimos dias, para que o genocídio programado não se transformasse em um incidente diplomático ainda maior.

Alguns veículos já anunciam a queda de Muammar Gaddafi ou sua rendição ou ainda sua fuga do país com a família. Porém, o mais provável é que ele encare de frente, com seus aliados, a sangrenta batalha e somente saia da Líbia se o matarem. Morte que agora parece próxima com o anúncio do CNT e OTAN de uma recompensa (!) para quem realizar o feito, em outra inédita manifestação de abuso das prerrogativas do direito internacional em situações de guerra, com a complacência da ONU.

++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++



Capitalismo de desastre: abutres sobre a Líbia


25/8/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MH25Ak02.html
Pensem na nova Líbia como último espetacular capítulo da série “Capitalismo de Desastre”. Em vez de armas de destruição em massa, tivemos a R2P (“responsabilidade de proteger”). Em vez de neoconservadores, imperialistas humanitários.

Mas o alvo é sempre o mesmo: mudança de regime. E o projeto é o mesmo: desmantelar e privatizar uma nação que não se integrou ao turbo-capitalismo; abrir mais uma (lucrativa) terra de oportunidades para o neoliberalismo super turbinado. E a coisa vem em boa hora, porque acontece em momento já próximo de plena recessão global.

Demorará um pouco. O petróleo líbio não voltará ao mercado antes de 18 meses. Mas há o negócio da reconstrução de tudo que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou (sim, sim, nem tudo que o Pentágono bombardeou em 2003 foi reconstruído no Iraque...)

Seja como for – do petróleo à reconstrução – brotam oportunidades para negócios sumarentos. O neonapoleônico Nicolas Sarkozy da França e o britânico David das Arábias Cameron acreditam que estarão especialmente bem posicionados para lucrar com a vitória da OTAN. Mas nada garante que a nova bonança baste para arrancar da recessão as duas ex-potências coloniais (neocoloniais?).

O presidente Sarkozy em particular mamará nas oportunidades comerciais para empresas francesas o mais que possa – parte de sua ambiciosa agenda de “reposicionamento estratégico” da França no mundo árabe. Uma imprensa francesa complacente decidiu armar os ‘rebeldes’ com armamento francês, em íntima cooperação com o Qatar, incluindo uma unidade de comandos ‘rebeldes’ mandada por mar de Misrata para Trípoli sábado passado, no início da “Operação Sirene”.[1]

Bem, já se viram movimentos de abertura desses desenvolvimentos, desde quando o chefe de protocolo de Muammar Gaddafi fugiu para Paris, em outubro de 2010. Foi quando todo esse drama de mudança de regime começou a ser incubado.

Bombas em troca de petróleo

Como já observado (ver “Bem-vindos à ‘democracia’ líbia”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/08/pepe-escobar-bem-vindos-democracia.html), os abutres já voejam sobre Trípoli para devorar (e monopolizar) os despojos. E, sim – grande parte da ação tem a ver com negócios de petróleo, como disse Abdeljalil Mayouf, gerente de informações da Arabian Gulf Oil Company ‘rebelde’, em declaração nua e crua: “Não temos problemas com países ocidentais como empresas italianas, francesas e britânicas. Mas podemos ter algumas questões políticas com Rússia, China e Brasil.”

Esses três são membros crucialmente importantes do grupo BRICS das economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), países que estão crescendo, enquanto as economias atlanticistas e OTAN-bombardeantes estão afundadas em estagnação ou recessão. Os quatro principais BRICSs também se abstiveram na votação que aprovou a Resolução n. 1.973 do Conselho de Segurança da ONU, a mascarada daquela ‘zona aérea de exclusão’ que depois se metamorfoseou em bombardeio cerrado, pela OTAN, para forçar, de cima para baixo, uma ‘mudança de regime’. Esses países viram corretamente o que havia para ver, desde o início.

Para piorar (para eles) ainda mais as coisas, só três dias antes de o Africom (Comando Africano) do Pentágono lançar seus primeiros 150 (ou mais) Tomahawks contra a Líbia, o coronel Gaddafi deu entrevista à televisão alemã, na qual destacou que, se o país fosse atacado, todos os contratos de energia seriam transferidos para empresas russas, indiana e chinesas.

Assim sendo, os vencedores da bonança do petróleo já estão designados: membros da OTAM mais monarquias árabes. Dentre as empresas envolvidas, a British Petroleum (BP), a francesa Total e a empresa nacional de petróleo do Qatar. Do ponto de vista do Qatar – que investiu jatos de combate e soldados na linha de frente, treinou ‘rebeldes’ em táticas de combate exaustivo e já está negociando vendas de petróleo no leste da Líbia – a guerra se comprovará muito esperta decisão de investimento.

Antes da crise que já dura meses e está agora nos movimentos finais, com os ‘rebeldes’ já na capital, Trípoli, a Líbia estava produzindo 1,6 milhões de barris/dia de petróleo. Quando recomeçar a produzir, os novos senhores de Trípoli colherão alguma coisa como US$50 bilhões/ano. Estima-se que as reservas líbias cheguem a 46,4 bilhões de barris.

Melhor farão os ‘rebeldes’ da nova Líbia se não se meterem com a China. Há cinco meses, a política oficial chinesa já era exigir um cessar-fogo; tivesse acontecido, Gaddafi ainda controlaria mais da metade da Líbia. Pequim – que jamais foi fã de ‘mudança de regime’ violenta – está exercitando, por hora, a arte da moderação extrema.

Zhongliang, chefe do Ministério do Comércio, observou, otimista, que “a Líbia continuará a proteger os interesses e direitos dos investidores chineses, e esperamos manter os investimentos e a cooperação econômica”. Abundam as declarações oficiais que enfatizam a “mútua cooperação econômica”.

Semana passada, Abdel Hafiz Ghoga, vice-presidente do sinistro Conselho Nacional de Transição, disse à rede de notícia Xinhua que serão respeitados todos os negócios e contratos firmados com o regime de Gaddafi. – Mas Pequim não quer saber de correr riscos.

A Líbia forneceu apenas 3% do petróleo que a China consumiu em 2010. Angola é fornecedor muito mais crucial. Mas a China ainda é o principal consumidor de petróleo líbio na Ásia. Além disso, a China pode ser muito útil no front da reconstrução da infraestrutura, ou na exportação de tecnologia – nada menos que 75 empresas chinesas, com 36 mil empregados já trabalhavam na Líbia antes do início da guerra civil/tribal (e foram evacuados, com eficiência e sem alarde, em menos de três dias).

Os russos – da Gazprom à Tafnet – tinham bilhões de dólares investidos em projetos na Líbia; as brasileiras Petrobras, gigante do petróleo e a empresa construtora Odebrecht também tinham interesses lá. Ainda não se sabe exatamente o que acontecerá com eles. O diretor geral do Conselho de Comércio Rússia-Líbia, Aram Shegunts, está extremamente preocupado: “Nossas empresas perderão tudo, porque a OTAN impedirá que façam negócios na Líbia.”

A Itália logo entendeu que lá teria de ficar, “com ‘rebeldes’ ou sem”. A gigante italiana ENI, parece, não será afetada, dado que o primeiro-ministro Silvio “Bunga Bunga” Berlusconi pragmaticamente abandonou seu ex-íntimo amigo Gaddafi, logo no início do bombardeio EUA-Africacom/OTAN.

Os diretores da ENI italiana estão confiantes de que o petróleo líbio recomeçará a fluir para o sul da Itália ainda antes do inverno. E o embaixador da Líbia na Itália, Hafed Gaddur, disse a Roma que os contratos da era Gaddafi serão honrados. Por via das dúvidas, Berlusconi se reunirá com o primeiro-ministro do Conselho Nacional de Transição, Mahmoud Jibril, na próxima quinta-feira, em Milão. 

*grupobeatrice

Nenhum comentário:

Postar um comentário