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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, agosto 21, 2011

TRABALHO ESCRAVO NA CADEIA PRODUTIVA

A liberdade completa

A liberdade do consumidor 

Nesta semana, uma grande marca internacional foi flagrada usando trabalho escravo na confecção de suas roupas que estampam vitrines de shoppings caros e luxuosos no Brasil e no mundo.

Para os mais chatos, me retifico: condições análogas à escravidão, já que os trabalhadores modernos não são submetidos à chibata, ao pelourinho. Mas esqueçamos o tecnicismo, o fato é que existe no Brasil trabalho escravo, seja em fazendas longes dos grandes centros urbanos ou em fábricas no centro de São Paulo.

Por “análogas à escravidão” se entendem cerceamento de liberdade do trabalhador, condições insalubres no local de trabalho, jornadas de trabalho muito mais longas que o permitido por lei, e, claro, nenhuma garantia trabalhista, como férias, décimo-terceiro, descanso semanal etc…

O caso dessa grande confecção não é único, e muito menos o último, como afirma Vivian Whiteman, editora de moda da Folha de S. Paulo. Chama mais atenção apenas por se tratar de uma marca famosa, mas os casos de escravidão em confecções em São Paulo são bastante conhecidos e divulgados. (O jornalista Leonardo Sakamoto, por exemplo, tem se dedicado bastante a esta questão. Há, inclusive, uma lista suja do trabalho escravo.)

Em geral, a mão de obra escrava, ou análoga, aqui se utiliza de imigrantes que vêm de países vizinhos como Bolívia, Peru e Paraguai. Tentam fugir de duras condições de vida e caem nessa armadilha. Na Amazônia e Centro-Oeste, principais centros de trabalho escravo, mas não os únicos, são migrantes brasileiros, em especial do Nordeste, que chegam seduzidos por promessas de renda. Só conseguem sair dessa condição por atos de sorte e bravura.

Como um colega de Yahoo! me chamou a atenção, temos e devemos rechaçar toda e qualquer empresa que empregue trabalho escravo (quantas sobrarão? poderemos comer carne, açucar ou soja sem financiar essas empresas?), mas não podemos apenas individualizar a questão, e achar que são fatos isolados. É comum, é espraiado, e se baseia na lógica do lucro absoluto, desregulamentado.

Já escrevi aqui neste espaço sobre a China e seu überkapitalismus, e continuo achando que esse é o novo movimento do capitalismo. O fim do Welfare State, o fim das esperanças e da crença na meritocracia (as atuais revoltas pelo mundo têm que significar algo). Enquanto a desregulamentação completa não chega, o paraíso liberal sonhado pelos Tea Party do mundo, algumas empresas de vanguarda se adiantam a ela.

É liberdade completa do mercado, do consumo. Mas é apenas para alguns, porque esta precisa, justamente, do seu contrário para poder se realizar, precisa de “trabalho irregular”, em condições análogas à escravidão. Até porque seria muito feio chamar esse trabalho de escravidão, palavra que não cabe no mundo livre!

*esquerdopata

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