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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, agosto 25, 2011

Greve nacional no Chile: os conflitos e limites de um modelo




Uma greve nacional de dois dias segue no Chile nesta quinta-feira, resultando em confrontos violentos entre policiais e grevistas. Segundo o governo, 36 pessoas ficaram feridas e 348 foram detidas nos confrontos. Inúmeros sindicatos aderiram ao chamado da Central Unitária de Trabalhadores (CUT). A central sindical exige uma reforma tributária, da previdência social e do sistema de ensino, além de uma nova Constituição.
– Há uma escandalosa desigualdade social e econômica, cuja face mais suja é a forte concentração de riqueza do país, que faz com que os 20% mais ricos detenham 80% dos recursos nacionais – afirma um porta-voz da CUT.
Durante anos, o Chile se orgulhou de ter a economia mais forte da região e foi apontado como um modelo para seus vizinhos. Hoje, o país sofre as consequências de um sistema marcado por desigualdades na distribuição de renda e nas oportunidades.
– O sistema neoliberal não é suficiente para estabelecer um dos bens mais importantes na vida de um país, a paz social. Estes protestos são um sintoma da insatisfação com esse sistema. Em um país rico como o Chile de hoje, é absolutamente necessário que os políticos encontrem formas de diálogo para solucionar esse problema. Se uma sociedade se esquece de seus jovens, isso traz grandes problemas, que podem gerar manifestações e protestos sociais ainda mais violentos – diz o pesquisador Stefan Rinke, do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Universidade Livre de Berlim, especialista em história latino-americana.

Educação em crise
Cara, ruim e elitizada: assim é caracterizada a educação chilena por aqueles que a criticam. O Chile é um dos países em que a contribuição estatal para a educação superior é mais baixa – inferior a 20% – e a maior parte dos custos fica por conta dos estudantes.
De acordo com um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as universidades chilenas estão entre as mais caras do mundo. Estudar Medicina no país, por exemplo, pode custar até 800 euros por mês. Em busca de melhores oportunidades, milhares de estudantes migram para a Argentina, onde há universidades públicas gratuitas.
Embora por lei a educação no Chile não deva ter fins lucrativos e seus lucros devam ser reinvestidos na própria universidade, isso não ocorre na prática. O fim dos lucros é uma das principais reivindicações dos estudantes, os quais veem as universidades – que recebem recursos do Estado – ganhando dinheiro enquanto eles se endividam.
– Os novos setores que têm acesso à educação superior ingressam num sistema com uma dívida que os acompanhará durante os primeiros 15 ou 20 anos de sua vida profissional – aponta Juan Eduardo García-Huidobro, diretor de educação da Universidade Alberto Hurtado, em Santiago.
Um dos problemas básicos é a segmentação da sociedade. Quem tem uma renda mais baixa e estudou em escola pública, onde a educação é de pior qualidade, dificilmente terá acesso à universidade. Cerca da metade das famílias chilenas paga pela educação de seus filhos, buscando o melhor colégio possível de acordo com sua renda. Assim, há escolas para distintos grupos socioeconômicos, dependendo de quanto se pode pagar por elas.
A desigualdade social se reflete no desempenho acadêmico. Na PSU 2010 – prova de seleção nacional para ingressar nas universidades chilenas –, os alunos de colégios municipais gratuitos obtiveram uma média de 472 pontos; os dos particulares subsidiados (em que os pais pagam uma parte), 501; e os dos privados pagos, 611.

Ponto cego
A agitação social ultrapassou o âmbito da educação e o conflito adquiriu um caráter político. Diante da convocação da greve nacional, o governo ameaçou aplicar a Lei de Seguridade Interior do Estado, medida duramente criticada e que remete à repressão dos tempos do ditador Augusto Pinochet.
Para o chileno José Miguel Insulza, diretor da Organização dos Estados Americanos (OEA), isso seria um erro gravíssimo, pois não é o momento de reprimir manifestações, mas sim de canalizá-las.
– Este tipo de movimento juvenil é um sinal de esperança. Antes havia no Chile essa atitude dos jovens de ‘não estou nem aí’ e, com esse movimento, eles mostram a força que têm para se organizar e se fazer ouvir sobre um tema fundamental para o futuro do país – diz Rinke. Contudo, ainda não se vê uma solução.
García-Huidobro diz que o conflito chegou a uma espécie de ponto cego, com inflexibilidade de ambos os lados.
– O movimento social se sente com muito poder, eles sabem que têm um grande apoio. Pedem mudanças estruturais, de um sistema basicamente mercantil para um que volte a conceder ao Estado o papel central. E negar isso faz parte da ideologia de direita – considera.
*Cappacete

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